Entrevista | Energia em transição no Brasil

Gilberto Cervinski, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens, analisa o setor elétrico brasileiro e os desafios para uma transição climática justa e popular

Desvio do rio Paraná na construção de Itaipu, em 1978.

O setor energético de baixo carbono do Brasil é frequentemente destacado nos fóruns internacionais que debatem resoluções para a emergência climática mundial. Enquanto o agronegócio e a indústria extrativista são os maiores responsáveis pelas emissões poluentes no país, na geração de energia elétrica que abastece instalações públicas, domicílios e indústrias prevalecem as fontes renováveis, sobretudo a hídrica. Mas, ainda que o setor elétrico brasileiro seja considerado amplamente “limpo”, há aspectos do seu modelo de organização produtiva que não podem ser ignorados num projeto de transição verdadeiramente justo.

A expansão da matriz produtiva de energia elétrica no Brasil foi impulsionada pelo nascimento das indústrias de base e o consequente aumento exponencial da demanda por eletricidade nas áreas urbanas entre as décadas de 1920 e 1930. O aproveitamento da abundância de recursos hídricos na produção de energia, para expansão da oferta de eletricidade em termos quantitativos e regionais, só foi possível em razão da regulação estatal do setor. O Código das Águas de 1934 foi o primeiro grande instrumento normativo que permitiu ao Estado brasileiro estabelecer os critérios de ampliação da matriz hidrelétrica. Em meados da década de 1940, o país já contava com marcos regulatórios que asseguravam à União e aos estados da federação a maior parte da propriedade e o controle cadeia produtiva hidrelétrica e, ao longo das décadas seguintes, notadamente em razão dos projetos desenvolvimentistas implementados entre as gestões de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, uma série de investimentos públicos em infraestrutura ampliou a capacidade instalada do país significativamente. Em 1962, na gestão de João Goulart, criou-se a Eletrobrás, empresa estatal destinada a coordenar, fiscalizar e executar projetos relacionados à produção hidrelétrica.

O golpe militar de 1964 não descontinuou o investimento na política energética, mas alterou significativamente a forma. A dependência do capital privado internacional para a expansão produtiva foi significativamente ampliada. Ao longo da ditadura, 61 grandes barragens foram construídas. A matriz hidrelétrica foi crucial para o chamado “milagre econômico” do regime autoritário: no momento da crise do petróleo de 1973, 90% da eletricidade gerada no Brasil era proveniente de fontes hídricas. A deterioração do ambiente econômico internacional, no entanto, expôs a fragilidade do milagre: o crescimento exponencial legado pela ditadura foi, na verdade, de o das desigualdades sociais e da dívida externa.

Resgatar a história da matriz elétrica limpa do Brasil é essencial para estabelecer os termos da transição climática no país. A construção de usinas elétricas, especialmente durante a ditadura militar, implicou danos sociais e ambientais tão significativos quanto os avanços estruturais alcançados. Nas geografias em que foram instaladas, as barragens impactaram enormemente populações e biomas. Milhares de pessoas foram deslocadas, cidades inteiras foram inundadas, a perda de biodiversidade alcançou imensas áreas no entorno das instalações. Nesse contexto, nos anos 1980, surgiu o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), organização voltada a defender os interesses das populações atingidas pelo sistema de geração, distribuição e venda da energia elétrica.

Os investimentos públicos em infraestrutura garantiram soberania energética ao Brasil, mas a ampliação da dependência internacional escondida do escrutínio público pela repressão política do período militar e a ampla ausência de contrapartida social e ambiental que marcaram os anos de consolidação da matriz hidrelétrica do país expuseram as falências de um modelo de desenvolvimento econômico injusto. A redemocratização promoveu uma perversa inversão do desenvolvimentismo energético do período histórico anterior. A partir dos anos 1990, o setor elétrico foi amplamente privatizado. Desde então, a organização produtiva se caracteriza pelo controle privado, forte presença do capital portador de juros, endividamento das companhias e internacionalização dos preços e tarifas. As violações de direitos das populações atingidas pelas estruturas produtivas, no entanto, seguiram como nefasta continuidade do modelo anterior.

