“Barragens e seus impactos Psicossociais”: livro debate danos causados às comunidades atingidas

A obra lançada no final de 2021 no formato de ebook é uma iniciativa conjunta de pesquisadores de diferentes universidades brasileiras que analisam o tema do impacto das barragens no país

Livro da editora EduFatecie, organizado pelas pesquisadoras Daniele Duarte e Denise Kloeckner


O risco de rompimento e a consequente destruição de vidas, de casas e espaços públicos, de ecossistemas, bem como a exposição de populações de municípios inteiros ao contato com água e poeira contaminadas por metais pesados, são alguns dos conhecidos impactos causados por grandes barragens – especialmente depois dos crimes de Brumadinho e Mariana.

Para além desses danos visíveis, as comunidades que vivem no entorno de reservatórios de hidrelétricas e barragens de rejeito de minério vivem muitos outros dramas e transformações da dinâmica social e cultural de seus territórios a partir da chegada desses empreendimentos e do risco que eles representam. O livro “Barragens e Seus Impactos Psicossociais”, publicado em formato digital pela Editora EduFatecie, no último mês de novembro, reúne estudos de diversos pesquisadores, de diferentes instituições de ensino do país, sobre o impacto de barragens na vida das populações atingidas e as contradições de um modelo produtivo baseado na construção dessas estruturas.

A obra foi organizada pelas professoras Daniele Duarte, da Universidade Estadual de Maringá, e Denise Kloeckner, do Centro Universitário UniFatecie. “Nesse livro, o leitor irá entrar em canteiros de obras, casas, vilarejos, comunidades e cidades, junto com os autores, para conhecer histórias de vida e de trabalho transformadas pelas barragens. Por meio de depoimentos, fontes diversas de informações e dados, serão revelados os impactos psicossociais que esses empreendimentos causam ao atingir existências, muitas vezes, agravando vulnerabilidades já vividas, em nome do progresso e desenvolvimento de uma nação. A cada página, serão encontrados registros e reflexões das histórias que foram deliberadamente ocultadas, negadas e silenciadas pelas águas, minérios e lamas”, diz a sinopse da publicação.

Conversamos com Daniele Duarte sobre a produção do livro e o debate que ele propõe. Confira a entrevista:

Daniele Duarte, uma das organizadoras do livro.

MAB: Qual a motivação para essa pesquisa que originou o livro?

Daniele: Enquanto pesquisadoras, ao idealizar conjuntamente o projeto desse livro, almejávamos trazer diferentes prismas para compreender os desdobramentos do processo de construção de barragens (de minérios e também hidrelétricas). Ou seja, queríamos dar visibilidade para distintas análises que mergulhavam para entender o antes, durante e depois desses empreendimentos serem idealizados e implementados.

Nessa perspectiva, a partir de diferentes áreas de conhecimento e formação dos(as) autores(as) do livro, fomos juntos(as) explorando olhares, compreensões e reflexões sobre o tema.

Ao longo dos capítulos, em diferentes vertentes teóricas e investigativas, os(as) pesquisadores(as) colocam uma lupa e também um autofalante para olhar, escutar e ser afetado pelas vidas atingidas, tanto pelos desastres oriundos do rompimento de barragens de minérios, quanto pelo impacto das instalações de barragens de empreendimentos hidrelétricos. São exploradas as contradições que estes modelos produtivos alavancam, ambos símbolos portentosos de desenvolvimento econômico e geração de lucro, ao mesmo tempo em que produzem danos socioambientais e ocultam vulnerabilidades ao criar e gerir artificialmente riscos. Buscamos dar relevo e expressão aos impactos psicossociais causados por esses empreendimentos para reconhecer a dimensão negligenciada do sofrimento, negado, distorcido e silenciado – seja por manter um discurso de fatalidade dos eventos, seja de des-responsabilização pelos agravos e perigos desencadeados por essas corporações e também pelo Estado brasileiro.

MAB: Quais as principais contradições do modelo de desenvolvimento no qual as barragens se inserem?

Daniele: No livro, colocamos em questão o modelo hegemônico de desenvolvimento adotado no Brasil (tido praticamente como único e sido imposto à população, como se não houvesse alternativas). Tal modelo tem acumulado cada vez mais riscos e perigos, aprofundado as vulnerabilidades de populações e comunidades. Em suma, o Brasil convive de maneira ascendente com a iminência da ocorrência de novos desastres envolvendo barragens, sem oferecer garantias de mitigação e compensação para as pessoas e ambientes em risco constante, como nos alerta Milanez e Wanderley (2020) – tão menos em termos de prevenção e superação dessa lógica destrutiva. Isso se faz em um cenário nacional com legislações enfraquecidas (em termos de proteção social e ambiental), pois estão cada vez mais flexibilizadas, anuladas e mesmo omissas na proteção de desastres e dos impactos ambientais e psicossociais desses empreendimentos.

