Apesar de a mudança ser legal, especialistas defendem que pandemia deveria ter sido levada em consideração
Publicado 09/07/2020 - Atualizado 11/07/2020
Desde o último sábado (4), o custo da energia elétrica que chega na casa de 18 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo ficou em média 4,23% mais caro, o que deve impactar as contas dos próximos meses. Isso se deve à autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a distribuidora italiana Enel São Paulo, antiga Eletropaulo, colocar em prática novas tarifas.
De acordo com a Enel São Paulo, o reajuste poderia ser maior, em média de 12,22% se a concessionária não tivesse participado da operação Conta-Covid de socorro ao setor elétrico, desenhada pelos ministérios de Minas e Energia, Economia e pela Aneel. Ainda segundo a empresa, o objetivo do reajuste é “obter o equilíbrio das tarifas com base na remuneração dos investimentos das empresas”, além “cobertura de despesas efetivamente reconhecidas pela Aneel”.
Segundo Wilson Marques de Almeida, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia), o reajuste é esperado anualmente nos aniversários de concessão às empresas distribuidoras. O processo de concessão do setor elétrico da região metropolitana de São Paulo, por exemplo, foi concretizado no dia 4 de julho de 2018. Logo, deve haver reajuste sempre nesta data.
No dia 24 de março, a Aneel até soltou a Norma Regulamentadora 878 estabelecendo uma série de medidas diante da pandemia de covid-19, como a não suspensão do fornecimento de energia no caso de inadimplência do consumidor residencial e o não pagamento dos consumidores inscritos no Cadastro Único e que recebem algum tipo de auxílio do governo. O reajuste tarifário, no entanto, não entrou nos termos da norma regulamentadora.
A norma tinha validade de 90 dias e expirou no dia 24 de junho. No entanto, a agência prorrogou a norma até o dia 31 de julho, mas suprimindo alguns pontos, como a suspensão do corte de energia para inadimplentes.
“Para a Aneel, a situação de relação das empresas com os consumidores voltou à normalidade no dia 24 de junho. Então, a Aneel não teve a sensibilidade de levar em conta que na verdade nós estamos vivendo hoje numa situação mais caótica da pandemia do que nós vivíamos lá em meados de março”, afirma Almeida.
Por ser legal e estar previsto anualmente, não há como recorrer em relação ao reajuste judicialmente ou junto à empresa. “É fruto do processo de privatização, dos contratos de concessão das empresas privatizadas, (…) determinando que o equilíbrio econômico e financeiro da concessionária deve ser mantido”, diz ele.
“Acima de qualquer crise de saúde, qualquer crise, que a gente possa enfrentar, a Aneel privilegia a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro das empresas”, afirma Almeida.
No Rio Grande do Sul, também houve um reajuste tarifário de 5,22%, desde o dia 1º de julho. Grasiele Berticelli, integrante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que tem uma campanha contra o reajuste tarifário no setor elétrico, define a situação como preocupante, levando em consideração que “a gente se encontra em um cenário de crise intensificada pela pandemia”.
“Uma crise que já vem de algum tempo, mas a situação como está posta ela se intensifica e quem mais sofre com isso é o povo, aumento do desemprego, da informalidade, dificuldade para sustentar as próprias famílias para se manterem em meio a esse contexto todo”, diz Berticelli. Em consonância à narrativa de Wilson Almeida, ela também acredita que “falta sensibilidade” dos responsáveis em aprovar e colocar em prática os reajustes.
Para Berticelli, o que torna a situação mais “preocupante” é o fato de o Brasil ter uma das tarifas de energia mais caras do mundo. Uma pesquisa Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), divulgado em setembro de 2018, mostra que a tarifa média brasileira é 127,3% maior que a dos Estados Unidos, 94,9% em relação ao Canadá e 9% superior do que a da Alemanha. Ainda, segundo o ranking de tarifas do Global Petrol Prices de 2019, o Brasil possui a 37ª mais cara do mundo, entre 110 países.
Apesar do reajuste tarifário ser legal, Berticelli afirma que “não é uma regra que tenha que ocorrer, ainda mais levando em consideração que estamos vivendo uma situação atípica, não é comum, nunca passamos por uma situação como estamos passando agora. A situação pede medidas diferenciadas.”
Em nota, a Enel afirma que “todas as distribuidoras de energia do país passam por reajuste anual da tarifa de energia, previsto em contrato de concessão, sendo o reajuste das tarifas da Enel São Paulo sempre nos meses de julho”.
A empresa italiana defende que o reajuste leva em consideração “os custos de compra de energia, impactados pela alta do dólar, a operação do sistema de transmissão, os encargos setoriais e a distribuição da energia elétrica”.
“Cabe esclarecer que, de cada R$ 100 cobrados nas faturas de energia, apenas R$ 17 ficam com a Enel São Paulo para a operação, expansão e manutenção da rede de energia elétrica. O restante se refere a outros itens, como custo com a compra de energia, transmissão, tributos e encargos setoriais”, diz a empresa.
A mesma pesquisa da Fiesc explica que, nesse sentido, o preço da energia aumentou 85,8% entre 2008 e 2017, enquanto a inflação subiu 71,5%. Por outro lado, Berticelli defende que a alta dos preços se dê pelo fato do preço de mercado da energia ser corroborado em cima de energia fóssil, como é internacionalmente.
Consultada pelo Brasil de Fato sobre os temas desta reportagem, a Aneel não respondeu diretamente às perguntas e limitou-se a encaminhar links com “medidas da Agência para proteger os consumidores de energia durante o período da pandemia”.