À luz da história, a urgência da crise climática hoje torna imprescindível o contraponto feito há anos pelos setores organizados da sociedade brasileira: a reivindicação de uma transição energética efetivamente popular. Para tratar do tema, Hugo Fanton, editor da Phenomenal World, conversou com Gilberto Cervinski, liderança do MAB – movimento que recentemente passou a congregar também famílias atingidas por barragens de rejeitos da mineração e por eventos relacionados a mudanças climáticas, como as inundações que atingiram neste ano o Sul do país.

Cervinski é mestre em Energia pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e professor colaborador no curso de especialização Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo, promovido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Na entrevista, ele relaciona o tema da transição com a necessidade de mudanças profundas na estrutura produtiva do setor energético, trata da reação financista às tentativas recentes de controle estatal sobre o setor—como o caso da Medida Provisória n. 579, editada por Dilma Rousseff em 2012, com o objetivo de reduzir o preço da energia—e propõe a luta por um projeto energético popular.

Entrevista com Gilberto Cervinski

Hugo Fanton: Qual é o modelo prevalente de organização do setor elétrico no Brasil e por que o tema da transição energética depende de sua transformação?

GILBERTO CERVINSKI: O setor elétrico no Brasil, que representa uma parte da questão energética, foi conformado basicamente pelo Estado e por empresas públicas—como a Eletrobrás e companhias estaduais—que construíram as usinas, as linhas de transmissão e organizaram o processo de distribuição da eletricidade nas cidades. Esse modelo durou até os anos 1990, quando foi iniciado um processo de privatização do setor. As melhores partes do complexo industrial foram privatizadas: as melhores usinas e linhas de transmissão. Consequentemente, aumentaram as tarifas e os preços finais para a população. Agora temos um setor elétrico privatizado. Quem controla as usinas, as linhas de transmissão e as distribuidoras são os grandes bancos e fundos de investimento especulativos: hoje, o detentor da propriedade de todas as usinas de produção de energia é o capital portador de juros, que a gente chama de capital parasitário. A segunda característica do modelo atual é a composição das tarifas: temos o menor custo de produção de energia, e um dos preços mais altos do mundo para a população. É uma grande contradição. Esse é o modelo que se consolidou desde os anos 1990. 

Quando falamos da necessidade de um projeto energético popular, estamos dizendo que é preciso mudar profundamente a política de preços, recuperar a soberania e garantir os direitos e a reparação adequada das populações atingidas. É preciso, ainda, fazer uma mudança de matriz, que não pode estar reduzida a hidroelétricas. A luta por um projeto energético popular é, então, a defesa da mudança na política energética nacional em todas essas bases que caracterizam o atual modelo, desde as matrizes até a relação da política com o meio ambiente. Vivemos neste ano a maior seca da história na Amazônia, que está sendo queimada em grandes extensões. E por quê? Porque os grandes produtores rurais estão botando fogo para criar boi. Essas são as questões que precisam mudar a fundo.

HF: Por que existe essa grande distorção dos preços de energia? 

GC: Com a privatização, passou-se a aplicar uma tarifa baseada na energia térmica a carvão, que é o modo como os preços internacionais de energia são definidos. Só que aqui a energia é produzida por hidroelétricas. Temos bacias hidrográficas com vinte usinas, uma embaixo da outra. A mesma água produz eletricidade vinte vezes no curso de uma bacia—essa água se renova sem custo. Ou seja, dispomos de um custo de produção baixíssimo. Mas isso não se reverte em benefício para o povo. Pelo contrário, é um mecanismo de acumulação de riqueza baseado na diferença entre o baixo custo de produção e as altas tarifas. Isso acontece porque estruturas e organismos de Estado que coordenam a política energética estão capturados pelo sistema financeiro, pelos bancos, que controlam as agências reguladoras. Além disso, há violações de direitos tanto dos trabalhadores do setor quanto das populações atingidas pelos projetos, sempre visando o aumento das margens de lucro. Constrói-se usinas e as populações atingidas são expulsas de seus territórios sem indenizações e reparações. 