MAB: Qual a importância de se discutir os impactos para a saúde mental da população atingida por barragens nesse momento em que se debate a implementação da PNAB (Política Nacional dos Atingidos por Barragens)?

Daniele: A saúde mental não se restringe apenas à dimensão individual e singular da pessoa. A saúde mental constitui-se também na dimensão coletiva, social, política, econômica e cultura de um país, de um território, de uma comunidade. É no tempo, espaço e relação onde nossas vidas são tecidas, a vários fios, com dores e alegrias, esperanças e desamparos, desejos e subjugações, dominações e resistências.

Essa realidade dos(as) atingidos(as) por barragens tem produzido incessantemente mortes, agravos e sofrimentos à nossa população em solo brasileiro. Tem afetado profundamente a territorialidade, onde a vida acontece e é vivida, ou seja, o espaço biográfico (ARFUCH, 2010). Olhar para esse contexto, que o livro aborda, permite compreender os aspectos psicossociais daqueles que tiveram suas histórias de vida transformadas por barragens.

MAB: Qual a importância da atuação de coletivos, movimentos sociais e entidades de classe para a consolidação de um aparato legal para a proteção dos direitos da população atingida?

Daniele: Em tempos de solidão e individualismo cada vez mais intensos, investir e mobilizar o âmbito coletivo é uma potência desafiadora e transformadora para a proteção da saúde mental, da existência, da dignidade, da história dos povos e comunidades. É justamente por isso que nossa sociedade deve se mobilizar intensamente. Somos um país marcado por desastres recorrentes e periódicos envolvendo barragens, de diferentes escalas e proporções, inclusive os desastres de trabalho ampliados. Essa PNAB é um norte, princípio e pacto civilizatório a ser firmado contra a barbárie e naturalização do desastre, do sofrimento e morte humana e ambiental. Tal cenário gera repercussões sobre o processo saúde-doença e assume expressões de sofrimento com amplitude temporal capaz de engendrar agravos a curto, médio e longo prazos.

Os desafios para lidar com os efeitos dos desastres oriundos de barragem ultrapassam o setor da saúde, estendendo-se para as demais políticas públicas, sindicatos, movimentos sociais e organizações de base para enfrentar as consequências adversas que atingem a vida e o bem-estar de comunidades e populações.

O processo saúde-doença deve necessariamente ser circunstanciado a partir das desigualdades e vulnerabilizações produzidas, pois são determinações sociais que interferem na saúde e nas condições de existência. Isso permite desvelar não somente como essas iniquidades atingem o corpo e a subjetividade, mas atentar para o sofrimento psicossocial, as demandas a serem acolhidas e suas estreitas relações com o território habitado, o trabalho vivido e as relações constituídas.

Circunstanciar as condições de vulnerabilidades existentes previamente, agravadas ou desencadeadas pelos desastres é fundamental para construir respostas adequadas e, essencialmente, preveni-los.

MAB: Qual principal reflexão o livro quer trazer para o debate público?

Daniele: Se esse país busca trilhar um caminho de desenvolvimento efetivo e responsável, não pode mais ignorar e banalizar essa história trágica desse modelo de desenvolvimento desumano e destruidor. É tempo de teimosa esperança conjugada com luta e resistência. Queremos somar forças, afetos e discussões para avançar nessa pauta que o MAB corajosamente tem trazido à tona e não deixado no esquecimento, pois esse Movimento está diretamente com as pessoas que testemunham e mostram no corpo e nos afetos o que é ser atingido/a por barragem.

Clique aqui para baixar o livro.

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 15/02/2022 por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

População de Brumadinho reivindica melhorias das estradas rurais danificadas pelas enchentes

Alta do volume do rio Paraopeba provocou enchentes de lama que atingiram casas, estradas e um poço artesiano na zona rural do município

| Publicado 17/02/2022 por Coletivo de Comunicação MAB BA

Audiência pública convocada por Brigada de Solidariedade em Jequié (BA) ouve atingidos por enchentes

Durante audiência, movimentos sociais reivindicaram o envolvimento da população na elaboração do plano de reparação de danos causados por chuvas e abertura de comportas da CHESF

| Publicado 18/02/2022 por Movimento dos Atingidos por Barragens

MAB anuncia a realização de estudos do território de Aurizona (MA) em parceria com universidades públicas

Moradores do distrito de Aurizona (município de Godofredo Viana-MA) sofrem com a violação de seus direitos básicos desde o rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Equinox Gold há quase um ano