Prioridade do governo Bolsonaro em 2022 é a destruição da legislação ambiental e da Amazônia

Fim do licenciamento ambiental, liberação de agrotóxicos cancerígenos, privatização de florestas e ataques aos povos indígenas: a agenda prioritária do Governo Federal no Congresso acelera o desmonte de órgãos e leis ambientais brasileiras no período pré-eleitoral

Vista aérea Floresta Nacional do Tapajós / PA. Crédito: Flávio Forner

Divulgada no último dia 9 de fevereiro, no Diário Oficial da União, a lista de prioridades do governo federal na Câmara dos Deputados e no Senado reúne 45 propostas que tramitam em ambas as casas. A maioria dos projetos tem relação direta com o estímulo ao desmatamento e à desregulamentação ambiental no país. 

As pautas só reforçam as diretrizes estabelecidas desde o começo do governo atual que têm causado grande impacto nos biomas brasileiros. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o discurso de campanha, a impunidade e os ataques à política ambiental sob o governo Bolsonaro contribuíram significativamente para o aumento das infrações ambientais na Amazônia. O estudo analisou o período de agosto de 2018 a julho de 2021, quando o desflorestamento cresceu 56% em comparação aos três anos anteriores. 

O reforço no pacote de medidas anti-ambientais no Legislativo e no Executivo Federal se dá no período pré-eleitoral em que Bolsonaro tem a expectativa de reaglutinar setores do agronegócio em torno de sua candidatura. Dessa forma, pretende levantar mais uma vez o patrocínio expressivo que recebeu em 2018 nas regiões de expansão da fronteira agrícola na Amazônia e outras áreas produtoras de grãos.  

Fim do licenciamento ambiental 

Uma das leis mais polêmicas em tramitação no Congresso é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, PL 3729/2004, apelidada de “mãe das boiadas”, que foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2021. O projeto prevê a flexibilização do licenciamento ambiental para uma série de empreendimentos como rodovias, ferrovias e gasodutos e cria um processo de autolicenciamento para outros. A medida também inclui a redução do papel dos órgãos ambientais no processo de licenciamento e fiscalização e diminuição das responsabilidades de empreendedores em projeto e obras potencialmente danosas ao meio ambiente. 

Além da flexibilização, o governo estuda a descentralização do licenciamento ambiental, alterando a Lei Complementar nº140, para deixar a cargo do IBAMA apenas empreendimentos considerados de maior interesse do governo. Isso significa relegar a avaliação de uma enorme quantidade de projetos de grande impacto a governos municipais e estaduais com menor capacidade técnica e institucional de avaliação.

Financeirização do meio ambiente e “concessão” de florestas 

O Projeto de Lei 5518/20 altera a Lei de Gestão de Florestas Públicas. De acordo com o Serviço Florestal Brasileiro, o Brasil conta com 311,6 milhões de hectares de florestas – 33% do território nacional, sendo que atualmente 1 milhão de hectares são concedidos à iniciativa privada. O projeto em questão simplifica o processo de concessão, acelera o processo de licenciamento e passa a autorizar a unificação de operações de áreas concedidas, tornando possível uma mesma empresa administrar diversas áreas ao mesmo tempo. O projeto também prevê a inclusão de novos serviços ambientais como objeto de concessão, como a permissão de comercialização de créditos de carbono. 

Na mesma linha está o Projeto de Lei 528/21, que institui o mercado brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) regulamentando a compra e venda de créditos de carbono no país. O crédito de carbono é um certificado, ou título, que atesta a redução de uma quantidade de gases de efeito estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global. Os títulos passariam a poder ser negociados com governos, empresas ou pessoas físicas, criando um mercado, gerido pelo Instituto Nacional de Registros de Dados Climáticos (INRDC), fiscalizado pelo Ministério da Economia. 

O principal problema da criação desse tipo de mercado no Brasil e no mundo é que ele tem como objetivo a compensação das emissões apenas e não sua redução. É, portanto, uma política ineficaz para evitar o aquecimento global, pois o crédito de carbono equivale a uma “licença” para que empreendimentos continuem emitindo CO2, em um cenário são necessárias reduções drásticas para enfrentar a crise climática que já causa tantos prejuízos no Brasil, como se testemunhou no último ano marcado por estiagem extrema acompanhada de chuvas intensas que causaram estragos e mortes.

Liberação geral dos agrotóxicos

Em 2021, Bolsonaro também alterou a Lei dos Agrotóxicos de 1989 para liberar e flexibilizar o registro de pesticidas que causam câncer. Em pouco mais de três anos do governo atual, já foi aprovado o uso de mais de mil novos agrotóxicos, totalizando 1/3 de todos os já aprovados no país (3 mil). Neste mês, a Câmara aprovou ainda o PL 6299/2002, que altera o controle da autorização de novos agrotóxicos no país, excluindo o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do IBAMA.  Com isso, o processo de autorização passa a ser centralizado no MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

Já o projeto de Lei 4166/12 autoriza a produção de agrotóxicos genéricos no país, o que aumentaria a quantidade de pesticidas disponíveis, porém, sem os mesmos critérios de qualidade de produção dos fabricantes originais. 

Ao mesmo tempo, o governo pretende, através do PL 1293/21, diminuir a fiscalização agropecuária no país, substituindo-a por programas de autocontrole, com adesão facultativa às regras estabelecidas.  O projeto em tramitação na Câmara ainda limita os valores das multas aplicáveis e torna possível a substituição dessas multas por medidas cautelares.  

Ataque aos povos indígenas 

Promessa assumida pelo governo Bolsonaro desde a campanha em 2018, o Projeto de Lei 191/20 regulamenta quase qualquer tipo de empreendimento em Terras Indígenas, como atividade de mineração, hidrelétricas e exploração de hidrocarbonetos, como o gás e o petróleo. 

O projeto de lei ainda autoriza de forma indiscriminada empreendimentos a realizarem  estudos técnicos prévios para avaliar o potencial exploratório de áreas naturais – sem a necessidade de qualquer autorização do Congresso, do Governo ou das comunidades que vivem nessas áreas. Essas comunidades, porém, passariam a ter participação nos lucros resultantes da exploração dessas áreas. De acordo com o PL, 0,7% do valor do valor referente à energia elétrica produzida no território afetado, por exemplo, seria destinado a esse fim. Essa lógica poderia aumentar significativamente os conflitos territoriais e políticos nas comunidades envolvidas, além de favorecer a privatização de extensas áreas dentro das terras indígenas, inviabilizando seu uso tradicional. 

Na lista das promessas anti-ambientais do presidente está também o Marco Temporal (PL 490/07), que altera o Estatuto de Índio, passando do Executivo para o Congresso a demarcação das áreas indígenas. Além disso, se o projeto for aprovado, passam a ser consideradas terras indígenas apenas as áreas ocupadas até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Brasileira, que seria um dos maiores retrocessos na política indigenista do país, inviabilizando a demarcação de terras extremamente importantes para a sobrevivência dos povos nativos.

Através de todos esses Projetos de Lei, Bolsonaro dobra sua aposta no desmonte da legislação ambiental e pode causar uma catástrofe impossível de se contornar a curto prazo, especialmente em território amazônico. Por isso, setores progressistas do governo precisam estar unidos em torno de uma agenda de resistência contra os PLs bolsonaristas para proteger a legislação ambiental e os biomas brasileiros.

*Com informações: Agência Câmara de Notícias

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