Beatriz Cerqueira: “A PNAB sinaliza um horizonte em que o Brasil buscará a reparação de décadas de violações de direitos humanos”

Entrevista: a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT/MG) fala dos impactos sociais, psicológicos, econômicos e ambientais causados pela atividade da mineração no estado de Minas Gerais e destaca o terror vivido pela população de Congonhas que vive abaixo da Mina da Casa de Pedra

Beatriz Cerqueira (deputada estadual PT/MG). Foto: divulgação

Com sérias críticas à condução do acordo entre a mineradora Vale e o Estado de Minas Gerais, que vem sendo discutido a portas fechadas, a deputada estadual de Minas Gerais Beatriz Cerqueira (PT) tem sido uma voz importante na defesa dos direitos das pessoas atingidas por barragens em no estado. Sua atuação incisiva envolve a pressão sobre autoridades e empresas, buscando punições e indenizações adequadas para as vítimas dos crimes cometidos por grandes mineradoras, assim como a luta por participação popular dos atingidos.

Além disso, ela tem trabalhado ativamente na formulação e apoio a leis mais rigorosas para a segurança das barragens, bem como na fiscalização mais eficaz dessas estruturas. Suas propostas buscam não apenas justiça para as vítimas, mas também medidas preventivas para evitar futuros crimes e assegurar a proteção das comunidades em situações similares.

Em entrevista exclusiva para o MAB, ela fala dos impactos sociais, ambientais e psicológicos causados pela mineração no estado e destaca o caso de Congonhas. segue realizando investimentos em sua expansão, que representará um salto na produção de 33 para 100 milhões de toneladas/ano de minério. Atualmente, Congonhas tem mais de 24 barragens, incluindo a Casa de Pedra, de propriedade da CSN, que está em nível 3 de alerta de rompimento e é a maior barragem de rejeitos em área urbana na América Latina. Segundo Beatriz, lá, a população vive sob o medo constante do rompimento da estrutura, uma bomba relógio que aterroriza os atingidos há anos.

Leia também
CSN falta à audiência convocada pela ALMG sobre expansão da atividade da empresa em Congonhas


Ainda assim, a mineradora CSN pretende ampliar sua atuação que já causa, além do terror psicológico, contaminação dos mananciais de água, poluição do ar, realizações de explosões próximas a áreas residenciais e inúmeras violações de direitos das populações atingidas. A deputada fala também da importância de se diversificar a matriz econômica do estado e celebra a aprovação da PNAB no Senado Federal. para garantir o direito dos atingidos.

MAB: Quais os principais impactos a mineração já causa para a população de Congonhas?

A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN pretende ampliar em três vezes a sua exploração no município, que já abriga a maior barragem de rejeitos em área urbana da América Latina.

Os relatos que temos recebido e a realidade que tenho acompanhado desde 2019, em Congonhas, é de intensas nuvens de poeira cobrindo os Profetas de Aleijadinho, adoecimentos físicos e emocionais em razão da poeira, das explosões, da contaminação e esgotamento dos recursos hídricos e da disputa pelos territórios.

Viver abaixo de um imenso complexo minerário em área urbana densamente ocupada, viver sob o terrorismo constante das barragens é muito (adoecedor).

Além disso, na BR 040, rodovia que nos liga até Congonhas, o trânsito dos caminhões a serviço das mineradoras é muito intenso. Os acidentes diários ou com vítimas fatais só aumentam. Essa tem sido considerada a rodovia mais mortal do país. Enfim, são muitas violações de direitos impostas à população de Congonhas em razão da intensa atividade minerária na região.


MAB: Como a ampliação da atividade da CSN pode impactar no meio ambiente e na qualidade de vida dos moradores?

A população respira um ar que não tem qualidade, o que provocará ainda mais adoecimentos. As nuvens constantes de poeira da mineração, a insegurança hídrica imposta à população, o avanço das mineradoras sobre territórios de agricultores e comunidades tradicionais demonstram que a atividade minerária em Congonhas precisa ser repensada e a economia local diversificada. Mas, pelo contrário, vemos uma tendência de aprofundar a minero-dependência. Esse é um modelo de morte e de depredação.

MAB: Como o seu mandato está atuando para garantir os direitos dos atingidos?

Beatriz Cerqueira e Márcia Mary Silva (atingida da Cidade de Barra Longa) durante audiência pública. Foto: divulgação

Temos realizado audiências públicas para ecoar a voz e as denúncias de graves violações de direitos sofridas pela população atingida. Temos cobrado de forma sistemática dos órgãos competentes providências para atender as demandas apontadas pelos moradores. Além disso, temos trabalhado de forma propositiva, apresentando projetos de lei que visam proteger o rico patrimônio ambiental, cultural e histórico que Congonhas abriga.

