Em jornada internacional, MAB fortalece luta por tratado mundial de proteção aos atingidos

Movimento também denuncia impunidade de crimes cometidos por mineradoras transnacionais no Brasil

Campanha Revida Mariana tem o objetivo de divulgar internacionalmente negligência de mineradoras com atingidos pelo crime do Rio Doce. Foto: Revida Mariana

Durante os meses de outubro e novembro, o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB participou de uma série de atividades internacionais, cujo o objetivo era denunciar a impunidade dos crimes de Mariana (na Bacia do Rio Doce), que completou 8 anos neste mês de novembro, e o crime da Vale, em Brumadinho (na Bacia do Paraopeba), que em janeiro completará 5 anos. Ao todo, as mineradoras Vale e a BHP Billiton, empresa anglo-australiana também responsável pelo crime do Rio Doce, impactaram a vida de um milhão de atingidos que aguardam a reparação integral dos danos sofridos em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Representando a Via Campesina, o MAB tem participado ativamente da agenda de elaboração do Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos na ONU, junto a mais de 250 organizações sociais de todo o mundo que acompanha a elaboração desse documento. Essas organizações estão articuladas na Campanha Global para recuperar a soberania dos povos, desmantelar o poder corporativo e acabar com a impunidade. A iniciativa parte do princípio de que as empresas transnacionais evadem a legislação nacional de muitos países e conseguem capturar os Estados nacionais facilmente, uma vez que são financeiramente maiores que muitos deles. Dessa forma, faz-se extremamente necessária uma legislação internacional que defina obrigações claras para as empresas transnacionais com sanções e punições estabelecidas.

Integrantes da Campanha Global ao final das negociações do Tratado Vinculante sobre Empresas e Direitos Humanos, em Genebra (Suiça), na ONU. Foto: Comunicação MAB

Em casos como o do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, fica evidente como uma legislação internacional, através de um Tratado Vinculante, poderia pressionar as empresas (que até hoje conseguiram fugir de suas obrigações no âmbito nacional) a reparar os atingidos e garantir a a segurança dos moradores nos territórios onde atuam. Além dos casos de Minas Gerais, há muitas outras situações no Brasil e em outros países relacionados a violações de direitos humanos cometidos por empresas transnacionais.

O debate sobre a criação de um Tratado Vinculante acontece há cerca de 10 anos dentro do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde sua criação, o MAB acompanha as discussões. Seguindo no tema de desastres da mineração, o trabalho de articulação internacional do MAB também tem estabelecido vínculos de solidariedade com um caso no Reino Unido, país sede da BHP Billiton.

Cine Debate realizado em Londres no dia 05 de novembro para denunciar o modelo de mineração brasileiro e os 8 anos do crime de Mariana sem reparação integral. Foto: Comunicação MAB

No País de Gales, há 57 anos ocorreu um deslizamento de uma pilha de rejeitos de carvão que caiu sobre a cidade de Aberfan. O rejeito atingiu a escola local, matando 116 crianças e 28 adultos. A mineração de carvão atingiu a região sul do País de Gales desde o século XIX até as décadas de 1980 e 1990. Nessa época, dizia-se que a vocação dessa região era a mineração, assim como dizem até hoje na região de Mariana e Brumadinho e em todo o estado de Minas Gerais. Tanto lá, como aqui, porém, ficou claro que, no modelo capitalista de mineração, os lucros são prioridade ao invés da vida.

Há muitas outras similaridades entre Aberfan e Marian. A principal delas é que os dois crimes poderiam ter sido evitados se as empresas responsáveis tivessem investido em segurança de suas estruturas de rejeitos. Além disso, as famílias atingidas sofreram (e sofrem) com problemas de saúde mental, com problemas sociais, econômicos e ambientais em consequência dos crimes com os quais conviveram. Ademais, as ações de reparação foram insuficientes, apesar dos direitos garantidos através da organização e pressão das comunidades atingidas.


Nas décadas de 1980 e 1990, porém, a lógica neoliberal levou ao fechamento das minas de carvão no País de Gales, uma vez que foram encontrados carvão e outros minérios com qualidade superior e com maior facilidade de extração em países do sul global, como Brasil e outros países da América Latina. Com isso, as cidades onde essas minas estavam instaladas começaram a sofrer com o abandono das estruturas de rejeito e com a falta de emprego. Até hoje, a região convive com esses problemas. Do lado de cá, o quadrilátero ferrífero mineiro precisa se preparar para esse momento que já não está tão distante.

Conhecer os danos gerados por esse desastre ocorrido há tanto tempo no Reino Unido faz parte da estratégia de incidência do MAB no país sede da BHP Billiton, para sensibilizar a população sobre as consequências produzidas pela mineração no Reino Unido e ao redor mundo, especificamente pelo crime em toda a Bacia do Rio Doce. Além disso, como forma de denunciar a nível nacional e internacional as violações cometidas por essas duas empresas no Brasil, o MAB organizou, junto às comunidades atingidas, a campanha “Revida Mariana! Justiça para Limpar essa Lama!” , que também tem executado ações de denúncia internacional, como a participação dos atingidos na assembleia de acionistas da BHP Billiton, realizada em novembro, na Austrália.

Integrantes do MAB, da Via Campesina e da Campanha Global em ato em Genebra para denunciar crimes cometidos por empresas transnacionais. Foto: Comunicação MAB

Realidade nos territórios atingidos

Enquanto a população atingida sofre com a não reparação, as empresas desfrutam da impunidade e do aumento de seus lucros. Em Mariana, a Vale e a BHP Billiton, através da Fundação Renova, pagaram indenização a apenas 8% dos atingidos pelo rompimento. Além disso, as moradias reconstruídas até agora pelas empresas, nos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, não chegam a 22% do total de moradias destruídas com o rompimento. Os programas com o objetivo de endereçar demandas coletivas, como de proteção social e saúde dos atingidos, estão entre os programas com menos gastos efetuados pela Fundação Renova até agora. 

As empresas seguem impunes. Elas respondem a um processo criminal ainda não finalizado, onde as acusações de homicídio (contras as empresas e seus executivos) foram retiradas, sendo mantidas apenas as acusações de crime ambiental. Tanto no caso de Mariana, como no caso de Brumadinho, os governos fizeram acordos com as mineradoras na tentativa de traçar uma solução para os danos gerados, porém, eles foram realizados sem a participação dos atingidos e são insuficientes para garantir a reparação integral. Como se não bastasse, as mineradoras seguem assumindo uma postura negligente, permitindo que mais barragens de rejeitos estejam em situação de risco. De acordo com relatório da Agência Nacional de Mineração – ANM, de novembro de 2023, existem hoje, no Brasil, 62 barragens em risco. Destas, 36 estão em Minas Gerais.

Vivenciando todas essas violações de direitos e buscando enfrentá-las por mais de 30 anos, as populações atingidas, organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), fazem uma luta histórica a nível nacional, lutando principalmente pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que foi aprovada recentemente pelo Senado Federal, concretizando uma grande conquista dos atingidos e atingidas.

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