MAB defende Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens em audiência do Ministério Público

A proposta do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é criar um marco regulatório para coibir a violação de direitos humanos praticada sistematicamente por grandes empreendimentos a partir construção de barragens

Na manhã de ontem, 15, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – promoveu uma audiência pública virtual, para discutir o tema “Instituição da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens” (PNAB).

A sessão contou com participação de representantes dos movimentos sociais, da academia, da sociedade civil e do poder público. Eles contribuíram com subsídios para a criação de uma nota técnica que será encaminhada ao Congresso Nacional onde tramita o Projeto de Lei nº 2.788/2019 (que trata da PNAB).

A criação de uma política nacional dos atingidos é fruto de uma longa luta do MAB com foco em coibir as violações de direitos humanos praticadas por grandes empreendimentos do setor elétrico, da mineração e outros.

“Nossa construção é histórica. A proposta de um projeto de lei é uma luta do MAB que se acentua em 2010 após um relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Aí que a gente formula as diretrizes do que poderia ser uma Política Nacional sobre os Direitos dos Atingidos, mas esse não é o primeiro projeto de lei sobre o tema”, afirmou Tchenna Maso, representante do MAB.

Essas diretrizes definidas pelo MAB levam em consideração um padrão de atuação de empresas responsáveis pela construção das barragens que têm deteriorado as condições de vida e aprofundado as desigualdades sociais nos territórios onde atuam, impactando as condições de moradia, saúde e fonte de renda dos moradores, além de impor diferentes riscos para as pessoas e para o meio ambiente. Por isso, o Movimento defende a criação de um marco legal nacional, criado a partir da participação dos atingidos e atingidas, para prevenir e reparar os crimes sociais e ambientais em suas comunidades.

A audiência foi presidida pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, e mediada pelo procurador da República Thales Cavalcanti Coelho. De acordo com Thales, a contribuição dos participantes mostrou diversos avanços que a lei pode trazer. “Eu destacaria entre eles a necessidade de consentimento prévio, livre e informado das populações atingidas por esse tipo de empreendimento, de infraestrutura: as barragens.  Outro avanço importantíssimo é ter a previsão, na lei, das assessorias técnicas independentes”.

A assessoria técnica foi uma conquista dos atingidos de Brumadinho e Mariana depois dos crimes da Vale, Samarco e BHP, mas a ideia, através da PEAB, é que elas se tornem um direito de todos os atingidos do Brasil.

Nesse sentido, o procurador destacou que, além das assessorais, os movimentos sociais também têm um papel importante de interlocução entre os órgãos de controle, as instituições de justiça e as populações atingidas. “Eles permitem que se faça uma escuta qualificada dessas pessoas, possibilitam uma aproximação maior. E também têm um papel importante de advocacy, defendendo essas boas causas perante o poder público, perante a sociedade civil, expondo esses pontos que nos são caros para levá-los de forma qualificada perante as instâncias de tomada de decisão”, afirmou.

Em sua fala, Simone Silva, atingida de Barra Longa (MG) e representante do MAB destacou a impunidade dos casos dos crimes do Vale do Paraopeba e do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, e reivindicou que a lei saia do papel.

“Sou atingida do crime da Vale, Samarco, BHP e Fundação Renova. Não podemos esquecer de dizer que somos atingidos Pela Fundação Renova também, uma empresa criada para reparar, mas que na realidade só tem renovado os crimes praticados pelas mineradoras”, destacou.

Simone também falou sobre a diferença de tratamento na lei para as mineradoras e para os atingidos. “Principalmente nós que somos negros, a gente é criado e ensinado pelos pais e pela sociedade que a gente tem se comportar muito mais que os outros, que a gente tem que cumprir as leis muito melhor do que os outros, porque a gente é negro e negro todo mundo sabe a realidade. As pessoas sempre vão olhar com preconceito e discriminação e quando a gente é atingido não é diferente. Eu cresci com meu pai e minha mãe dizendo que a lei que está no papel, ela deve ser respeitada. E assim eu aprendi. E assim procuro ensinar ao meu filho. Só que quando você se torna atingido, essas leis não existem”, desabafou.

“Ao longo desses últimos seis anos, temos lutado para ter direito de ter direito. Porque se as leis existem, elas não podem ser só para o negro não, não podem ser só para o pobre. Se fossemos nós que estivéssemos ali na beira do rio, pescando com uma rede, com uma tarrafa, nós já estávamos presos, por estar ali retirando um alimento. Não estou defendendo o garimpo, mas se um garimpeiro tivesse ali garimpando para sustentar sua família, ele já estava preso. Agora por que tantos crimes cometidos pelas empresas de mineração e ninguém vai preso? O que está errado na nossa nação? (…) Queremos ter direito de ter direito, direito à saúde, direito à moradia. Nós temos laudos de empresas de renome sobre os danos causados à nossa saúde e quem respeita?”, questionou Simone.  

