Exclusivo: Não há comprovação dos R$ 36 bilhões que Renova, Vale, BHP e Samarco alegam pagar na reparação de Mariana, diz MPF

Ministério Público afirma que não houve uma auditoria externa independente capaz de atestar que a Fundação Renova tenha investido os valores declarados na indenização dos atingidos

Foto: Isis Medeiros

A Fundação Renova, entidade mantida pelas mineradoras Vale, BHP e Samarco, alega que irá aportar, até o fim de 2023, R$ 36 bilhões para as indenizações de pessoas atingidas e a reparação socioambiental do rompimento da barragem de Mariana, em novembro de 2015, considerado o pior desastre ambiental da história do Brasil.

De acordo com o Ministério Público Federal, porém, os valores declarados pela Renova nunca passaram por uma auditoria externa séria e independente, não há qualquer comprovação de que esses valores correspondam à realidade e, na prática, isso não pode ser observado na bacia do Rio Doce e pelos relatos dos atingidos.

“Você vê que esses bilhões não estão sendo gastos. A gente não tem nenhuma informação de onde está sendo gasto esse dinheiro. Eles botam esses números no site, mas de forma alguma, como MPF, a gente vê isso ocorrer na bacia do Rio Doce. São informações da própria Renova, não tem informações garantidas de que esses valores efetivamente foram pagos”, diz o procurador federal Carlos Bruno Ferreira, coordenador da Força-Tarefa responsável pelo caso, em entrevista exclusiva ao Observatório da Mineração.

O valor total de R$ 36 bilhões em reparação gastos de 2015 até o final desse ano, sendo R$ 8 bilhões para ações apenas em 2023, foi amplamente divulgado pela mídia depois de informado pela Renova em 14 de fevereiro.

A falta de comprovação detalhada sobre esses valores é importante porque pode afetar o novo acordo por Mariana que está sendo costurado desde 2021 no Conselho Nacional de Justiça.

O governo Lula está se inteirando do teor do acordo, que estaria “95% fechado”, segundo Carlos Bruno. Embora não confirme o valor que está na mesa para as mineradoras pagarem, em função de sigilo, especulações dizem que a cifra gira em torno de R$ 112 bilhões.

Carlos Bruno Ferreira. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Isso não incluiria o que a Renova diz ter pagado até aqui, mas seria “dinheiro novo” para a reparação socioambiental e indenizações. Durante o processo de repactuação, porém, o coordenador da Força-Tarefa Rio Doce começou a observar que a Renova estava inflacionando os dados divulgados no próprio site e começou a levar isso para o debate interno. Bilhões extras eram anunciados no site da Renova sem explicação aparente, conta.

As cifras finais anunciadas, de R$ 36 bilhões, assim como o número total de pessoas que teriam recebido as indenizações, de 409,4 mil pessoas beneficiadas até o fim de 2022, não encontram respaldo na realidade, segundo o MPF.

“Durante a época da repactuação a Renova frequentemente atualizava os dados no site, ia aumentando um bilhão, fazem isso como estratégia. Quanto mais eles colocam no site que eles pagaram, dá a imagem de que estão fazendo muita coisa, avançando muito. Esses valores, repito, a gente não tem auditoria, são valores informados pela Renova. Não tenho qualquer tipo de garantia, pela ausência de uma auditoria séria na Renova, de que esses valores efetivamente foram pagos. E esse número (de pessoas) nunca correspondeu ao que mais ou menos eles informavam”, reforça Carlos Bruno, que também é doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilla.

Além do processo no Brasil, em julho do ano passado a justiça do Reino Unido aceitou o pedido para que a responsabilidade pelo desastre de Mariana seja julgado também na Inglaterra, em ação coletiva que representa 200 mil pessoas e tem como alvo a anglo-australiana BHP, maior mineradora do mundo e que é sócia da Vale na Samarco.

Em novembro último, o rompimento da barragem completou 7 anos. No Brasil, como o Observatório mostrou, o processo ainda está no início e nenhum dos réus foi punido criminalmente. Os crimes ambientais correm risco de prescrever totalmente em 2024.

*Texto publicado originalmente em Observatório da Mineração

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