Carta aberta aos presidentes da Bolívia e do Brasil: Enfrentar a devastação da Amazônia é parar projetos que destróem territórios e a vida

Diante da iminência da apresentação dos Estudos de inventário hidrelétrico no rio Madeira no próximo 8 de agosto que pode indicar novos trechos de barramento na bacia, organizações protestam

Ato na cidade de Guajará-Mirim (RO), no dia 22 de março de 2022, Dia Mundial da Água. Foto: Arquivo MAB

Em protesto, organizações da Bolívia e do Brasil emitiram uma carta aberta, relatando as consequências dos impactos das hidrelétricas construídas no rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, como a modificação do ciclo da água, elevação do rio que inviabilizou a agricultura dos ribeirinhos. Doenças e enchentes aconteceram quando o nível foi o mais alto já detectado do rio Madeira, em consequência da barragem de Jirau.

Os grandes financiadores de projetos como esses, BID e CAF, que se disfarçam de protetores da Amazônia e que, no entanto, criam ganhos para os investidores internacionais e impactos negativos para as populações.  Em paralelo, se planeja, também, uma linha de transmissão para suprir de energia as indústrias no Brasil, ignorando as necessidades dos povos amazônicos.

Convocar comunidades para divulgar estudos sem prévio conhecimento da sociedade no dia 08 de agosto, coincidente com o dia da Cúpula da Amazônia em Belém (PA), é violar a participação dos povos a serem afetados e esconder os impactos sinérgicos e cumulativos que os afetarão. Um apelo aos presidentes do Brasil e da Bolívia se faz necessário para que não incorram nesse retrocesso no momento que estamos avançados, tecnologicamente, em alternativas limpas, prestes a ingressar definitivamente na transição energética, para descentralizar a geração e evitar obras faraônicas que afetarão um bioma sensível como a Amazônia. Os principais beneficiados dessa nova megaobra já são velhos conhecidos dos povos: empreendedores, bancos, lobistas, que acabam por criar entraves para as alternativas eficientes.

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Eis a carta em português e espanhol, assinada pelas organizações do Brasil e da Bolívia:

Carta aberta aos presidentes da Bolívia e do Brasil: Enfrentar a devastação da Amazônia é “parar” projetos que destróem territórios e vida.

Em setembro de 2006 foram aprovados os estudos ambientais para a construção da barragem de Santo Antônio no rio Madeira, causando grande preocupação a nós que habitamos as populações de Guayaramerin, Riberalta e as populações do norte da Amazônia boliviana. Quando o Itamaraty apresentou reivindicações para a afetação do território boliviano, a resposta obtida do governo brasileiro foi que nem o território nem os rios do norte da Bolívia seriam afetados pela operação das barragens e descartaram qualquer possibilidade de inundação, sedimentação ou perda de água Potencial energético em território boliviano.

Hoje, nós que vivemos às margens do rio, constatamos os graves efeitos sobre a nossa subsistência devido à modificação do ciclo da água, à impossibilidade de migração dos peixes, à elevação do nível do rio que impossibilita a agricultura ribeirinha, ao aumento em doenças decorrentes da área alagada, todas agravadas em 2014, quando sofremos a maior enchente da história e metade dos bairros de Guayaramerin foram atingidos, assim como na cidade irmã de Guajaramirim, justamente quando a barragem de Jirau atingiu seu nível máximo. Esses impactos têm sido estudados e relatados por cientistas por meio de imagens de satélite, estudos, medições, teses e relatórios amplamente divulgados. Usando imagens de satélite, Sheila Cochrane informou que os reservatórios cresceram 64,5% a mais do que o esperado, 160 km2 a mais do que o esperado de floresta natural inundada e as enchentes cruzaram a fronteira com a Bolívia.

O BID e a CAF, bancos que pretendem concentrar fundos internacionais para o desenvolvimento e proteção da Amazônia, escondem seu papel no financiamento, fomento e estruturação financeira de um dos projetos mais destrutivos da Amazônia: a Hidrelétrica Madera Binacional Usina de 3.772 MW, pretendendo que com este megaprojeto se desenvolvam as regiões boliviana e brasileira através da geração de energia, quando a realidade é que absolutamente toda esta energia será transmitida aos polos industriais do sul do Brasil, no Atlântico. O Estudo: “Interligação entre Brasil e Bolívia: Desenvolvimento de Usinas Hidrelétricas na Bolívia voltadas à exportação” (2022), financiado pelo BID, aponta e recomenda a instalação de uma linha de alta tensão para indústrias no sul da Brasil, sem considerar o abastecimento a nenhuma população da Amazônia, nem da Bolívia nem do Brasil.

