De Brumadinho a Maceió: a impunidade que gera reincidência

Após cinco anos do crime de Brumadinho, muitos direitos foram conquistados pelos atingidos, mas é preciso avançar na aplicação da justiça para se evitar que os crimes sigam se renovando

Protesto em frente ao letreiro de Brumadinho. Foto: Washington Alves

Não foi acidente. O rompimento da barragem I da Mina do Córrego do Feijão em 25 de janeiro de 2019, que derramou 12 milhões de m3 de rejeitos tóxicos no rio Paraopeba – ceifando 272 de vidas, sendo 240 trabalhadores da Vale e 2 nascituros – foi um crime. Investigações reveladas recentemente apontam que pelo menos desde o segundo semestre de 2017, a mineradora tinha conhecimento sobre o risco elevado de ruptura da sua estrutura e se omitiu. Segundo informações divulgadas neste mês pela Polícia Federal e o Ministério Público de Minas Gerais, as investigações apontam que a Vale enganou intencionalmente seus trabalhadores sobre a possibilidade de fuga em caso de um rompimento.

A afirmação, feita durante um seminário que reuniu diversos familiares das vítimas, deixou os entes e todos os atingidos da Bacia do Paraopeba indignados. A perícia aponta que a Vale afirmou para seus trabalhadores que em caso de colapso da estrutura, teriam de 10 a 15 minutos, após o alarme da sirene, para se salvarem. O fato é que a sirene não tocou e se tocasse não daria tempo de ninguém se salvar. A Vale negou aos seus trabalhadores o direito de se defenderem e se informarem sobre os reais riscos que corriam. 

Além de mentir para os trabalhadores, a Vale recorreu à Tüv Süd, auditoria cativa da mineradora, para forjar um atestado de estabilidade da barragem, mesmo sabendo do risco iminente. Tudo isso para garantir a manutenção da sua operação, em um momento em que a empresa acelerava sua produção com o objetivo de se tornar a maior mineradora do mundo. 

Ato em Brumadinho após 5 anos do crime. Foto: Patrícia Sousa

Cinco anos se passaram desde o maior crime humanitário e ambiental do Brasil, no entanto ninguém foi preso pelo crime. Ao contrário, após ser indiciado – juntamente com outras 15 pessoas da diretoria da mineradora e da Tüv Süd – o CEO e ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, tenta Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 6° Região (TRF-6) para se safar do processo criminal que julgará o homicídio cometido contra as 272 vítimas. O pedido está suspenso, mas já recebeu um voto favorável da Corte e deve ter o julgamento retomado em fevereiro. É inadmissível que a justiça mineira e brasileira compactuem em inocentar criminosos que escolheram o lucro em detrimento da vida e do meio ambiente.  

Até quando a indústria da mineração vai continuar violando os direitos humanos e destruindo o meio ambiente?

Os dois maiores crimes socioambientais da história do Brasil não levaram a mudanças de fato, o padrão criminoso de exploração de minério e as regras sobre o tema seguem frouxas. As empresas seguem nos mesmos moldes e velocidade de operação e suas barragens, todas com tempo de validade, funcionam como bombas-relógio sobre a cabeça dos povoados e cidades. O caso da Braskem em Maceió (AL) é um exemplo. Desde 2018, o solo de uma parte da cidade está cedendo, com risco de que, a qualquer momento, uma grande cratera seja aberta. O motivo são os efeitos da mineração, que ocorre na região desde a década de 1970, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, que se tornaria a Braskem. Há cinco anos apareceram as primeiras rachaduras e foi iniciada a evacuação de cinco bairros, afetando 14 mil imóveis, fazendo surgir “bairros fantasma” na cidade. Ao todo, a tragédia já expulsou 60 mil pessoas dos seus lares, enquanto a empresa segue atuando e lucrando no município.

Fica claro que, mesmo após o crime de Mariana e Brumadinho, as grandes empresas seguem ditando as regras. Se a justiça e os órgãos de licenciamento e fiscalização tivessem aprendido algo após o crime de 2019 em Minas Gerais, a tragédia de Maceió não seria evitada? Uma vez que desde 2018 já havia denúncias por parte da população de tremores na região. A empresa será responsabilizada por esta situação? Ou o caso seguirá impune como ocorreu em Brumadinho?

Atingidos pela mineração da Braskem pedem que todas as famílias sejam incluídas no mapa de criticidade da Defesa Civil de Maceió. Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Em Minas Gerais, milhares de famílias que moram debaixo ou próxima de uma barragem de rejeitos vivem com o medo de que outros crimes se repitam e sejam as próximas vítimas. O governador Romeu Zema é subserviente às mineradoras, se curva à vontade delas, facilitando licenças para as empresas minerar onde e como quiserem. Um exemplo é a tentativa de liberar licenças para minerar na Serra do Curral, que é um patrimônio mineiro e nacional. Se não fosse a luta do povo mineiro em defesa das Matas, Parques, Rios e Serras, as empresas já estariam minerando o maior símbolo da capital do estado. 

Já existem leis, como a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e a Lei Mar de Lama Nunca Mais, que criam regras específicas para o setor da mineração, e outras que definem normas para o licenciamento ambiental de atividades de mineração. Mas infelizmente as normas não são aplicadas e as empresas e seus empreendimentos não são fiscalizados.

Bairro abandonado após tragédia da Braskem em Maceió. Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Por isso, a luta também é para aprovação de um marco legal da legislação ambiental mais avançada, mas principalmente a aplicabilidade das leis já aprovadas, capazes de responsabilizar as empresas pelos seus atos criminosos, garantir fiscalização e informações sobre a situação de barragens para toda a sociedade brasileira, e enfrentar de maneira adequada e rigorosa estas empresas. Por exemplo, não conceder licenças para novas áreas para as mineradoras que cometeram crimes enquanto a reparação integral e ambiental não acontecer. Em Brumadinho, a exploração minerária continua a todo vapor, sem fiscalização. A Vale segue operando inclusive na região do crime e já comprou grande parte de terras no território. É necessário ter medidas punitivas, que poderiam evitar, prevenir, mitigar os riscos de ocorrências de novos crimes, e com participação da sociedade civil. 

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