5 anos de impunidade: atingidos de Brumadinho pedem que justiça negue habeas corpus ao ex-presidente da Vale

Ao todo, 26 municípios sofrem até hoje diversos tipos de prejuízos, como a perda de terras agricultáveis e a falta de acesso pleno à água potável

Intervenção na V Romaria pela Ecologia Integral no município de Brumadinho (MG). Foto: Patrícia Sousa

Há exatos cinco anos, o rompimento da barragem da Vale no Córrego do Feijão liberou uma avalanche de rejeitos que soterrou 272 vidas e gerou ainda grande devastação ambiental, alterando todo um sistema ecológico, econômico e social nos arredores. Ao todo, o rompimento liberou no ambiente o equivalente a aproximadamente 180 mil contêineres de metais em forma de lama tóxica que chegou a 26 municípios da Bacia do Paraopeba impactando nas condições de saúde dos moradores até hoje. Para marcar a data, atingidos de toda a Bacia participaram de um ato após a V Romaria pela Ecologia Integral  no município de Brumadinho.

Durante suas falas, familiares das vítimas lamentaram decisões tomadas recentemente na tramitação do processo criminal sobre o caso. As principais frustrações envolvem a federalização do caso que desconsidera as investigações realizadas até o momento pelo Ministério Público de Minas Gerais e o recente voto favorável ao habeas corpus apresentado pelo ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman.

No processo criminal, 16 pessoas respondem por homicídio doloso qualificado e por diferentes crimes ambientais. São 11 nomes ligados à Vale e cinco vinculados à empresa alemã Tüv Süd, que assinou o laudo de estabilidade da barragem que se rompeu. Schvartsman é um dos réus, mas sua defesa já apresentou diferentes pedidos de habeas corpus. 

Participaram do ato representantes da Associação dos familiares das vítimas e atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho-MG.- AVABRUM, de parlamentares, como os deputados federais Rogério Correia (PT/MG) e Célia Xakriabá,(PSOL/MG), de integrantes do MAB, entre outras organizações de atingidos. 

Integrante da coordenação do MAB no território, Jefferson Macena também afirma que a punição dos responsáveis é essencial para pautar a atividade da mineração no estado e criar um marco no país. “Precisamos agora usar a Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB), recém aprovada, como um instrumento para cobrar nossos direitos e proteger a vida de todos os atingidos”. 

Além de indenização justa, atingidos exigem reparação ambiental

Ainda segundo Jefferson, uma das consequências mais graves da falta de reparação é a insegurança hídrica de atingidos que antes dependiam do rio para todas as suas atividades como a pesca e a agricultura, pois o rio segue correndo contaminado. Délia da Costa, moradora do município de Pompéu, vivia a 100 metros do Paraopeba, no assentamento Chácara Chório. “Eu pegava água no próprio rio, usava pra beber, para as minhas plantações e pra dar pro gado. Hoje, a gente depende de entregarem água em casa para tudo. Na área que eu plantava, não posso plantar mais nada. Eu recebo água da Vale para beber, muitos não recebem”, conta.

Jefferson ressalta que, além dessa questão imediata para se resolver, o tema do acesso à água gera preocupação por conta de outras barragens. “A região metropolitana de Belo Horizonte tem três reservatórios de água para abastecimento da população e para agricultura que estão abaixo de barragens com risco de rompimento. É importante intensificar a fiscalização dessas estruturas que podem se romper a qualquer momento”, ressalta o dirigente.  

O coordenador, porém, afirma que, apesar dos grandes desafios, a mobilização dos atingidos é responsável por relevantes avanços na luta por justiça no território.

“Tem muita coisa para avançar, seja na saúde, na questão ambiental na indenização, mas, através de muita luta, conquistamos a permanência do Programa de Transferência de Renda (PTR), temos pautado a reparação e garantimos a assistência técnica independente”.

