A vida de um atingido nunca mais vai ser a mesma
Cleonira dos Santos, militante do MAB, conta sua história e aponta os impactos da construção das barragens na vida das pessoas atingidas. Por José Coutinho Júnior, da Página do MST […]
Publicado 03/09/2013
Cleonira dos Santos, militante do MAB, conta sua história e aponta os impactos da construção das barragens na vida das pessoas atingidas.
Por José Coutinho Júnior, da Página do MST
A Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma obra fundamental para gerar a energia que impulsiona o desenvolvimento do Brasil. A Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma obra imponente, erguida com a inteligência e o esforço do homem somados à precisão e à grandiosidade da Engenharia. Durante os 52 meses de construção, foram gerados, em média, 5 mil empregos por mês, proporcionando desenvolvimento e novas perspectivas à região de abrangência do empreendimento.
A descrição da Usina Hidrelétrica Barra Grande presente no site da construtura BAESA esquece de mencionar o que aconteceu com pessoas como Cleonira dos Santos Almeida, que morou em Pinhal da Serra (RS) do seu nascimento até os 20 anos, mas que, devido a construção da barragem para a usina, viu sua casa e das pessoas próximas a ela, ser destruída.
Cleonira morava com a família em uma roça na costa do rio Pelotas. Eles plantavam batata doce, milho, feijão, mandioca, além de criar galinha, gado e porcos. Quando tinha oito anos, começou a ouvir que a barragem seria construída, mas os moradores da comunidade não acreditavam que isso aconteceria de fato.
A gente não achava que ia acontecer, até quando a empresa começou a fazer levantamentos das terras das pessoas. Os meios de comunicação divulgavam que a barragem traria empregos, desenvolvimento e progresso para a região, e a gente acreditava, estávamos até felizes, mas um dia a empresa invadiu nossas terras, cortando as cercas e entrando para colocar marcos de cimentos. Vimos que perderíamos a nossa terra e que a barragem não traria nada de bom para nós.
Os moradores começaram a se organizar para lutar contra a construção da barragem, com a ajuda de atingidos pela barragem de Machadinho (RS) e do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB). Cleonira conta que nunca houve qualquer tipo de diálogo por parte das empresas (além da BAESA, também participaram da construção Camargo Corrêa e Votorantim). Dessa forma, a jovem de 19 anos que nunca havia sequer dormido na casa de uma amiga arrumou uma barraca e se juntou à organização para lutar em 2005.
O diálogo só acontece na porrada. A empresa não vem te procurar e te agradar. Você tem que cutucar ela, até que ela se sinta prejudicada para vir negociar. Ou seja, a gente teve que se mobilizar para não deixar eles entrarem nas propriedades para colocar os marcos, fazer a roçada, ocupar o escritório da empresa… de outro jeito não adianta, afirma Cleonira.
Infelizmente, os moradores não conseguiram impedir a construção da barragem. Mais de 5000 pessoas foram removidas, inicialmente sem serem indenizadas de qualquer forma. Para Cleonira, essa remoção foi uma agressão que não pode ser mais desfeita.
É muio triste. Para mim, que era jovem na época, é terrível. Eu até hoje não gosto de voltar onde morava, fico imaginando onde eram as fruteiras, o pinhão. Meus pais que eram mais de idade e construíram uma história, para eles é mais triste ainda. Minha mãe até hoje não teve coragem de voltar lá. Você destrói uma cultura inteira. Não existe nada pior do que tirar a sua terra e das pessoas que vivem próximas a você.
Sonho
A luta dos moradores continuou mesmo após a construção da barragem ser inevitável. Por mais de quatro anos eles lutaram para ser reassentados em outra área. Muita pessoas foram presas e fortemente reprimidas, até quando os atingidos descobriram que a empresa Engevix fraudou o estudo ambiental da área, alegando que onde a barragem seria construída não havia nenhuma mata.
Após a construção, seis mil hectares de mata nativa ficaram debaixo d’água. A comunidade usou isto para obter a garantia de diversos direitos, dentre os quais o reassentamento de 2000 das 5000 famílias removidas. Os atingidos ainda lutam para que todas as famílias sejam reassentadas e tenham condições de vida dignas.
Cleonira acredita que a vida no assentamento, localizado no município de Esmeralda (RS), é boa. Hoje ela tem uma área 13 hectares de terra, sendo a maior parte dela agricultável, com uma casa e galpão. Os reassentados fizeram um projeto onde as famílias diversificaram a produção, com fruticultura, gado de leite e comida para subsistência. Mesmo assim, para ela é impossível ignorar o que acontece a outros atingidos. Você nunca mais é a mesma. Você vê essas empresas fazendo a mesma coisa com outras famílias, e não dá para ficar em casa cuidando da sua vida.
Por isso, Cleonira continua lutando, auxiliando outras áreas que são atingidas por barragens para que população possa se organizar e evitar sua construção. Meu sonho é ver o povo parar a construção de uma barragem. Em Itapiranga e Garabi, as empresas estão vindo com toda força. Acredito muito que essa barragem não vai sair porque o povo não vai deixar ela sair. Esse povo tem uma terra maravilhosa e moram perto de um rio lindo, e eu sei o que acontece com a vida das pessoas depois que elas perdem a casa e a proximidade com o rio.
Mulheres em luta
Cleonira é uma militante determinada, que abriu mão de muitas coisas em sua vida, além de se colocar em situações de risco, para seguir lutando. A gente acaba não tendo muito tempo para a família e filhos. Sou uma preocupação para minha mãe e pai, porque somos visados, já que a empresa que vai construir uma barragem vai odiar você que vai lá orientar as famílias, e minha família sofre muito com isso.
Ela diz que enfrentou muito preconceito por ser mulher, e que além de lutar contra as grandes empresas e as barragens, as mulheres tem o duplo desafio de desconstruir essa visão.
Esse preconceito que exclui a mulher da luta é o que a burguesia quer. A mulher, pelos valores que ela tem, pelo amor à família, tem uma capacidade de luta muito grande. Isso faz ela lutar e brigar com mais garra. Mas ser mulher é bem difícil. Às vezes você tem que deixar os filhos, e isso dói bastante, afirma emocionada.