A história do MAB foi formada a partir da negação de uma série de direitos às populações atingidas – que já partem de uma condição mais humilde, campesina, de dificuldade de acesso ao sistema de justiça. Conforme o relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos, na construção e operação de barragens no Brasil, pelo menos, 16 direitos são sistematicamente violados.
Por isso, ao longo de sua trajetória, o movimento foi afirmando a necessidade de lutar pela efetivação dos direitos humanos das populações atingidas, configurando, assim, uma bandeira de luta. Ao longo dos anos, os atingidos passaram a reivindicar a identidade de defensores dos direitos humanos, pois começaram a se apropriar das estruturas negadas de acesso aos direitos e atuar na realidade concreta por mudanças dos rumos nos conflitos. Somente por meio das lutas travadas pelos atingidos, que foram efetivados direitos como: reassentamentos, indenizações, pagamentos de auxílio emergencial, e tratamento equivalente a homens e mulheres.
O conjunto dos direitos humanos enquanto uma perspectiva emancipadora ao povo atingido ainda é um desafio, em especial frente ao cenário de retrocessos no país, mas, a cada dia, com o trabalho de formação e educação popular, vamos avançando nas fronteiras da linguagem e nos apropriando de novos espaços. Lutar por terra, água, energia, distribuição de riqueza, é defender um projeto de país mais justo e igualitário. Entendemos a importância de um estado que efetivamente resolva os conflitos que dão origem às desigualdade no direito, e por consequência, a negação de direitos humanos.
Nosso entendimento é de que a questão central neste tema é a política energética, que transformou a energia em mercadoria para garantir extraordinária lucratividade ao capital. Somos defensores de que “água e energia não são mercadorias”. Lutamos por um projeto energético popular.
Queremos o uso dos recursos da água e da energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular – essa é a síntese do projeto de política energética que defendemos. Até início dos anos de 1990, o setor elétrico nacional era propriedade estatal sob o regime de monopólio, uma única empresa estatal produzia, transportava e distribuía a energia. Após este período, os serviços públicos foram repassados ao regime de propriedade privada, por meio de uma onda de privatizações. A nova política para energia elétrica, sob neoliberalismo, passou a ser orientada pelas regras de mercado.
O território brasileiro possui um dos maiores potenciais hídricos do mundo, dessa forma, geramos nossa energia elétrica via usinas hidrelétricas, uma fonte com custo de produção extremamente barata. Mesmo assim, o Brasil configura entre os 10 países que pagam as tarifas de energia mais caras. Nosso conhecimento sobre esta realidade revela que nossa luta não pode ser reduzida apenas a mudança de matriz tecnológica e da escolha da melhor fonte de geração renovável. A resistência aos projetos do capital tem enorme importância.
O MAB entende que a água é uma necessidade, um direito humano fundamental e que por tanto não pode ser mercantilizada ou se tornar uma commodities. O Brasil possuí a maior reserva de água doce do mundo, e ainda temos uma realidade favorável, onde 90% dos domicílios que estão ligados na rede de abastecimento de água estão sobre responsabilidade estatal, apenas 10% nas mãos do setor privado.
Essa realidade está inserida em um profundo ataque das empresas transnacionais, que pretendem transformar o direito do povo ao abastecimento público de água e coleta de esgoto em uma mercadoria, para possibilitar a extração de taxas de lucro extraordinárias, aplicando o mesmo modelo do setor elétrico brasileiro. Pretendem dividir o sistema de água e saneamento, que é feito por uma empresa em vários “negócios”, de várias empresas, que pode aumentar as tarifas de água em mais de 200%.
No campo, a situação também é dramática, a cada ano aumentam os conflitos e disputas pelo acesso a este bem, de um lado os camponeses que produzem 70% dos alimentos da população brasileira e do outro lado o agronegócio que exporta praticamente toda sua produção e consome 80% da água brasileira, secando nossos rios e aquíferos, utilizando da violência contra o povo por meio do poder de milícias, muros e cercas, legitimados pelas concessões de uso, dadas pelo Estado para garantir o lucro desse setor.
