Ribeirinhos de comunidades acima do reservatório de Belo Monte reivindicam reparação de danos
Segundo o Ministério Público, movimentos sociais e moradores locais, a construção da usina, que aguarda a renovação de sua licença de operação, causou irreparáveis prejuízos ao meio ambiente e provocou o sumiço dos peixes do Xingu, impactando comunidades abaixo e acima da barragem
Publicado 23/05/2023 - Atualizado 23/05/2023
Enquanto o Ibama analisa o pedido de renovação da licença de operação da Usina de Belo Monte, os moradores de comunidades ribeirinhas à montante do reservatório, em Altamira (PA) denunciam não terem tido acesso até hoje a nenhuma medida de reparação. Apesar de sofrerem com os grandes impactos da hidrelétrica desde o período da sua construção, sete anos após o início das operações, eles ainda não foram sequer reconhecidos como atingidos pelo Consórcio Norte Energia, responsável pela construção e operação da barragem.
“Eles falam que nós não fomos atingidos, mas nós fomos atingidos sim, em muitas coisas, principalmente no nosso peixe, que era o nosso sustento, e, hoje em dia, a gente não pega mais, nem para comer. A água está suja, muito suja mesmo”, conta Alcilene Silva de Almeida, moradora do bairro de Boa Esperança.
A mesma denúncia é feita por Francisco da Rocha, da comunidade Ilha das Araras. “Não tem mais peixe no rio. A gente vai pescar e não pega nada. Tem que pedir uma carne lá na rua para comer num beiradão desse”, conta.
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As comunidades mencionadas estão localizadas a mais de 80 quilômetros do reservatório principal de Belo Monte. Mesmo assim, o relato dos moradores é unânime: após a construção da barragem, a quantidade de peixe disponível no rio diminuiu muito. O morador João Evangelista, um dos mais antigos da comunidade Boa Esperança, explica que a usina alterou o ritmo do rio Xingu. “O rio está lento para encher e vazar. Assim, fica sujo porque perdeu a força da correnteza. Está numa vagareza para secar”, conta. Belo Monte entrou em operação em 2016, quando iniciou o enchimento do reservatório, de 516 km².
Pressionada pelo Ibama no ano passado, a Norte Energia começou a pagar uma verba de reparação aos pescadores da região do Xingu pelos impactos na pesca. A medida inicialmente abrange 1.976 pescadores cadastrados pela empresa. O número já é apontado como insuficiente, uma vez que a empresa admite que existem 3.909 outros pedidos de cadastro que estão em “estudo de caso” e que até agora não tiveram resposta. “Queria ver como vai ficar esse estudo de caso, porque a Norte Energia não explica nada para nós”, reclama Francisco da Rocha.
Para piorar a situação, moradores contaram que a Norte Energia distribuiu a alguns pescadores um tipo de malhadeira inadequado para o uso na região. Como sua trama é estreita, acaba prendendo muitos peixes pequenos, que acabam não atingindo um tamanho adequado para a pesca.
A moradora Francineide, da região do Km 13 de Brasil Novo, considera um desrespeito a forma como a empresa vem tratando os atingidos. “De vez em quando vem aqui uma equipezinha, que traz uma caixinha com anzol e três iscazinhas. Isso não é certo. A Norte Energia ganha tanto em cima dos ribeirinhos”, desabafa.
Acesso a políticas públicas
Além de denunciar que a água do Rio Xingu está suja e sem peixes, os atingidos reclamam da falta de políticas públicas na região, como acesso à energia, saneamento básico, escolas de qualidade e posto de saúde próximo. As localidades pertencem ao município de Altamira e são acessadas pelo rio.
“Nós não temos água para beber nem lavar roupa. Chega o inverno e ninguém pode fazer nada com a água. Nós não temos energia, não temos posto de saúde, nem escola perto. Tudo é longe. Tem várias crianças aqui nessa ilha e não tem escola perto”, afirma Carolina, moradora da Ilha das Araras.
O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB fez uma série de reuniões nessa região no final de semana passado, em preparação para o Encontro dos Atingidos por Belo Monte, que ocorrerá no início de junho em Altamira (PA).
Na visita, os militantes do MAB também puderam conferir a situação das escolas da localidade. Em uma delas, na comunidade Boa Esperança, o telhado de palha está todo danificado. A prefeitura providenciou uma lona para cobrir a estrutura, o que deixa a sala de aula muito quente, em especial durante a tarde. Sem acesso à energia na localidade, não é possível sequer ligar um ventilador.
Outra escola, da comunidade Passaí, funciona em um galinheiro cedido de forma provisória por um morador. “Era para ser uma situação improvisada, de três meses, e já vai durar três anos”, conta Paulo, morador do local.