Mais de 80% da energia elétrica produzida no Brasil é de fonte renovável, a maior parte hidroelétrica, que chega a 70% da produção real de eletricidade. Os outros 10% vêm de fontes eólicas e solares. A água não tem custo como o carvão, o petróleo e o gás natural. Na Europa, por exemplo, os produtores precisam comprar a fonte e queimar em termoelétrica para produzir eletricidade. Aqui no Brasil, temos os grandes lagos de acumulação. Como a água se renova, o custo é praticamente nulo, é só de manutenção dessas usinas, que hoje estão praticamente automatizadas. Portanto, é o menor custo de produção quando se compara com outras fontes renováveis ou com as termoelétricas ou a energia nuclear. Mas, como o setor foi privatizado, o preço não é baseado no custo da hidrelétrica. Adota-se o preço internacional. E o preço que prevalece no mundo é baseado naquilo que o mundo produz, enérgica termoelétrica movida a carvão, justamente a que custa mais caro. Essa é a referência para o que chamam de “preço teto” da energia. Aqui, adota-se o preço teto, o mais alto do mundo, com o custo de produção mais baixo, de modo que a taxa de lucratividade é altíssima.

HF: Quem se beneficia do modelo atual?

GC: Os bancos e fundos financeiros fizeram uma enorme movimentação para controlar o setor elétrico brasileiro e extrair lucros extraordinários. Houve uma estratégia de endividamento das companhias energéticas—hoje, são empresas superendividadas, pagando taxas de juro altíssimas. E esse custo também é jogado na conta de luz. Então, há dois mecanismos que garantem altíssimas taxas de lucro: o endividamento das companhias e a conta de luz em si. É o capital parasitário que extrai riqueza de todos os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Os preços e as tarifas energéticas são centrais para o controle e a distribuição da riqueza nacional: funcionam como mecanismos de extração de riqueza de uma grande massa através do pagamento das contas de luz. No Brasil, há 80 milhões de unidades consumidoras residenciais: famílias que pagam conta de luz. Se adotássemos uma política de preço real, condizente com o sistema brasileiro, o povo pagaria muito mais barato. Não haveria essa extração de riqueza de suas mãos. Com uma política energética que garante os preços altos, parte do salário dos trabalhadores é expropriada para se concentrar nas mãos dos bancos e dos fundos financeiros que controlam o setor.

HF: Em 2012, Dilma Rousseff editou a Medida Provisória n. 579 para alterar, precisamente, a formação de preço do setor energético. Você pode explicar o contexto em que isso aconteceu e o motivo pelo qual a proposta não prosperou?

GC: As grandes hidroelétricas do Brasil foram construídas na década de 1970. Os contratos de concessão de 60% delas estavam vencendo por volta de 2012. Isso significa que, a partir daquele ano, essas usinas não teriam mais dívida a pagar em função do custo de investimento. Os trinta anos de concessão quitaram a dívida formada na construção das usinas. Como não havia mais dívida a pagar, a proposta era oferecer ao país energia a preço de custo acrescido de uma taxa de lucro média. Essa foi a medida do governo Dilma. O problema é que nesse modelo não haveria mais incidência de juros sobre o endividamento, o que provocou uma forte reação dos banqueiros no Brasil. Os dois componentes da extração de mais valia foram colocados em xeque pelo governo: o preço da conta de luz e o pagamento de juros pelo endividamento das empresas. A presidenta comprou uma briga enorme com o capital financeiro por isso. Não à toa o capital financeiro foi um dos articuladores do processo de impeachment. O resultado foi o golpe de 2016. A Dilma Rousseff queria oferecer ao país a energia a custo real de produção, já que o povo brasileiro já tinha pagado por hidroelétricas ao longo de 30 anos de concessão. E o que aconteceu depois do golpe? Novas dívidas foram criadas, como se as hidroelétricas antigas estivessem sendo construídas novamente.1 Cada uma delas agora tem uma nova dívida e está pagando juros por isso, pagando novamente o investimento de sua produção. E quem é o dono das dívidas? O sistema financeiro. 

HF: A privatização da Eletrobrás também fez parte dessa reação do capital financeiro. Quais foram as implicações disso?

