NOTA | A importância das assessorias técnicas na reparação socioeconômica da Bacia do Paraopeba

Instituições de justiça não podem cortar recursos destinados às assessorias técnicas que são essenciais no apoio aos atingidos durante a elaboração de projetos para a reparação econômica do território

Ria Paraopeba contaminado pela lama da Vale. Foto: Nilmar Lage

Apoiar a criação de um marco legal que assegure os direitos das famílias atingidas por barragens desde a fase da elaboração de projetos, construção, operação e crimes ambientais relacionados a elas é uma luta histórica do MAB. Essa luta ganha ainda mais relevância no momento atual, em que as instituições de justiça brasileiras decidem os rumos da reparação de um dos maiores crimes ambientais do país através de um acordo judicial sobre o rompimento da barragem de rejeitos da Mina do Feijão, de propriedade da Vale, no município de Brumadinho (MG), em 2019.

Os trâmites desse processo se arrastam por anos de injustiça em que os atingidos são revitimizados, devido à falta de uma legislação que determine quais são as ações de reparação cabíveis e quais os responsáveis por elas, já que os marcos legais que existem hoje protegem as empresas e não a população atingida. Por isso, o MAB tem apoiado a aprovação do PL 2788/2019, que institui a criação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB. O Projeto, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, atualmente, tramita no Senado Federal e tem o objetivo de instituir o conceito de atingidos e reconhecer seus direitos em todo o país.

De forma geral, além de definir quem são os atingidos, a PNAB prevê quais são os seus direitos e as formas de reparação nos casos de violação e ainda determina a criação de um órgão de Estado responsável pela garantia desses direitos.

Nessa esfera, o texto inclui o direito a um Plano de Reparação e Desenvolvimento Econômico e Social de uma região atingida. Para que esse plano seja efetivado, porém, é necessário se reconhecer a diversidade de situações, experiências, culturas e especificidade de grupos, comunidades e indivíduos que vivem próximos a barragens de rejeitos de mineração e de acumulação de água para hidrelétricas no Brasil. Só assim, seria possível se construir ações e medidas capazes de amenizar, por exemplo, a desigualdade e injustiça que o crime da Vale causou no território do Paraopeba no que diz respeito ao acesso à renda, trabalho, políticas públicas, cultura, transporte, entre outros recursos.

Por isso – sem prejuízo das reparações individuais ou coletivas devidas como objetivo principal – é preciso se instaurar arranjos e cadeias produtivas locais e regionais que assegurem ocupação produtiva ao conjunto dos atingidos, com oportunidades compatíveis com seus níveis de qualificação e experiências profissionais. Só assim seria possível promover melhorias contínuas das suas condições de vida e revitalização do território sob o ponto de vista econômico.

Nesse sentido, uma das conquistas dos atingidos da Bacia do Paraopeba e do Lago Três Marias foi a liberação, via acordo judicial, de R$ 3 bilhões para investimentos em projetos para a reparação dos danos socioeconômicos causados pelo crime de Brumadinho, sendo R$ 2 bilhões para projetos comunitários e R$ 1 bilhão para linhas de crédito e microcrédito. A medida faz parte do Programa de Reparação Socioeconômico do crime e está prevista no anexo 1.1 do acordo. Segundo o acordo, Todas as pessoas atingidas terão direito à participação informada assegurada em todo o processo, incluindo a concepção, a formulação, a execução, o acompanhamento e a avaliação dos planos, programas e projetos a serem custeados com estes recursos. As ações a serem desenvolvidas vão partir diretamente das necessidades específicas identificadas pelas pessoas e comunidades atingidas em seus territórios. 

Moradora observa rio Paraopeba em Betim (MG). Foto: Joka Madruga

A gestão do recurso será feita por um coletivo de entidades que engloba as organizações Caritas, ANAB, Conexues e Dinheiro Brasil, selecionadas pelos próprios atingidos. O valor a ser executado por elas em 2 anos é de 300 milhões de reais, podendo haver liberação de novos recursos e prorrogação do prazo do contrato de gestão, caso este coletivo atenda os critérios de eficiência e sustentabilidade financeira e eficácia social da execução. Os próximos passos incluem a construção da metodologia da governança e sistema de participação dos atingidos na elaboração e gestão dos projetos.

Embora essa medida seja essencial para o reestabelecimento das condições de vida da população, o recurso não exime a Vale de reparar todos os danos causados, incluindo a revitalização do Rio Paraopeba.

O recurso que será destinado às ATIs é de 150 milhões e deverá ser aplicado em ações durante 30 meses, nas 5 regiões atingidas. No entanto, os recursos previstos no anexo 1.1 é devem ser aplicados em dois anos. Ou seja

 O que querem os atingidos?

A reivindicação dos atingidos é que os projetos comunitários previstos judicialmente, de fato, constituam um Plano de Reparação e Desenvolvimento da Bacia do Paraopeba e Lago Três Marias. 

Por isso, parece contraditório que, neste momento, em que acontece uma das mais relevantes ações da reparação deste processo, as Instituições de Justiça do estado de Minas Gerais, tenham assinado um Termo de Compromisso que reduz o limite dos recursos destinados às Assessorias Técnicas Independentes – ATI em 50% em relação ao orçamento já previsto em fevereiro de 2023.

As assessorias trabalham para que as pessoas atingidas tenham informação sobre seus direitos, entendam cada movimento do processo judicial, contem com estudos técnicos independentes para melhor entender, mensurar e valorar os prejuízos sofridos e construam as propostas da melhor maneira de serem reparadas.

Como o corte de verbas irá causar a redução do número de técnicos disponíveis para apoio aos atingidos e das atividades previstas para a construção da metodologia da governança, irá prejudicar, diretamente, o apoio à elaboração e execução dos projetos comunitários.

Cortar recurso é cortar direitos

Ato de atingidos para reivindicar o acesso pleno à água. Foto: Joka Madruga

O valor definido para as ATIs foi de 150 milhões, no prazo de 30 meses para as cinco regiões. No entanto, o valor a ser executado dos recursos de 300 milhões do anexo 1.1 é para dois anos, ou seja, a partir de então os atingidos não terão apoio técnico para a execução dos demais valores do anexo 1.1

Esse teto de recursos representa 26% do total de 700 milhões de reais previstos no acordo para as estruturas de apoio à população, que, além das Assessorias Técnicas, também contempla outras estruturas de apoio não especificadas. O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB apresentou questionamentos ao Tribunal de Contas de Minas Gerais sobre a destinação do valor restante – cerca de 440 milhões. Para onde estão sendo destinados esses recursos?   

O que sabemos é que rios de dinheiro têm sido gastos com diversas auditorias: a Vale já publicou nos autos da ação civil pública o custo de R$ 2,6 milhões por mês com a Ernest & Young para auditoria contábil e financeira das ATI’s e CAMF.  

Além da decisão das Instituições de Justiça prejudicar a efetivação da reparação, ela projeta para os atingidos a responsabilidade de fazer a gestão do restante do recurso, sem subsídios técnicos e apoio à participação informada. Essa medida viola, portanto, a Política Estadual de Direito dos Atingidos por Barragens, que garante o direito dos atingidos à Assessoria Técnica Independente até a reparação integral ser completamente efetivada.

Por isso, o MAB defende a revisão da corte de recursos das assessorias, tendo em vista sua importância para garantir a proteção dos direitos dos atingidos e a reparação justa, assim como o respeito à Lei Estadual nº 23.795\2021, que instituiu a Política Estadual de Atingidos por Barragens.

O que garante direito é a luta: Justiça, Direitos e Água!
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