Por sua vez, a CAF financia o Estudo de Inventário Hidrelétrico Binacional na Bacia do Rio Madeira e os estudos de projeto de barragens Binacionais, que mostram que para esses Bancos de Desenvolvimento, a Amazônia e seus habitantes são apenas um “território de sacrifício”. Negaram-nos o direito fundamental que temos como potencialmente afetados diretamente, o acesso à informação e a possibilidade de discutir e participar nos processos de tomada de decisão e planejamento de um projeto de infraestrutura de grande porte, cofinanciado com dinheiro público, que obrigar as populações de ambos os lados da fronteira a abandonar nossos territórios, modo de vida, meios de trabalho, possibilidades de alimentação e moradia, já que nossas populações permanecerão debaixo d’água e definirão a vida e o futuro da Amazônia sul-americana.

Organizações do norte da Amazônia boliviana, assim como organizações amigas do Brasil, solicitaram os estudos desde 2018, por todos os meios, inclusive jurídicos, e a resposta obtida foi que são confidenciais. E ainda sustentam que mantêm as populações informadas. Portanto, qualquer convocação sem a divulgação dos estudos e apenas para que haja uma lista de assinaturas a apresentar nada mais é do que o reconhecimento da violação do Princípio da Transparência que prioriza o interesse e a participação dos cidadãos nos assuntos públicos. Ainda mais sem considerar que os estudos de impacto ambiental usados para aprovar esses projetos subestimaram amplamente os impactos dessas barragens, causando sérios danos que devem ser reavaliados.

Dirigimo-nos especialmente aos presidentes da Bolívia e do Brasil, bem como aos presidentes de todos os países amazônicos para deter qualquer plano, estudo e andamento do projeto Binacional da Barragem do Rio Madeira. Já se sabe que o interesse em construir grandes hidrelétricas, ao contrário de investir em energias alternativas, eficiência energética e fontes de energia adequadas às necessidades de nossas cidades, vilas e comunidades amazônicas, responde principalmente ao grande volume de dinheiro envolvido na construção dessas obras e as possibilidades de lucros para os bancos, corporações e empresas participantes. Esse dinheiro cria as condições para a corrupção e um lobby que não existe para outras energias alternativas e renováveis.

Ressaltamos, destacamos que a Hidrelétrica Binacional não é um projeto de energia limpa, não só pelos impactos mencionados e pela devastação da floresta tropical, mas também pelas enormes emissões de CO2 e metano que as hidrelétricas geram em áreas tropicais como como a Amazônia, Isso já foi relatado no Relatório da Comissão Mundial de Barragens em 2000 e recentemente por cientistas do Brasil, da Bolívia e do mundo, que destacam que a omissão dessa consideração pode comprometer as tentativas de lidar com o aquecimento global. Além disso, a Comissão Mundial de Barragens constatou que as mulheres frequentemente arcam de forma desproporcional com os custos sociais, ambientais e econômicos nos 50 casos que estudaram em todo o mundo.

Além disso, enquanto o desmatamento continuar, a capacidade de geração de energia das barragens amazônicas continuará diminuindo e nós que vivemos na Amazônia não poderemos substitui-la por todas as barragens que eles planejam como se não existíssemos.

Pelo exposto, apelamos ao seu compromisso com a Amazônia e seus habitantes, como apontaram os presidentes Lula e Petro, para “proteger a Amazônia e evitar que ela se deteriore” e à proposta do presidente boliviano Luis Arce na Cúpula Mundial da Água (2023) para declarar o ano de 2024 como o “Ano Internacional da Água para a Vida”, reconhecendo a importância vital e urgente de proteger os corpos d’água. Contamos com a sua coerência para entender e agir diante de uma barragem de 3.772 MW, conforme planejado pelo BID, CAF, a empresa privada Eletrobras do Brasil e ENDE da Bolívia, e deter definitivamente qualquer tentativa e interesse em avançar nesse empreendimento projeto da Hidrelétrica Binacional do Rio Madera, respondendo assim ao lado dos povos que os elegeram, para dar lugar à construção de uma nova visão de vida e desenvolvimento na Amazônia.

Carta abierta a los presidentes de Bolivia y Brasil: Enfrentar la devastación de la Amazonia es poner un “alto” a los proyectos que destruyen los territorios y la vida.

