Audiência pública convocada por Brigada de Solidariedade em Jequié (BA) ouve atingidos por enchentes

Durante audiência, movimentos sociais reivindicaram o envolvimento da população na elaboração do plano de reparação de danos causados por chuvas e abertura de comportas da CHESF

Luiz Carvalho, coordenador do MAB, durante audiência pública em Jequié (BA). Crédito: Jamile Araújo/Brasil de Fato BA
Luiz Carvalho, coordenador do MAB, durante audiência pública em Jequié (BA). Crédito: Jamile Araújo/Brasil de Fato BA

Na última quarta-feira (16), uma audiência pública realizada no município de Jequié (BA) discutiu a situação das famílias atingidas pelas cheias dos rios de Contas e Jequiezinho causadas pelas fortes chuvas e abertura das comportas de barragens no sudoeste do estado nos últimos meses. Convocada por movimentos sociais e entidades que integram a Brigada de Solidariedade e moradores do município, a sessão aconteceu no Centro de Cultura Antônio Carlos Magalhães. O objetivo era discutir os desafios da reparação dos danos causados às centenas de famílias que tiveram suas casas destruídas ou danificadas, perderam seus bens e documentos, enfrentam problemas relacionados à falta de saneamento básico e seguem convivendo com o lixo acumulado pelas inundações em seus bairros.

A audiência contou com a participação de cerca de 70 pessoas, incluindo famílias atingidas, militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), da Associação dos Docentes da UESB – ADUSB, dos sindicatos Sindae e Sindipetro, de membros da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e outros órgãos da Prefeitura e de representante da Embasa e da Defesa Civil do município.

A coordenação da audiência ficou por conta da Comissão Especial de Desenvolvimento Urbano da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). Em sua fala, a presidente da Comissão, a deputada Maria Del Carmen (PT/BA), afirmou que o poder público tem responsabilidade e necessidade de planejamento e diálogo com a população nesses casos. “Nós temos que ter plano diretor, nós temos que ter conselhos da cidade, nós temos que ter todos eles atuando, trabalhando, mostrando, debatendo sobre esses problemas, encaminhando as soluções, buscando alternativas”, ressaltou. A sessão ainda contou com a participação da deputada Olívia Santana, que também é membro da Comissão.

Representando o MAB, o coordenador Luiz Carvalho destacou a relevância da audiência como uma ferramenta que pode ajudar na construção de uma reparação coletiva dos danos causados aos atingidos pelas enchentes. “Essa audiência é importante porque aqui é o espaço tanto dos atingidos, como do poder público para se discutir um plano de reparação dos danos. Aqui é o espaço dos atingidos se expressarem e se inserirem nesse projeto, nessa construção e na reparação de suas condições de vida”, ressaltou.  

Em sua fala, Luiz também reforçou que, em Jequié, não foi somente a chuva que causou as cheias nos rios. “A gente teve a abertura das comportas da Barragem de Pedra, que é da Chesf. A gente não pode culpar só a chuva, mas também a mão do homem. A gente tem também um quantitativo de barragens clandestinas que não são fiscalizadas, que beneficiam os empresários, que não pensam na tragédia e na perda dos atingidos e, sim, no lucro. E tudo isso afeta o território”, complementou.

Deputada Maria Del Carmen, que coordenou a audiência. Crédito: Jamile Araújo/Brasil de Fato BA

A voz dos atingidos

O momento do relato das pessoas atingidas foi um dos mais importantes da audiência, pois elas puderam explicar as consequências da inundação de suas casas, falar da situação das moradias afetadas e expor suas principais demandas no momento atual.

Houve relatos sobre as dificuldades para se emitir novos documentos, o não pagamento do valor do aluguel social para quem perdeu a casa, a continuação da cobrança do IPTU, a quantidade de lixo que não foi removida dos rios, bem como sobre a morte de pessoas por consequência das inundações.

Michele Santos Ferreira perdeu os bens da sua casa e seu carro durante a inundação. Crédito: Jamile Araújo/Brasil de Fato BA

Michele Santos Ferreira, moradora do loteamento Flamboyant, contou que foi para a audiência em busca dos seus direitos e relatou as consequências que as enchentes tiveram para sua família. “Teve a enchente, minha casa deu quase dois metros de altura de água. Perdi todos os bens e meu carro encheu de água. Estou desempregada e não tenho condições nenhuma de estar arcando com os prejuízos”, relatou.