GC: Após o golpe de 2016, começou uma movimentação para privatizar a última grande estatal brasileira. A Eletrobrás detém a propriedade de 48 hidroelétricas do país—as de melhor qualidade, com dívidas amortizadas. O capital, evidentemente, não queria pagar o valor dessas hidroelétricas. Então a privatização foi operacionalizada pela transferência do controle da empresa por um valor muito abaixo do que custaria vender as hidrelétricas. Essa privatização foi escandalosa. Hoje, o governo consegue controlar apenas 10% da Eletrobrás. O restante está nas mãos do capital financeiro. Foi um processo de pilhagem de riqueza nacional: 48 hidroelétricas transferidas da noite para o dia para o controle do capital privado, sem necessidade. E nós já vemos o resultado disso: mais aumentos nas tarifas e nas contas de luz. 

HF: O que uma mudança de matriz energética para enfrentar a crise climática significa em um país com essas características?

GC: O debate ambiental é feito no mundo, pelo menos, desde os anos 1970. A Eco 92 foi também um marco importante. Ainda assim, houve aumento crescente e linear no consumo de combustíveis fósseis, de petróleo, carvão e gás desde então, seguido por uma trajetória paralela de emissões de gases de efeito estufa. E não são só os combustíveis fósseis que causam as emissões de gases: aqui no Brasil a principal causa é a atividade agropecuária. Eles chamam de agronegócio, nós chamamos de burguesia agrária. Eles produzem e querem ampliar as áreas para soja, boi, celulose e cana de açúcar, e para isso desejam desmatar tanto a Amazônia quanto o Cerrado, as áreas do país que ainda têm florestas em pé. São essas as duas frentes de ação, portanto, que correspondem às necessidades da transição climática. No caso brasileiro, devemos combinar a mudança de matriz energética com a contenção da sanha da burguesia agrária pela destruição das florestas. Precisamos conter o desmatamento, o que implica alteração profunda na produção agrícola. E quando falamos da mudança de matriz não é mudança de fonte de energia elétrica, e sim da política energética. É isso que precisa mudar: a política de preços e o controle da produção, para além das fontes de geração de eletricidade.

HF: No caso específico da produção de energia elétrica, quais seriam as mudanças necessárias? 

GC: O Brasil talvez tenha a melhor condição mundial de geração de energia renovável. Tem grande potencial hidráulico. Mas isso está na Amazônia, e os grandes proprietários das usinas querem retomar a construção de grandes lagos de hidroelétricas na Amazônia. Isso significa alagar milhares de hectares, o que não é tão renovável assim… O Brasil possui 230 mil cavalos de potência instalada em usinas construídas nos últimos cem anos. E tem essa mesma quantidade em potencial na produção de energia eólica em alto mar. Possuímos também regiões de radiação solar altíssima, equivalente às desérticas, além dos potenciais de biomassa e hidráulico. Ou seja, o Brasil tem as melhores condições de produção no mundo.

Mas, mesmo dispondo dessas várias opções, os grandes empresários do setor energético querem retomar a construção de enormes hidroelétricas de acumulação com grandes lagos na Amazônia. Isso significa alagar milhares de hectares de áreas de floresta. E por que esse interesse? A resposta está na política energética, para quê e para quem é essa eletricidade, e na produção em lógica especulativa. É isso que precisamos combater. Mesmo tendo energia renovável à disposição, o povo brasileiro é penalizado. Temos que mudar a política energética nacional, a política de preços, o controle sobre a produção e a distribuição. O problema ambiental é grave, mas a solução que o capital financeiro apresenta é financeirização e a privatização.

Agora, estão propondo privatizar as florestas aqui. E o que é privatização das florestas? É entregar para os grandes fazendeiros e para os bancos a exploração das florestas. Não é preservação. É aumentar a propriedade privada sobre as áreas de reserva. As iniciativas de financeirização e mercantilização do clima são uma falsificação da solução. O que temos feito é denunciar que a privatização e mercantilização do clima não reverterão o problema climático. Pelo contrário. Quem ganha com os créditos carbono aqui? São justamente os fazendeiros e os donos de usina. Ou seja, é um mecanismo financeiro que beneficia, em nome da proteção da natureza e da reversão da mudança climática, exatamente quem está causando o problema.

HF: Como se dá a atuação do MAB nesse cenário?

