A educação transformou Francinete e ela quer transformar o mundo

Mulher, jovem e quilombola, Francinete da Conceição Braga é uma das coordenadoras do MAB no Maranhão/Piauí. Ela acredita que só a luta e a educação no campo podem reverter as injustiças sociais no interior do país

“No ensino médio, eu saia da minha comunidade para ir para a escola na cidade. E, na cidade, eles ensinam que o campo é atrasado, eles ensinam que você tem que estudar pra sair do mato, sair do interior, pra ‘virar gente’. Então, é importante você ter escolas com professores do campo, que entendam aquela realidade, que saibam que dá para construir melhores condições de vida no campo, com acesso à educação, à saúde, com possibilidade de se produzir, ter renda e tudo o que se tem direito, sem ter que sair de lá. Claro que esse é um processo longo, mas não impossível”.

Francinete nasceu e cresceu em Matões, em uma terra remanescente quilombola, na região do Maranhão conhecida como Cocais. E é pelos direitos do povo quilombola – e de muitos outros grupos sociais historicamente marginalizados – que ela resolveu assumir uma vida dedicada à educação popular e à luta junto ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Uma das suas grandes referências para trilhar esse caminho é o ícone Paulo Freire, que dizia que um dos objetivos da educação em uma perspectiva humanista é garantir que o homem se perceba como sujeito capaz de transformar o mundo no qual está inserido. Se ele tivesse conhecido a maranhense Francinete, ficaria orgulhoso.

Francinete em uma audiência pública na Terra Quilombola São João em Matões (MA)

 “A gente sempre fala que o MAB é importante por causa da formação, porque, quando você entende por que você está lutando, quais são seus direitos, isso muda sua consciência, porque você começa a estudar e passa a ter noção do todo. E aí você quer ajudar a mudar aquela realidade”, avalia a militante. “A educação transforma pessoas e as pessoas transformam o mundo”, completa ela, citando a pedagogia freiriana.  

A jovem conheceu o Movimento em 2015, quando o MAB iniciou um projeto de alfabetização em sua região. Segundo ela, a partir dessa pauta, o Movimento ajudou a comunidade a se organizar e a lutar por muitos outros direitos como, por exemplo, a regularização da terra e o acesso à energia.

“A conquista da energia elétrica foi uma coisa maravilhosa. Depois dela veio a água, a terra, os projetos, o trabalho. Tudo isso é parte desse processo de luta com o MAB”, conta.


As conquistas instigaram em Francinete o desejo de ajudar mais pessoas a também lutarem por uma vida digna. Hoje, com apenas 23 anos, ela é uma das coordenadoras do MAB nos estados do Maranhão e Piauí, onde tem o desafio de construir o Movimento e desenvolver um projeto sobre segurança de barragens na Bacia do Rio Parnaíba.

Atividade formativa na Universidade Federal do Piauí

Além disso, depois de entrar para o Movimento, ela ingressou na universidade pública  e se tornou graduanda em Educação no Campo e Ciências da Natureza na Universidade Federal do Piauí. Entre a universidade e a militância, ela ainda tem tempo para ser jovem, dançar forró, cozinhar (arroz de cuxá e baião de dois estão entre as iguarias favoritas) e ler mulheres inspiradoras, como Ângela Davis e Rosa Luxemburgo.

A inspiração é necessária para lidar com lutas desafiantes. A região de Cocais, onde Francinete nasceu, é tomada pelo agronegócio, que transformou a paisagem com plantações de soja e eucalipto. Em outras regiões do Maranhão, há ainda a luta contra os grandes conglomerados da mineração e, no Piauí, o MAB apoia atingidos de obras do próprio governo. Por isso, é preciso ter coragem para questionar uma noção de progresso econômico excludente e lidar com conflitos agrários e a hostilidade dos grandes empreendimentos. Tudo isso sendo uma liderança jovem, mulher e de origem quilombola.

Oficina para mulheres no território quilombola São João, em Matões (MA)

 “Mulher, é difícil ser mulher, viu? No Piauí, no Brasil, no mundo. Porque, às vezes, você não tem o devido crédito e é desrespeitada nos espaços, simplesmente por isso, por ser mulher. Mas, aqui no Piauí e no Maranhão, o MAB é basicamente coordenado por mulheres e é muito é interessante, porque a gente ocupa os espaços e vai desconstruindo esse pensamento de que a gente não pode estar ali”, conta Francinete, com satisfação.  Segundo a jovem, as dificuldades são muitas, mas a vontade de ajudar é maior.

“Quando você se sensibiliza com a dor do outro, isso é uma coisa muito sua. O Movimento sugere as direções, mas você vai se quiser.  Eu sinto muito essa vontade de ajudar, de contribuir coma a luta, porque só com a luta, a gente transforma a realidade”.

Mensagem de luta sobre o rompimento de uma barragem da mineradora Equinox Gold em Godofredo Viana (MA), que deixou a população do distrito de Aurizona sem acesso à água

Hoje, o principal projeto em que Francinete está envolvida, no Piauí, busca promover ações de capacitação e multiplicação de conhecimentos em relação à temática de segurança de barragens no entorno das represas de Bezerro, em José de Freitas, e Emparedado e Corredores, no município de Campo Maior. São municípios que compreendem a sub bacia do rio Alto Longá, um dos principais afluentes do rio Parnaíba.

“As barragens são de responsabilidade do Governo do Estado do Piauí e funcionam como açudes, reservatórios de água que têm a finalidade de garantir o abastecimento humano, a irrigação e a pesca, desempenhando um papel social importante na região. No entanto, se não forem inspecionadas e cuidadas, elas podem oferecer sérios riscos às populações jusantes as barragens”, explica Francinete, ressaltando a importância de um trabalho de prevenção.  

Segundo ela, a maior dificuldade de se fazer uma articulação na região é justamente mudar a percepção de que as barragens são sinônimo de progresso e de desenvolvimento, como as grandes empresas difundem. Por isso, ela defende que é preciso ter calma e persistência para se construir uma luta coletiva, que é importante para o povo.

“O MAB desperta esse sentimento de coletividade, um sentimento de doação, de responsabilidade, de amor ao próximo, esse sentimento bom de lutar por justiça social. É cansativo, mas é muito bom e necessário”, conclui ela.  

* Esse texto faz parte de uma série de perfis de coordenadores do MAB produzidos em celebração aos 30 anos do Movimento.
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