De forma geral, as assessorias técnicas independentes (ATIs) trabalham para que as pessoas atingidas tenham informação sobre seus direitos, entendam os detalhes do processo judicial e contem com estudos técnicos independentes (ao invés de laudos das empresas criminosas) para melhor entender, mensurar e valorar os prejuízos sofridos. 

Flávia Gondim, da  Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – Aedas. Foto: Francisco Kelvim

Flávia Gondim é gerente geral institucional da Aedas Paraopeba (uma das assessorias técnicas que atua no território). Ela explica que esse direito às assessorias garante que os atingidos tenham o mínimo de paridade de armas frente aos grandes empreendimentos como a Vale. “Porque a Vale tem um grande poderio econômico para contratar técnicos para falar em diversos laudos o que ela considera que são os danos causados e qual a reparação que tem que ser feita”, explica. Segundo a gerente, ao contar com uma assessoria, as pessoas passam a ter direito a estudos produzidos por organizações isentas para contrapor o que tem sido falado pela Vale e pelas mineradoras.

“A assessoria também é um instrumento que consegue garantir a participação dos atingidos no processo de reparação, porque nós nos reunimos semanalmente com eles para discutir as determinações judiciais e ouvir suas demandas. Além disso, aqui no Paraopeba, as assessorias contribuíram significativamente para mudar os critérios de reconhecimento dos atingidos, lutando para que todas as pessoas que tiveram suas vidas impactadas pelo crime sejam indenizadas e reparadas”. 

No Córrego do Feijão

No Córrego do Feijão, distrito que ainda hoje convive com um enorme volume de rejeitos, também houveram homenagens às vítimas. Na Capela Nossa Senhora das Dores, local onde a equipe de resgate abrigou os corpos encontrados, 272 ave marias foram rezadas em memórias das joias.

Geraldo Oliveira Silva, mais conhecido como Geraldo São José, há 31 anos é trabalhador da Vale e conhecia a mina Córrego do Feijão “como a palma da mão”. Na data de hoje ele relembra do irmão, Luiz Oliveira Silva, que também era trabalhador na barragem. “Parece que não é mais punido aquele que erra, é difícil a gente entender essa situação. Faz cinco anos que cobramos por justiça e não temos”, desabafa. No dia do rompimento, Geraldo estava afastado do trabalho por orientação médica e por isso, segundo ele, escapou da tragédia.

Geraldo conta que recentemente descobriu um relato que o irmão fez sobre a dinâmica de trabalho na barragem “a minha irmã contou que o Luiz tinha comentado com ela que poucos dias antes da barragem romper eles [trabalhadores que estavam na escala do dia] haviam sido chamados para tampar com sacos de areia uma trinca na barragem”, relata. “Será que no outro dia nenhum dos gerentes da barragem pensou em fazer uma reunião para avaliar a segurança no local?”, se questiona.

Cerimônia em Córrego do Feijão em memórias às 272 joias Foto: Amélia Gomes/MAB

O clamor por justiça e pelo fim da impunidade também marcou o sermão da missa celebrada na Capela de Nossa Senhora das Dores. Além das fotos das vítimas, familiares levaram ao altar cartazes com os dizeres “Não à injustiça!” “Pelo fim da impunidade!”. Atingidos de Bento Rodrigues, também foram convidados para a solenidade, durante a missa eles relembraram que desde 2015 pedem justiça numa tentativa de evitar que novos crimes acontecessem. Fernanda Portes, da coordenação estadual do MAB, afirma que é preciso cessar com esta impunidade: “O MAB se solidariza às famílias das vítimas e reforça a luta para que o habeas corpus do ex-presidente da Vale não seja aceito, que ele responda pelo homicídio das 272 joias”, pontua.

Entrada da mina Córrego do Feijão. Foto: Amélia Gomes /MAB

Na cerimônia, ao meio-dia e vinte e oito minutos, horário exato do rompimento, 272 badaladas de sino foram tocadas, em contraponto ao silêncio da sirene da Vale no dia 25 de janeiro de 2019.

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