GC: O MAB tem uma história relacionada com os impactos das hidroelétricas, há muitas décadas. O movimento é constituído por pessoas que foram expulsas pela construção de usinas, sem indenizações e reparações, em várias partes do Brasil. Ao longo do tempo nos nacionalizamos. O nome é Movimento dos Atingidos por Barragens, mas houve uma mudança nos últimos anos, porque não são só os atingidos pelas usinas de energia elétrica, mas também atingidos por duas situações novas que são muito parecidas: o rompimento de barragens de rejeitos de minérios de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Há várias outras que romperam em diferentes partes do Brasil. Essas pessoas atingidas se organizam no MAB.

Além disso, de alguns anos para cá, há o que chamamos de atingidos pelas mudanças climáticas, como foi o caso das pessoas atingidas pelas chuvas no litoral de São Paulo e, agora, o caso mais emblemático das grandes enchentes que alagaram Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande do Sul. A luta é tanto pelos direitos das pessoas atingidas de indenização e reparação quanto por um projeto energético popular, de transformação do modelo prevalente. Nossa história está imbricada na questão energética, por isso analisamos o setor, discutimos publicamente esses aspectos e lutamos para transformar a política energética nacional. 

HF: Como está a situação dos atingidos em Mariana e Brumadinho?

GC: Em 2024, completa-se nove anos de rompimento da barragem em Mariana. Até hoje as famílias não foram reparadas. A barragem rompeu no estado de Minas Gerais, perto de Belo Horizonte. A lama tóxica caiu numa bacia hidrográfica formada pelo Rio Doce, que corre por 670 quilômetros de extensão até o litoral do Espírito Santo. Todo o rio foi destruído pela lama, que então invadiu o oceano e chegou até Abrolhos, na Bahia. Estamos organizando o povo em toda essa região. Somente agora, em razão da sensibilidade do governo Lula, que está fazendo uma cobrança maior, um grande acordo de indenização das famílias vem sendo discutido com as empresas. Para se ter uma ideia, 700 mil pessoas estão movendo um processo em Londres contra as empresas, porque a Justiça brasileira se colocou, de certa forma, a favor dos donos das empresas. As famílias moveram um processo fora do país para tentar reparação, e isso está ajudando, inclusive, a acelerar o acordo de agora.

No caso de Brumadinho, a lama atingiu outra bacia hidrográfica, a do rio São Francisco. Também são milhares de pessoas atingidas. O acordo foi realizado há pouco tempo, mas as famílias ainda não receberam as indenizações, de modo que a luta agora é pelo cumprimento do acordo e pela reconstrução da bacia. E esse povo está organizado no movimento, lutando pelos seus direitos. São várias frentes de atuação, porque o problema atingiu as pessoas, as comunidades, o próprio rio, as vegetações e até o mar. É um processo muito complexo, e o MAB está priorizando principalmente a questão dos atingidos.

HF: E como está a situação no Rio Grande do Sul? 

GC: Na região metropolitana de Porto Alegre há seis bacias. Todas descem em direção à capital do Rio Grande do Sul. Em maio, chegou a chover 900 milímetros em cinco dias. A média na região é de 170 milímetros mensais. Essa água toda arrastou o rio, que saltou de 13 para 33 metros de altura. A água levou tudo, derrubou casas e bairros inteiros. Morreram mais de 200 pessoas afogadas porque a água foi muito rápida. Ao todo, mais de 2 milhões de pessoas foram atingidas no estado. Porto Alegre tinha um sistema de proteção de muros para não alagar, porque é uma cidade no nível do Rio Guaíba. A responsabilidade pela manutenção desse sistema é da prefeitura, mas, nos últimos anos, os prefeitos de características fascistas e neoliberais sucatearam o sistema, que não funcionou quando necessário. Porto Alegre e a região metropolitana ficaram alagadas por 21 dias em razão disso. As pessoas perderam tudo o que tinham, perderam as casas, os móveis, tudo. Então, em alguns lugares, a luta é pela reconstrução das casas, e para que as famílias consigam voltar para onde moravam. Estamos organizando todas essas famílias. O pessoal se identificou com o movimento: reunimos quem perdeu uma casa por enchente, por lama ou pelo lago da hidroelétrica, a luta é a mesma. É preciso reparar os direitos das famílias e, evidentemente, no centro da nossa cobrança estão os governos.

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