O irmão de Michele, morador da mesma localidade, também teve a casa tomada pela água. A mãe presenciou todo o desespero dos filhos. “Isso afetou a saúde da minha mãe e ela veio a falecer. No domingo, tive que enterrar a minha mãe”, lamenta Michele. “Vai completar dois meses que nossas casas foram inundadas e nós não recebemos nada, só cesta básica. E eu moro ali próximo ao rio de Elza. Ali está cheio de lixo, está superlotado de entulhos”, acrescentou. 

Já o morador do Quilombo Barro Preto, Joabe Araújo Santos, contou que ele e a esposa perderam tudo. “No dia da enchente eu fiz questão de entrar na minha casa para minha esposa não entrar, porque eu sabia que ela iria chorar ao ver tudo da forma que estava lá dentro. A água bateu um metro e quarenta e, quando eu entrei, estavam a geladeira e o freezer boiando”.

Casa destruída pelas enchentes. Crédito: Luiz Carvalho / MAB

Joabe relata que chorou ao ver a situação da casa, mas que, aos poucos, ele e os vizinhos estão conseguindo se recuperar, ainda que sem o apoio necessário do poder público. Ele reforça que os problemas de saneamento básico em Jequié são antigos e afetam especialmente a população mais pobre, que não tem condições de morar em áreas mais seguras da cidade.

“Os problemas de saneamento de Jequié não são de agora. São de muito tempo. A gente constrói nossas casas perto dos rios, porque quem ganha um salário mínimo não tem como comprar terreno no centro. Para vocês terem ideia, quando a gente comprou o terreno que o rio passa atrás, a gente pagou seis mil reais. A única coisa que temos como fazer é comprar um terreno perto de um rio. Vai comprar um terreno dentro dos matos para poder morar e construir. Somos pobres. E nisso aí ninguém está pra ajudar a gente”, pontuou Joabe em sua fala.

Os desafios e encaminhamentos

Léia Silva, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD)
Léia Silva, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Crédito: Jamile Araújo/Brasil de Fato BA

Léia Silva, que integra a direção do MTD, afirmou que a audiência foi importante para o envolvimento das pessoas atingidas na discussão sobre o plano de reparação dos danos causados. “Quando a gente trata dessa audiência aqui, não há denúncia, é colaboração e construção coletiva. É isso que nós estamos reivindicando aqui. E essa construção coletiva é envolvendo a representação das comunidades que foram atingidas pela chuva. Fazer planos para pensar o futuro não é possível sem as pessoas que precisam ser envolvidas nesse futuro, principalmente na situação das chuvas”. 

Um dos encaminhamentos da audiência é o envolvimento das representações das comunidades atingidas em uma comissão para a construção do plano estrutural de reparação de danos. Além disso, os representantes da Embasa, Defesa Civil e Prefeitura se comprometeram a levar os pontos levantados pelos atingidos para a gestão dos respectivos órgãos.

A Brigada de Solidariedade

Integrantes da Brigada de Solidariedade entregando doações para família atingida. Crédito: Gabrielle Sodré / MAB

Desde o final de dezembro, foi formada uma Brigada de Solidariedade em Jequié, que conta com a participação de movimentos sociais e entidades sindicais. Nesse período, os integrantes da Brigada realizaram visitas nas áreas afetadas, doações de cestas básicas e de móveis.

De acordo com a professora Silvana do Nascimento Silva, que participou da audiência representando a ADUSB, foi através da parceria com os movimentos de trabalhadoras e trabalhadores que o sindicato se juntou à Brigada de Solidariedade com o intuito de apoiar os atingidos. “Isso foi muito importante, mas, para além das doações, a gente precisa mudar aquilo que é estrutural, que é a questão da vulnerabilidade social de comunidades periféricas. Essa audiência pública se torna importante para pensarmos em ações concretas para a transformação dessa realidade que está aí posta pelo capital. Uma realidade que exclui, que espolia e violenta. E a gente tem que mudar isso para melhor, dando qualidade de vida para os moradores e moradoras das periferias, os ribeirinhos, os indígenas e quilombolas”, afirmou

Saiba como apoiar os atingidos pelas enchentes

Os brasileiros atingidos pelas enchentes nas diversas regiões do país enfrentam necessidades básicas e imediatas, como abrigo e alimento. Elas precisam de amparo por parte do Estado e das empresas responsáveis pelos empreendimentos que potencializam os efeitos das enchentes, mas você também pode ajudar! Saiba como no link (https://mab.org.br/apoieomab/ ).

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