En septiembre del 2006 fueron aprobados los estudios ambientales para la construcción de la represa Santo Antonio sobre el río Madera, causando una gran preocupación en quienes habitamos las poblaciones de Guayaramerin, Riberalta y las poblaciones del Norte Amazónico de Bolivia. Cuando la cancillería de Bolivia presentó reclamos por la afectación de territorio boliviano, la respuesta obtenida del gobierno brasilero fue que ni el territorio ni los ríos del Norte boliviano serían afectados por la operación de las represas y descartaron cualquier posibilidad de inundación, sedimentación o pérdida de potencial energético en territorio boliviano.

Hoy, quienes vivimos en las riberas del río hemos constatado las graves afectaciones a nuestros medios de vida por la modificación del ciclo del agua, la imposibilidad de migración de los peces, el aumento del nivel del río que imposibilita la agricultura ribereña, el incremento de enfermedades por el área inundada, todo lo cual se agravó el año 2014 cuando sufrimos la crecida más grande de la que tenemos memoria y la mitad de los barrios de Guayaramerin fueron afectados, de la misma manera que en la población hermana de Guajaramirim, justo cuando la represa de Jiraú alcanzó su máximo nivel. Estos impactos han sido estudiados y reportados por científicos mediante imágenes satelitales, estudios, mediciones, tesis y reportes ampliamente divulgados. Sheila Cochrane mediante imágenes satelitales reportó que los embalses crecieron un 64,5% más de lo esperado, 160 km2 más de lo previsto de bosque natural fue inundado y las inundaciones cruzaron la frontera hacia Bolivia.

El BID y la CAF, – bancos que pretenden concentrar fondos internacionales para el desarrollo y protección de la Amazonia-, ocultan su papel en el financiamiento, impulso y estructuración financiera de uno de los proyectos más destructivos de la Amazonia: la Central Hidroeléctrica Binacional Madera de 3772 MW, pretendiendo que con este megaproyecto se desarrollarán las regiones bolivianas y brasileras mediante la generación de energía, cuando la realidad es que absolutamente toda esa energía será transmitida a los centros industriales en el sur de Brasil, en el Atlántico. El Estudio: “Interconexión entre Brasil y Bolivia: Desarrollo de Centrales Hidroeléctricas en Bolivia dedicadas a la exportación” (2022), financiado por el BID, así lo señala, y recomienda la instalación de una línea de alta tensión para las industrias del sur de Brasil, sin considerar el abastecimiento a ninguna población de la Amazonia ni en Bolivia ni en Brasil.

Por su parte, la CAF financia el Estudio de Inventario Hidroeléctrico binacional en la Cuenca del río Madera y los estudios de diseño de la represa Binacional, con lo que muestran que para estos Bancos de Desarrollo, la Amazonia y sus habitantes somos solo un “territorio de sacrificio”. Nos han negado el derecho fundamental que tenemos como potenciales afectados directos, al acceso a información y la posibilidad de discutir y participar en los procesos de decisión y planificación de un proyecto de infraestructura de gran magnitud, cofinanciado con dinero público, que nos obligará a poblaciones de ambos lados de la frontera a abandonar nuestros territorios, forma de vida, medios de trabajo, posibilidades de alimentación y vivienda, puesto que nuestras poblaciones quedaran bajo el agua y ellos definirán la vida y el futuro de la Amazonia sudamericana.

Organizaciones del Norte Amazónico de Bolivia, así como organizaciones amigas en Brasil hemos solicitado los estudios desde el 2018, por todas las vías, inclusive legales, y la respuesta obtenida ha sido que son confidenciales. Y todavía sostienen que mantienen a las poblaciones informadas. Por tanto, cualquier convocatoria a reuniones sin hacer públicos los estudios y solo con el fin de contar con una lista de firmas para mostrar no es más que el reconocimiento de la vulneración del Principio de Transparencia que prioriza el interés y la participacion de la ciudadanía en los asuntos públicos. Más aún sin considerar que las evaluaciones de impacto ambiental utilizadas para aprobar estos proyectos han subestimado enormemente los impactos de estas represas, lo que ha provocado daños graves que deben ser revaluados.

Nos dirigimos en especial a los presidentes de Bolivia y Brasil, como también a los presidentes de todos los países amazónicos para que detengan cualquier plan, estudios y avances del proyecto de la Represa Binacional sobre el río Madera. Es ya conocido, que los intereses de construir grandes hidroeléctricas, al contrario de invertir en energías alternativas, eficiencia energética y fuentes de energía adecuadas a las necesidades de nuestras ciudades, pueblos y comunidades amazónicas, responde principalmente a la gran cantidad de dinero que implica la construcción de estas obras y las posibilidades de ganancias para los bancos, corporaciones y empresas que participan.  Ese dinero crea las condiciones para la corrupción y un lobby que no existe para otras energías alternativas y renovables.