Lutamos contra a violência no campo e das violações dos direitos humanos pois acreditamos que as “águas são para a vida e não para a morte”. É necessário enfrentar e derrotar todos os processos e tentativas de privatização da água, e reverter os processos já privatizados, por isso afirmamos que “água e energia não são mercadorias” e sim para a soberania do povo brasileiro.
A construção de barragens em território nacional tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual das populações atingidas.
As consequências negativas são decorrentes de uma política nacional de planejamento, implementação e operação de barragens para geração de eletricidade, abastecimento de água, acumulação de rejeitos industriais e para usos múltiplos.
As barragens causam importantes impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais em um vasto território e produz centenas de milhares de populações atingidas.
A intensidade, gravidade e extensão destes impactos variem de caso para caso, conforme a diversidade regional, diversidade de situações (barragens grandes, médias e pequenas), diferenças temporais (barragens antigas, recentes e em construção); natureza dos reservatórios (água, rejeitos industriais, energia), natureza dos proprietários e responsáveis pela construção ou operação das barragens (empresas estatais, mistas e privadas – nacionais e internacionais); objetivos das barragens (geração hidrelétrica, abastecimento de água, rejeitos de mineração).
Conforme o Relatório de Segurança de Barragens 2018 (ANA, 2019) existem 17.604 barragens cadastradas nos 32 órgãos fiscalizadores (municipais, estaduais e nacional). Até o momento 5.086 foram classificadas por Categoria de Risco e 6.577 por Dano Potencial Associado, sendo que 909 estão classificadas simultaneamente como Categoria de Risco e Dano Potencial Associado altos.
Realidade que evidencia que o Brasil possui grande número de barragens e a magnitude dos impactos negativos é relevante, e são decorrentes da ausência de segurança em barragens e do padrão de violação de direitos dos atingidos.
Nesses tempos de crise econômica e climática, a Amazônia é cada vez mais vista como frente de expansão pelo capital. Os ataques em curso põem em risco a biodiversidade e a vida dos povos. O saque dos bens naturais, o desmatamento e as queimadas, bem como a privatização cada vez maior da água, podem causar consequências irreversíveis para todo o planeta.
Existe um modelo que reforça a posição da Amazônia como semicolônia de recursos minerais e energéticos e reafirma sua condição de “fronteira” agrícola e corredor para a exportação de commodities. Este modelo provou ser bom para alguns poucos “empresários”, sobretudo empresas transnacionais dos países centrais. Mas para o povo, praticamente não trouxe benefícios. Pelo contrário: aumentou a miséria e a violência. E é essa perspectiva que tem sido fortalecida desde as políticas do governo federal no momento presente.
Por outra lado, é possível construir um modelo de desenvolvimento para a Amazônia que coloque a vida em primeiro lugar, privilegiando a distribuição de riqueza e seu desenvolvimento sem a destruição da natureza e a utilização de recursos estratégicos para a melhoria geral das condições de vida da população seja nas cidades, alagados, nos travessões ou nas beiras dos rios. Este é o modelo que sonhamos construir para o presente e para o futuro. Se a Amazônia está em risco, somos todos atingidos!
Mais de 800.000 represas já foram construídas no planeta, seus reservatórios inundaram algo em torno de 1 milhão de metros quadrados (1% da superfície do planeta). Ao mesmo tempo o número de deslocados por barragens nos últimos 20 anos é estimado em mais de 40 milhões de pessoas. Boa parte são populações indígenas e tribais.
Em todos os casos as mesmas consequências acontecem ao longo do tempo: a degradação de florestas, redução drástica da pesca, emissão de gases que contribuem para o efeito estufa e o aquecimento global, riscos de tremores de terra, mudanças climáticas, morte dos cursos d’água.
Sem falar, no endividamento das economias de nações pobres como o Brasil em função de empréstimos gigantescos para a construção destas obras enormes e caríssimas.
Por estes motivos o MAB tem como compromisso e valor fundamental da luta o internacionalismo e a relação com as diferentes experiências de luta contra as barragens no mundo, através dos encontros internacionais de atingidos, e na América Latina em especial através do Movimiento de Afectados por Represas (MAR).