Atingidos do Oeste da Bahia denunciam assédio e violação de direitos por parte da empresa HY Brazil Energia

Empresa de energia que pretende construir hidrelétrica no Rio Formoso entrou em propriedades das comunidades ribeirinhas sem autorização

Desde fevereiro de 2021, a empresa Hy Brazil Energia, que atua no setor de geração hidrelétrica, passou a abordar famílias ribeirinhas e trabalhadores rurais na região Oeste do estado da Bahia, mais especificamente nos municípios de Jaborandi e Coribe. A tentativa da empresa é de convencer a população local a aceitar a implementação do projeto de Usina Hidrelétrica (UHE) Veredas no Rio Formoso, com a promessa de gerar emprego e proteger o meio ambiente.

As comunidades atingidas, porém, denunciam que o projeto da empresa poderá destruir o rio, responsável por garantir a existência dos municípios e comunidades tradicionais, assim como o impedir o sustento das famílias, colocando a vida e história do povo embaixo de um lago.

O conflito pela água

Desde a abordagem da referida empresa, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tem denunciado junto ao governo do estado, aos órgãos ambientais e à sociedade civil a existência destes conflitos no Oeste da Bahia. Mesmo com a postura invasiva das empresas construtoras de barragens, o processo de resistência e organização popular tem sido fundamental para que o projeto não avance, ameaçando comunidades tradicionais e seus territórios, bem como a biodiversidade local. 

A empresa Hy Brazil Energia anuncia em suas peças publicitárias de divulgação do projeto que uma de suas principais premissas é o “diálogo e transparência junto à população local”. No último dia 22 de fevereiro, porém, a empresa surpreendeu comunidades dos municípios de Jaborandi e Coribe com a tentativa de convencê-los a aceitar uma proposta que, na prática, transforma água em mercadoria, através da compra e arrendamento de áreas de terras na beira do Rio Formoso para a execução de projetos de produção de energia elétrica.

Atingidos estendem faixas em denûncia ao projeto UHE Veredas nos municípios de Jaborandi e Coribe (Fotos: Arquivo MAB)

Desconsiderando a vontade da população local e a pandemia da Covid-19 – que naquele momento não apresentava perspectivas de controle pela vacinação – a empresa seguiu assediando as famílias e, em 25 de março, representantes do empreendimento retornaram às comunidades. Na ocasião, mesmo depois da manifestação contrária dos moradores ao projeto, eles apresentaram informações falsas de que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), autarquia da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) da Bahia, já havia concedido licença para Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para implantação do projeto, o que não era verdade.

Rejane Lopes, ribeirinha da comunidade de Cachoeira Grande, conta como foi a chegada dos funcionários da empresa.“A Hy Brazil Energia vem assediando as nossas comunidades, nos abordando de forma individualizada, desrespeitando os nossos direitos, inclusive colocando a vida de todos em risco, já que estamos vivendo uma pandemia. Eles chegaram entrando nas propriedades sem a permissão dos moradores, violando leis. Estamos nos sentindo ameaçados pela empresa, pois eles chegaram de surpresa, fazendo promessas de investimento e melhoria na qualidade de vida do povo, mas a gente sabe que não é bem assim. Quando a gente conversou com eles, disseram que futuramente iriam ter conflitos com os produtores que utilizam a água do rio na irrigação. Também entraram nas propriedades à noite para realizar estudos, apresentando documentação falsa aos moradores, sendo que a gente sabe que não possuem nenhuma licença ambiental do INEMA”.

O projeto da usina hidrelétrica prevê sua instalação nos municípios de Jaborandi e Coribe e afirma que irá melhorar o fornecimento de energia elétrica no Oeste baiano. Davi Schulmann Miguens, coordenador de desenvolvimento de projetos da Hy Brazil Energia, em entrevista ao Jornal Correio da Bahia afirma que “no atual contexto de escassez hídrica, a chegada de um empreendimento do porte da UHE Veredas contribuirá para diminuir o déficit energético na região e no Estado, bem como irá colaborar com o fornecimento de energia para o Brasil como um todo”. A justificativa é amplamente utilizada para que grandes empreendimentos sejam aprovados sem grande debate entre a população e órgãos competentes. 

Para Cleidiane Barreto, coordenadora do MAB na região, o Rio Formoso, assim como outros rios no Oeste da Bahia, sempre esteve sob os olhares gananciosos das empresas construtoras de barragens. “Mas, através do processo de organização coletiva, as comunidades atingidas do Formoso vêm resistindo a esses projetos e construindo lutas em defesa da vida e da água como um direito. Desde o projeto da Usina hidrelétrica Gatos e Sacos e a da PCH Arrodiador que os atingidos seguem organizados no MAB, reafirmando que esse modelo energético não atende o interesse das comunidades e sim do lucro para as grandes empresas, trazendo muita destruição”, afirma.