O padrão da violação de direitos humanos

Crime da Vale-BHP Billiton em Mariana (MG). Foto: Joka Madruga (2015)

Nesse contexto, Fernanda de Oliveira Lages, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e assessora da deputada estadual Beatriz Cerqueira, reforçou que o direito dos atingidos no Brasil é violado há séculos. “As barragens de rejeito no país surgiram das atividades de mineração de ouro há cerca de 300 anos, a primeira foi na Mina da Passagem, em Mariana (MG). Então, seguramente, podemos falar aqui de séculos de atraso para o Brasil conferir às populações atingidas o respeito e a dignidade que merecem. A ausência de um marco legal é injustificável e faz com que a reparação, em regra, não ocorra de forma justa – gerando enormes discrepâncias, em situações análogas de violação de direitos e permitindo com que as empresas exerçam forte influência sobre os territórios, determinando em grande medida quem é atingido, quais danos são reconhecidos e como serão reparados”, afirmou.

Tchenna Maso, do MAB, também declarou que é desafiador pensar uma política nacional dada a heterogeneidade dos sujeitos atingidos. “Podem ser pescadores, ribeirinhos, urbanos, quilombolas, camponeses, indígenas. Pode ser atingido pela perda da renda, pelo alagamento da casa/ou chegada da lama. Esse é precisamente um dos pontos importantes de se debater profundamente esse projeto”.

Já Leandro Scalabrin, membro da mesa diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), ressaltou que existe um padrão vigente de implantação de barragens no Brasil que tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos. “Essa constatação é de uma investigação ampla realizada em todo Brasil nos casos de pequenas centrais, grandes centrais, de projetos de hidrelétricas e estações de captação de água e temos agora um relatório dos desastres causados pelos rompimentos. Essas graves violações ocorrem em grande medida pela uma ausência de um marco legal, que estabeleça o conceito de atingidos, seus direitos, órgão de estado responsável por cuidar dessa temática e fontes de financiamento para essa política de direitos”.

A professora Direito da Universidade Federal do Paraná, Katya Regina Isaguirre, destacou que a  Política Nacional de Atingidos por Barragens deve ser uma política de prevenção, não deve ser pensada apenas como uma política ligada ao critério da reparação do dano socioambiental. “Ao mesmo tempo, essas alterações do PL3729, elas precisam ser debatidas com toda a sociedade, o que não vem acontecendo a contento”, afirmou.

Verônica Medeiros, coordenadora da Assessoria Técnica Associação Estadual de Defesa Social e Ambiental (AEDAS), fez a defesa da PNAB a partir da experiência de trabalho junto às comunidades atingidas por barragens. Segundo ela, a garantia de equipes de assessorias técnicas independentes das empresas, escolhida pelos atingidos é um direito elementar. “As pessoas e comunidades atingidas são os mais vulneráveis nos casos de rompimentos de barragens com danos à saúde, a moradia, perda de trabalho e renda, perdas de vínculos, danos aos modos e seus projetos de vida. E essas pessoas atingidas é que tem pagado a conta dos grandes desastres uma vez que os processos de reparação não acontecem de forma eficientes e célere”.

Em sua participação, Tatiana Ribeiro, professora compartilhou um trecho do livro “Mineração, realidades e resistências”.

“Ao longo do desenvolvimento da oficina os efeitos da mineração sobre as territorialidades, foi identificado que os danos sofridos pelas pessoas e comunidades atingidas pela mineração não estão necessariamente relacionados aos desastres envolvendo essas atividade, pois, desde a realização da sondagem, vale dizer do planejamento, até a instalação e operação o modo de vida é afetado pela especulação econômica, pela presença de pessoas estranhas às comunidades, o que é uma queixa recorrente das pessoas atingidas, pela circulação de maquinário pesado, pelo barulho das explosões e também pelo medo dos desastres envolvendo a mineração”.

“Por essa razão, as comunidades não precisam sequer ser retirado dos seus territórios para que os territórios sejam retirados delas, pois aos poucos vão perdendo seus hábitos, a liberdade de usar as vias públicas e o direito à paisagem a que estão acostumados, tornando-se comunidades atingidas”.

Assista

Assista aqui a audiência.

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