Nota | O desmonte do licenciamento ambiental não interessa ao povo brasileiro
Confira nota oficial do MAB sobre o Projeto de Lei 3.729, aprovado na Câmara dos Deputados. O texto enfraquece os órgãos ambientais do país e a representatividade popular no processo de licenciamento ambiental e pode provocar novas tragédias nas obras de infraestrutura, O projeto segue agora para votação no Senado.
Publicado 24/05/2021 - Atualizado 21/07/2021
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) expressa seu repúdio ao Projeto de Lei 3.729 de 2004, aprovado pela Câmara dos Deputados. Tal projeto significa um verdadeiro desmonte do licenciamento ambiental e oferece grandes riscos para a toda a sociedade, além de agravar as violações de direitos humanos das populações atingidas, retrocedendo aos patamares anteriores ao período democrático.
O conteúdo deste projeto de lei não reflete os verdadeiros problemas do licenciamento ambiental no Brasil e apresenta-se com um dos maiores ataques dos últimos tempos contra os direitos do povo brasileiro e a soberania do país.
O licenciamento ambiental e a avaliação de impactos ambientais são as principais ferramentas da Política Nacional de Meio Ambiente para garantir a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, considerando as atuais e futuras gerações.
Ao invés de fortalecer institucionalmente as autoridades licenciadoras, os mecanismos de participação social e os procedimentos de avaliação e tomada de decisão, o projeto de lei enfraquece o controle do poder público sobre atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e capazes de provocar degradação ambiental.
Historicamente, as principais vítimas da degradação ambiental são as populações mais vulneráveis, como os atingidos por barragens, povos indígenas, quilombolas e tradicionais, camponeses, moradores das periferias urbanas e a população negra. Por outro lado, os resultados de grandes obras que trariam “desenvolvimento” para o povo recorrentemente acabam por acentuar as graves desigualdades já existentes e concentrar ainda mais riqueza nas mãos de poucos.
Existe um enorme passivo social e ambiental provocado pela construção de barragens no Brasil, porém apenas uma pequena parte das violações de direitos humanos teve algum tipo de reparação, e somente por meio de muita luta e organização das atingidas e atingidos. Apesar de suas falhas, o licenciamento ambiental se apresenta como uma das principais ferramentas para a proteção das populações atingidas.
Hoje, essa pequena possibilidade de debater as contradições relacionadas aos projetos de grande escala encontra-se ameaçada pela limitação do conceito de atingido, bem como das possibilidades de responsabilização das empresas pelos danos perpetrados. Já temos exemplos como os crimes em Mariana e Brumadinho, nos quais as empresas seguem impunes e os atingidos seguem desassistidos, e de Belo Monte, no qual não houve reconhecimento e reparação para grande parte das famílias atingidas. Temos certeza de que o retrocesso no licenciamento ambiental tornará ainda maior a dívida social do Estado brasileiro com essas populações.
Esta agenda de destruição do governo federal favorecerá principalmente alguns acionistas de empresas do agronegócio, setor minerário e energético, dentre outros, em sua maioria localizados fora do país. Além de atender a interesses privados de uma pequena fração privilegiada da sociedade, o avanço da tramitação do projeto de lei ocorre de maneira ardilosa e antidemocrática, usando a maior pandemia da história para promover a aprovação de nova legislação sem o devido debate com o povo brasileiro
Trata-se de um projeto repleto de inconstitucionalidades, que implica em um gigantesco retrocesso na garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais e ampara-se na falsa dicotomia entre economia e a proteção do meio ambiente. A fragilização dos ecossistemas, com a redução das florestas e a deterioração dos recursos hídricos, proporciona impactos negativos à regulação climática, à atividade agrícola, à geração de energia, ao fornecimento de água, à saúde, à manutenção de recursos necessários para a vida e as atividades produtivas.
Não encontra fundamento na realidade o dilema entre meio ambiente e economia. O que está posto é a possibilidade de se optar por um modelo que leva às últimas consequências o uso irracional dos recursos naturais, orientado por uma visão individualista da sociedade, ou o usufruto planejado e inteligente da natureza pela coletividade, tendo em vista uma sociedade mais justa e solidária com aqueles que hoje partilham da existência no planeta e com os que ainda estão por vir.
Pelas razões expostas, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) repudia a aprovação do texto-base do PL 3729 de 2004 pela Câmara dos Deputados e chama a todos os trabalhadores e organizações populares a lutarem contra o desmonte do licenciamento ambiental no Brasil.