Abordagem policial às famílias atingidas mobilizadas contra a PCH Arrodiador, em 2015 (Fotos: Arquivo MAB)

No atual cenário de crise energética e de tentativa de privatização de empresas estatais como a Eletrobrás, o Brasil se mantém como um dos países de menor custo de produção de energia, mas paga uma das tarifas mais altas do mundo. A política de preços das usinas privadas que vendem a energia produzida até cinco vezes mais cara que as estatais, é um dos fatores para isso. Historicamente a iniciativa privada promete beneficiar a população com seus empreendimentos, porém, as diversas tentativas de implantação de projetos deste caráter na região demonstram que estes têm como objetivo principal permitir o atendimento ao grande volume de cargas elétricas para a irrigação do setor agrícola, não a população.

Leia mais em:
https://mab.org.br/2021/09/27/conta-de-luz-por-que-pagamos-tao-caro/

A disputa pela terra

A empresa Hy Brazil Energia afirma que a negociação das terras com a população afetada pelo projeto da usina ocorrerá de forma responsável, no entanto não é o que relata Anelito Pereira da Silva, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), no município de Coribe, quando diz “ Eu vejo com muita preocupação o jeito que essas empresas tratam os trabalhadores ribeirinhos, das margens dos rios aqui da nossa região. Eles chegam botando os trabalhadores em conflito entre eles mesmos. Acham que só quem tem direito à terra são aqueles que têm a escritura. A gente viu isso acontecer na comunidade de Laranjinha, comunidade de Arrodiador, e a gente vê isso com muita preocupação, porque todo mundo que tá na beira do rio é ribeirinho e tem o direito”

O histórico de conflitos gerados na negociação das terras na região Oeste da Bahia atravessa gerações, por conta da grilagem, do agronegócio, assim como através da disputa pela água ocasionada pelas empresas construtoras de barragens. Anelito resgata uma das situações mais recentes, quando em 2015 a empresa Data Traffic tentava entrar nas propriedades dos trabalhadores rurais e ribeirinhos para realização de um estudo para a viabilização da barragem PCH Arrodiador, projetada para o Rio Formoso, entre os municípios de Jaborandi e Coribe. 

“Naquela região, do município de Coribe, desde a comunidade de Laranjinha, ao município de Jaborandi, na comunidade de Aldeia, a empresa conseguiu convencer e negociar no individual, os trabalhadores muitas vezes por falta de informação, chegaram a vender glebas de terra para a empresa Data Traffic. Nós conseguimos parar a empresa, até derrubar uma liminar que uma juíza deu para que eles fizessem o estudo na terra do povo. Junto aos trabalhadores nós conseguimos barrar até a própria polícia. A empresa acreditava que já estava fortalecida na região depois de ter comprado as pequenas glebas, mas mesmo assim nós dissemos a eles que o rio não estava à venda, que não era propriedade particular de ninguém, que o rio é público e do povo, pra isso nós passamos vários dias lá acampados. Gerou um conflito, mas nós estávamos lutando por um bem que a gente quer que continue sendo nosso, do povo”.

Anelito conta também sobre a prática utilizada pelas empresas no processo de negociação, feito de forma individual, ferindo direitos como de reassentamento coletivo e reparação integral das famílias. “Na comunidade de Laranjinha, quando eles tentaram fazer o estudo, um pouco antes desse período, a empresa tentou levar os trabalhadores para Correntina, só que apenas naquela comunidade haviam mais de 100 famílias, só naquele trecho, sem falar do Bonito, e de outras comunidades que estão naquela região inteira, onde o número de famílias é muito maior. Eles queriam levar 12 pessoas, que eram os que eles consideravam que tinham direito à terra, que eram proprietários, uma forma de excluir, de individualizar e passar por cima das outras famílias”.

Conforme relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) de novembro de 2010 [1], o padrão vigente de implantação de barragens no Brasil tem propiciado de maneira recorrente e sistemática graves violações de direitos humanos, como a violação do direito à informação e participação; direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais; direitos dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; entre outros.

A população local, já conhecedora do método de implantação de barragens, das práticas adotadas pelas empresas ao longo de muitos anos, segue afirmando a necessidade de organização popular como resistência aos empreendimentos que chegam à região Oeste da Bahia, essa que possui grande capacidade hídrica, visada tantas vezes pelo agronegócio e empresas do setor de geração hidrelétrica. 

Leia mais em: https://mab.org.br/2021/05/27/22-anos-de-luta-e-resistencia-dos-atingidos-no-oeste-da-bahia/

Cleidiane Barreto ainda conclui que “A empresa Hy Brazil Energia representa esse modelo que produz desigualdade social, violações dos direitos humanos, promove a exploração dos recursos naturais e do povo, trazendo dor, angústia e insegurança quanto ao futuro das famílias atingidas, visando o lucro para as empresas. Estamos em  uma conjuntura  pandêmica, onde os conflitos têm se acirrado, mas seguimos  organizados denunciando o assédio e  violações cometidos pela empresa  e construindo lutas, afirmando que o rio Formoso é do povo e que a água é direito e não mercadoria”.


[1] MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens. Violação dos Direitos Humanos na Construção de Barragens – síntese do Relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Disponível em:

www.mpsp.mp.br

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