Señalamos, destacamos que la Hidroeléctrica Binacional no es un proyecto de energía limpia, no solo por los impactos mencionados y la devastación de la selva tropical, sino por las enormes emisiones de CO2 y metano que las centrales hidroeléctricas generan en áreas tropicales como la Amazonia, lo que ya fue reportado en el Informe de la Comisión Mundial de Represas del 2000 y recientemente por científicos de Brasil, Bolivia y el mundo, quienes destacan que la omisión de esta consideración puede poner en riesgo los intentos de enfrentar el calentamiento global. Además la Comisión Mundial de Represas encontró que las mujeres han soportado con frecuencia de un modo desproporcionado los costes sociales, ambientales y económicos en los 50 casos que estudiaron en el mundo.

Además, mientras continúe la deforestación, la capacidad de generación de energía de las represas amazónicas continuará en caída y no podrán sustituirla con todas las represas que planifiquen como si no existiéramos quienes vivimos en la Amazonia.

Por lo señalado, apelamos a su compromiso por la Amazonia y sus habitantes, como lo señalaron los presidentes Lula y Petro de “proteger la Amazonia y evitar que se siga deteriorando” y a la propuesta del presidente de Bolivia Luis Arce en la Cumbre Mundial del Agua (2023) para que se declare el año 2024 como el “Año internacional del agua para la vida” reconociendo la importancia vital y urgente de proteger los cuerpos de agua. Contamos con su coherencia para comprender y tomar acciones frente a una represa de 3772 MW, como la han planificado el BID, la CAF, la empresa privada Eletrobras de Brasil y ENDE de Bolivia y frenar definitivamente cualquier intento e interés de avanzar en este proyecto de la Hidroeléctrica Binacional del rio Madera, respondiendo así al lado de los pueblos que los eligieron, para dar paso a la construcción de una nueva visión de vida y desarrollo en la Amazonia.

Organizaciones de Brasil y Bolivia firman la carta: 

1.         Associação para os Povos Ameaçados (APA)

2.         COMITÉ BINACIONAL DE DEFENSA DE LA VIDA AMAZONICA EN LA CUENCA DEL RIO MADERA- COMVIDA

3.         COMVIDA  Bolivia      

4.         Federación de Juntas Vecinales de Guayaramerín

5.         Central Sindical Unica de Trabajadores Campesinos de Guayaramerín

6.         Junta Vecinal Los Almendros de Guayaramerín

7.         Asociación de Pescadores 16 de Julio de Cachuela Esperanza

8.         Red Integral de MUJERES Amazónicas RIMA de la ciudad de Riberalta

9.         OTB Evo Morales Ayma de la ciudad de Guayaramerín

10.       Junta Escolar Añez Ortiz de la ciudad de Guayaramerín

11.       Organización Comunal de la Mujer Amazónica “OCMA”

12.       Comunidad Campesina Cachuela Mamore de la ciudad de Guayaramerín

13.       Comunidad Campesina 1ro. de Mayo de la ciudad de Guayaramerín

14.       Comunidad Campesina Barranco colorado de la ciudad de Guayaramerín

15.       Barrio Cristo del Rio de la ciudad de Riberalta

16.       Población de Villa Bella de la provincia Vaca Diez

17.       Puerto Consuelo 1 y 2 provincia Federico Roman – Pando

18.       Sindicato de Transporte 22 de septiembre A Cachuela Esperanza

19.       Federación de Moto taxis de la ciudad de Guayaramerín

20.       Sub Gobernación de la Provincia Vaca Diez.

21.       Concejo Municipal de Riberalta.

22.       Alcalde Municipal de Riberalta.

23.       Barrio San Francisco- Guayaramerin.

24.       Barrio El Manantial- Guayaramerin.

25.       Barrio Villa Purísima-Guayaramerin.

26.       Sub Alcaldesa de Cachuela Esperanza.

27.       Barrio La Loma-Cachuela Esperanza.

28.       Barrio Casa Blanca- Cachuela Esperanza.

29.       Barrio Villa Judith- Cachuela Esperanza.

30.       Jasy Renyhe

31.       Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo – FOBOMADE

32.       Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB.

33.       Movimento tapajós Vivo

34.       COMVIDA-BRASIL

35.       Instituto Madeira Vivo

36.       Associação para os Povos Ameaçados (APA)

37.    Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Estado e Territórios na Fronteira Amazônica – GEPE-Front/UNIR 38.     Central de Movimentos Populares – CMP

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