Carta | Nossa posição frente aos desafios da transição energética popular na Amazônia

Durante a programação do evento Diálogos Amazônicos, em Belém (PA), movimentos sociais e organizações políticas debateram caminhos para uma transição energética justa e lançaram uma carta coletiva sobre o tema

Participantes do Seminário sobre Transição Energética que integrou a programação dos Diálogos Amazônicos, em Belém (PA). Foto: Roger Braga/ MAB

No dia 06 de agosto de 2023, estivemos reunidos no Seminário Nacional “Desafios da transição energética popular na Amazônia”, que integra os Diálogos Amazônicos, atividade prévia à reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Contamos com a presença de organizações sindicais e populares do campo e da cidade, partidos e lideranças políticas, pastorais sociais, organizações quilombolas, pesquisadores e apoiadores da luta. Compartilhamos nossa experiência, conhecimento e análises. Este documento é resultado dos debates feitos na atividade:

  1. AFIRMAMOS que somos trabalhadores e trabalhadoras do campo, das cidades, das águas e das florestas.  Somos o povo da Amazônia que trabalha e produz as riquezas de nosso imenso país. Possuímos uma história de luta e resistência. Possuímos conhecimento, cultura e experiência prática de como se deve produzir com preservação da Amazônia. É nosso compromisso defender a região e seu povo. Somos quase 30 milhões de amazônidas, a maioria moradores das cidades, sobrevivendo às piores condições de vida, enfrentando a falta de moradia, água potável, saneamento, energia de qualidade e serviços públicos. Ao mesmo tempo, temos o maior aquífero e as maiores hidrelétricas do país. enquanto o povo paga as maiores tarifas de energia, gás e demais serviços, oferecidos com baixa qualidade.
  2. AFIRMAMOS que a questão ambiental é, antes de tudo, o desdobramento da prática da produção burguesa e a destruição da Amazônia é produto das relações de produção e reprodução do capital. O aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas são resultado da maneira como o capital produz e como são produzidos e distribuídos os frutos do trabalho.
  3. DENUNCIAMOS a violência do capital contra os que lutam em defesa da vida nas áreas rurais e urbanas. A perseguição política, os assassinatos, as violações de direitos são práticas constantes dos setores que detém o poder e destroem a Amazônia. Também denunciamos o padrão nacional de violações de direitos dos atingidos por barragens que lutam por sua Política Nacional de Direitos dos Atingidos (PNAB). Seguiremos o ensinamento do pensador brasileiro Florestan Fernandes: contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres.
  4. DENUNCIAMOS que o capital tem utilizado a situação climática e a grave crise da economia para reorganizar sua estratégia de poder e dominação. Existe uma disputa geopolítica pelo controle dos recursos estratégicos para se promover a transição energética e a região Pan-Amazônica é o território de maior potencial de recursos para produção de energias renováveis, despertando o interesse das forças de mercado, por ser um local oportuno para alargarem seus negócios e propriedades em tempos de crise. A Amazônia não pode ser a soma de sacrifício para resolver os problemas do capital.
  5. DENUNCIAMOS as falsas soluções do capital para o clima. As iniciativas do chamado “mercado” disfarçadas de “capitalismo verde” querem transformar o clima em mais um grande negócio. Diante da grave crise ambiental que vivemos, os grandes grupos financeiros tentam aproveitar a situação como oportunidade para ampliar seus negócios e lucros, por meio da financeirização e alargamento da propriedade privada sobre bens da natureza, o clima e áreas econômicas estratégicas.
  6. DENUNCIAMOS que as maiores vítimas das mudanças climáticas são as massas trabalhadoras e das regiões mais pobres e periféricas, principalmente a população negra e as comunidades tradicionais, como os povos indígenas e quilombolas, sobretudo as mulheres. É o povo e a natureza que sofrem com as situações extremas de calor, secas, queimadas, deslizamentos, inundações, enchentes, contaminações, escassez de alimentos, fome, miséria, violência, desemprego, entre outros.
  7. NOSSA LUTA é para que a Amazônia tenha soberania popular e para que a vida do povo seja prioridade.  Para que se rompa com todas as estruturas injustas que oprimem e exploram o povo dessa região e destroem nossa natureza. Por condições dignas para trabalhar, produzir e preservar. Para que os frutos do trabalho sejam justamente distribuídos aos amazônidas que aqui vivem, trabalham, produzem e a protegem. Para que possamos viver bem e ajudar a humanidade.
  8. NOSSA LUTA é por uma transição energética que tenha soberania, distribuição da riqueza e controle popular da energia como parte de uma estratégia de projeto para o Brasil e com laços de profunda solidariedade entre a classe trabalhadora. A transição energética não é uma questão exclusivamente ambiental.Lutamos por mudança das fontes fósseis para as renováveis com menores emissões de gases de efeito estufa. Porém, mudar a tecnologia de produção (matriz) é insuficiente. É necessária uma profunda mudança nas injustas estruturas de poder e dominação sobre as questões energéticas, para que tenhamos uma justa reorganização da produção, controle da riqueza nacional e adequada sustentabilidade ambiental. De imediato, devemos taxar os ricos e mudar a abusiva política de preços e tarifas no gás de cozinha e energia elétrica. O caráter da transição energética deve ser popular e inclusivo.
  9. NOSSA LUTA é por mudanças profundas nas estruturas políticas de Estado. As leis e estruturas de Estado que regulam a política energética se encontram capturadas, moldadas e subordinadas aos interesses do capital financeiro. Esses têm sido espaços de democracia restrita controlados pelos interesses de quem detém o poder e a dominação. A nossa luta é por um Estado moldado para promover a democracia e servir aos interesses da imensa maioria de nosso povo.
  10. NOSSA LUTA é para que o povo tenha vez e voz. Acreditamos que nossa organização é nossa força. Quanto mais povo estiver organizado, mais forte é a luta. E quanto mais forte a luta, maiores são as chances de alcançar os nossos objetivos imediatos e de futuro frente às mudanças climáticas e aos dilemas da humanidade.

DEFENDER A AMAZÔNIA É DEFENDER A VIDA!

NADA PARA A AMAZÔNIA SEM OS AMAZÔNIDAS!

Organizações Presentes:

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM); Central dos Movimentos Populares (CMP); Central Única do Trabalhadores (CUT); Coordenação das Comunidades Quilombolas (CONAQ); Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG); FASE; Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia; Movimento Camponês Popular (MCP); Movimento de  Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Levante Popular da Juventude.

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