MAB: Como a mineradora tem se posicionado diante dos questionamentos do legislativo e da população?

As mineradoras que atuam no município muitas vezes não nos dão retorno aos questionamentos. Quando respondem, é de forma inconclusiva e esgueirando-se da responsabilidade de reparação pelos danos que provocam.

Leia também
Agua tóxica: Cinco Bacias brasileiras contaminadas pela mineração


MAB: No caso da repactuação do Rio Doce, qual sua opinião sobre o acordo que vem sido articulado entre o governo e a mineradora?

Em relação ao acordo, a situação é muito grave e muito preocupante. O governo do Estado tocou de forma secreta, sigilosa, entre quatro paredes, um acordo, ou possibilidade de um acordo, de bilhões de reais, sem que houvesse transparência, participação popular, sem que a sociedade pudesse ter acesso ao conteúdo do que estaria sendo proposto. E, o mais grave, sem a participação direta daqueles e daquelas que foram atingidos pelo crime da Vale. São milhares de pessoas, que viram seu modo de vida completamente destruído. E que, portanto, têm o direito de ter voz naquilo que afeta na sua vida.

O governo tem dito que essa negociação não discute ações individuais, reparações individuais. Não importa. No coletivo, nas ações que são para o conjunto da sociedade, aqueles que são atingidos também têm o direito da participação. A participação de quem foi atingido pelo crime da Vale não está restrita a questões que são danos morais, individuais, a um ressarcimento individual. Atingiu toda a sociedade e aqueles que são atingidos têm o direito também de acompanhar, fiscalizar, ser ouvido, naquilo que for definição coletiva.

MAB: Na sua opinião qual a importância de movimentos como o MAB para a reparação e proteção dos direitos dos atingidos?

Os problemas enfrentados pela população atingida são estruturais, portanto, complexos e de longo prazo para serem solucionados. Assim, somente a organização e a união daqueles que sofrem as amarguras desse modelo perverso do lucro acima de tudo e de todos, é capaz de enfrentar e superar este cenário.

As mineradoras controlam os territórios pelo poder econômico e político que exercem. Não querem as pessoas organizadas e mobilizadas e com acesso às informações. Por tudo isso, o MAB é essencial na organização e mobilização das pessoas, nas denúncias de violações de direitos.

MAB: Minas Gerais sofre há décadas com a atuação irresponsável de mineradoras que alegam que a mineração é a única alternativa econômica para o desenvolvimento do estado. Qual sua opinião?

Existem muitas alternativas mais sustentáveis e mais rentáveis sob o ponto de vida da coletividade, para geração de trabalho e renda no nosso estado. As mineradoras lucram absurdamente, mas entregam mais impactos negativos do que positivos para a sociedade.

Temos a agricultura familiar e o turismo como bons exemplos, mas existe uma enorme gama de possibilidades. Minerar menos, produzir mais, desenvolver nossa cadeia produtiva, diversificar nossa matriz econômica.


De que vale minerar e a população ficar sem água e/ou em insegurança alimentar, o sistema de saúde sem conseguir reparar adequadamente as inúmeras doenças causadas pela atividade minerária? A qualidade dos empregos gerados é baixa, a maioria é terceirizada, o que significa salários muito ruins, baixo investimento em segurança e saúde do trabalhador.


MAB: Conquistamos, recentemente, a aprovação da PNAB no Senado depois da aprovação na Câmara. Para você, como um parlamentar brasileira que sempre lutou ao lado dos atingidos, qual a importância dessa conquista?

Representa um marco histórico para o nosso país. Sinaliza um horizonte em que o Brasil buscará com maior assertividade a reparação de décadas de violações dos direitos e dos modos de vida de tantas famílias atingidas pela construção ou rompimento de barragens.

Acredito que essa conquista é de fundamental importância também ao conjunto de políticas necessárias para a não repetição de crimes socioambientais cometidos no país.

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 11/04/2024 por Antônio Claret / MAB

Crônica | Olha o trem!

O trem de minério de ferro, que passa apressado pelas cidades históricas mineiras, simboliza um modelo econômico que tem “atropelado” os direitos da  população local: 12 das 24 barragens que cercam Congonhas tem alto dano potencial associado e poderiam destruir bairros inteiros em caso de rompimento

| Publicado 06/12/2023 por MAB MG

NOTA | Instituições de justiça suspendem o edital e atrasam reparação dos atingidos pelo rompimento de Brumadinho

MAB repudia decisão judicial que determina a suspensão da seleção pública que escolheu entidade gestora para executar parte da reparação socioambiental de Brumadinho

| Publicado 22/11/2023 por Letícia Oliveira, Paula Goes

Em jornada internacional, MAB fortalece luta por tratado mundial de proteção aos atingidos

Movimento também denuncia impunidade de crimes cometidos por mineradoras transnacionais no Brasil