Acordo está pronto para ser assinado no próximo dia 17 sem que os atingidos possam se pronunciar e participar da construção dos termos de reparação na bacia do Paraopeba
Publicado 10/11/2020
Com o pretexto de que a conciliação é a melhor e mais rápida forma para resolução do processo do crime da Vale em Brumadinho, um acordo está sendo construído sem a participação da população atingida.
O MAB denuncia que a agilidade, porém, atende somente aos objetivos do estado de Minas Gerais e da empresa Vale, sem que isso garanta os direitos dos atingidos, especialmente o direito à participação popular.
Além de não assegurar a participação dos atingidos na construção dos pontos do acordo, os termos estabelecidos criam uma participação de fachada, onde os atingidos somente terão direito à opinião, depois que tudo já estiver decidido.
Leia o abaixo-assinado:
Carta dos atingidos pelo crime da Vale na bacia do Paraopeba pelo direito à participação no acordo entre Estado
Às Instituições de Justiça e o Governo de Minas Gerais,
Os atingidos da bacia do rio Paraopeba foram surpreendidos no último dia 22 de outubro com a notícia de um acordo sobre parte dos danos decorrentes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Assim como na bacia do rio Doce, novamente um acordo foi construído sem a participação da população atingida, sob o pretexto de que a conciliação é a melhor e mais rápida forma para resolução do processo.
Porém, denunciamos que a agilidade aqui atende somente aos objetivos do estado de Minas Gerais e da empresa Vale, sem que isso garanta os direitos dos atingidos, especialmente o direito à participação.
Além de não assegurar a participação dos atingidos na construção dos pontos do acordo, os termos estabelecidos criam uma participação de fachada, onde os atingidos e atingidas somente vão ter direito a opinião, depois que tudo já estiver decidido.
Tal acordo, que certamente vem sendo construído nos últimos meses, justamente durante a pandemia que exigiu dos atingidos o necessário isolamento, e está pronto para ser assinado no dia 17 de novembro, demonstra que a participação e a transparência não são prioridades do Sistema de Justiça, do governo de Minas Gerais e da empresa Vale.
Entendendo que os atingidos não serão beneficiados com um acordo, sem a necessária participação tanto nas cláusulas estabelecidas como no processo de governança a ser consolidado, denunciamos que o acordo que vem sendo elaborado é mais uma violação de direitos humanos dos atingidos, e exigimos que a continuidade das negociações somente seja feita quando garantidos os direitos mínimos para a população atingida, que são:
1- Participação ampla e centralidade da vítima como pilares em todos os processos de negociação para construção da reparação integral pelos atingidos. Uma das grandes conquistas dos atingidos da bacia do Paraopeba foi a contratação das Assessorias Técnicas Independentes, que permitem aos atingidos e atingidas acesso a informação e estrutura para que todos participem do processo de maneira ampla e informada, com poder de decisão sobre as ações e programas de reparação. As medidas de reparação que estão sendo apontadas pelo acordo, ainda que não representem a totalidade de danos e ações de reparação, não refletem a necessidade dos atingidos e atingidas em termos de ações estruturantes para a bacia do rio Paraopeba.
2 – Negociação somente com garantia de cumprimento das necessidades emergenciais: até o momento, diversas ações emergenciais não foram cumpridas, e os atingidos sofrem sem saber o parâmetro do novo emergencial, sem acesso a água e com controle da Vale sobre os territórios. Sabemos pela mídia que a negociação irá beneficiar a Vale que poderá lucrar de 60 a 90 bilhões com o acordo. Não é possível que tal acordo seja realizado com uma empresa que até agora não concretizou o mínimo, e sirva como incentivo para outras violações de direitos. Para que os atingidos continuem tendo condições de participar do processo de reparação integral, e para que a função punitiva da responsabilidade civil seja efetiva, qualquer acordo deverá definir antes as obrigações emergenciais a serem realizadas pela Vale, com a consolidação dos critérios do auxílio emergencial elaborados pelos atingidos com as assessorias técnicas, as demandas por água e criação do Programa Direito de Renda para garantir que os atingidos em situação de vulnerabilidade não vejam sua situação piorada.
3 – Interrupção do PISMA enquanto metodologia de avaliação de risco à saúde humana. Um dos pontos trazidos pelo acordo é de que ele repactuará os acordos já realizados anteriormente, incluindo o que foi realizado pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Vale que estabelecem o PISMA (Programa Integrado de Saúde e Meio Ambiente) como metodologia de avaliação de risco a saúde humana. A escolha de tal metodologia contraria a legislação brasileira e os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde, e não trazem segurança para os atingidos sobre a real situação de contaminação do meio ambiente e da saúde dos atingidos, as empresas contratadas pelo Estado para realizar os estudos são prestadoras de serviços para a Vale S/A, o que traz desconfiança sobre qualquer resultado futuro.
4 – Garantia de realização das ações de reparação pelo Estado ou por editais sem controle direto da Vale. Muitas das ações previstas têm a Vale como principal responsável pela execução das medidas. Mas, assim como vemos na Bacia do Rio Doce, a execução de obras e ações de reparação são conduzidos pela Vale sempre com mais violações de direitos. Esse é o caso atual do auxílio emergencial e do fornecimento de água. Assim, a execução das obras e ações previstas deve ser feita prioritariamente sem que a Vale e suas terceirizadas estejam nos territórios.
Diante do exposto, as organizações e pessoas atingidas exigem a participação informada e efetiva, com o diálogo e o tempo necessário, para escuta e contribuição dos atingidos na formalização de um possível acordo entre o Governo do Estado de Minas Gerais e a empresa Vale S.A.
Abaixo assinamos: Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB