Desenvolvimento: para quê e para quem?

Modelos de desenvolvimento presentes no Vale do Jequitinhonha e rio Pardo têm influenciado de maneira negativa a qualidade de vida das famílias. A existência de várias barragens que surgem com […]

Modelos de desenvolvimento presentes no Vale do Jequitinhonha e rio Pardo têm influenciado de maneira negativa a qualidade de vida das famílias.

A existência de várias barragens que surgem com a função de assegurar água para a população, são uma realidade distante do que é vivido. Barragens que existem a um longo período como a do Calhauzinho, localizada no município de Araçuaí, e a de Setúbal, em Jenipapo de Minas, resultou em problemas para as famílias, principalmente com a má qualidade da água, que era adequada para o consumo e que hoje não é mais. 

Na cidade de Araçuaí, próximo a barragem do Calhauzinho, a comunidade Córrego do Narciso localizada aproximadamente a 5 km dela sofre com a falta de água em período de estiagem. Famílias são obrigadas a deslocar de suas residências com burros até o local mais próximo do reservatório para buscar água. Quando o reservatório acaba, as famílias recorrem aos órgãos competentes para pedir caminhão pipa. A entrega é realizada dentro de um período de dois meses com a justificativa da amplitude do município. 

Comunidade Quilombola Baú – Água utilizada na comunidade em período de estiagem.
Foto: Nilmar Lages
 

As monoculturas também têm sido apresentadas como um dos grandes fatores na redução de recursos hídricos, principalmente pelos danos no lençol freático. De acordo com Aldair Pereira, do território dos geraizeiros do Vale das Cancelas, município de Grão Mogol, “antigamente tinha muito brejo, na região o povo plantava arroz e tudo mais. Com a escassez hídrica, durante um longo período de estiagem e com a devastação das chapadas e do cerrado pra monocultura do eucalipto, essas nascentes vão secando e assoreando com as terras. Fomos perdendo córregos importantes da nossa região” destacou. 

Adair ainda lembrou da importância dos cuidados que devem ter com o cerrado, que é “berço das águas”. “As chapadas são verdadeiras caixas d’água que mantem as veredas e as nascentes aflorando. Temos que afastar a monocultura da região e realizar a preservação da área” finalizou. 

O distrito de Leliveldia no município de Berilo é uma das localidades mais afetada pela monocultura, e a oferta de emprego para os que ali residem tem diminuído, enquanto a de falta de água tem aumentado. 

Próximo ao distrito está localizado a Hidrelétrica de Irapé, empreendimento grande que não atende a necessidade do povo. As famílias da região sofrem com a falta de água e as que vivem abaixo do curso do rio relatam constantemente a mudança de vida e a forma de produzir, que mudou após a sua construção.

A agricultura familiar de Coronel Murta também têm apresentado dificuldade de produção após a construção da hidrelétrica. O nível do rio Jequitinhonha muda frequentemente e as plantações próximas ao rio são destruídas. Já foram vários acordos de avisos sobre a abertura das comportas da hidrelétrica para os moradores, mas elas não são cumpridas e são frequentemente denunciados pelos agricultores, que perdem tudo na inundação. 

Segundo relatos, a má qualidade da água tem influenciado o desenvolvimento de lavouras, que ao serem irrigadas com a água do rio, perde o fruto ou acabam morrendo. Pescadores que antes tiravam o sustento do rio também não conseguem mais, a quantidade de pescado que existia não é mais a mesma, e a maioria dos peixes estão doentes e com feridas.

A saúde da população também foi afetada. O número de incidência de pessoas com alergias na pele após o contato com a água tem aumentado cada vez. As atividades de lazer no rio diminuíram pelo receio da população e consequentemente, os carnavais que tinham nas margens do rio e eram o principal atrativo para os turistas, acabaram, contribuindo na queda da economia da cidade. 

Coronel Murta, Araçuaí e Itinga sofrem com o aumento do extrativismo das mineradoras. Coronel Murta e Itinga, por exemplo, são cidades com alta extração de granito, e enfrentam problemas respiratórios e de moradia, com o abalo na estrutura das residências próximas à beira de estradas, devido ao tráfego de maquinários pesados e carregados de granito. 

A comunidade Quilombola Baú enfrenta problemas com a água por causa da mineração, que, no período de seca, o único recurso hídrico da comunidade passa a ser utilizado na mineração predatória presente.

Em Araçuaí e em Itinga encontra uma das maiores jazidas de lítio, com estudos e explorações já sendo feitas, mas sem o emprego de mão de obra local, que é uma das cobranças da população. Itinga é uma das comunidades mais afetadas pela falta de emprego e renda, onde a maioria das famílias se alimentam pelo programa Bolsa Família. 

ÁGUA: DIREITO DE TODOS! 

A água tem se tornado cada vez mais um recurso do setor privado. Propostas de debater e normatizar o uso das águas via comitês de bacias têm encontrado pouca ou nenhuma acolhida nas comunidades. 

Assim, delineiam-se situações regional diferentes, onde direitos e garantias mínimas de acesso ao recurso nunca estão assegurados com antecedência. O acesso a água está se tornando tão desigual quanto aquele existente em relação à renda, educação e saúde. 

A ausência do Estado e a presença de empresas negociando recursos hídricos também tornam o acesso, a gestão e a disponibilidade de água uma questão espacialmente diferenciada, pois a regulamentação de conflitos e consumos tende a acontecer com diferenças territoriais. Empresas que fazem o tratamento tem investido menos em locais com menor desenvolvimento socioeconômico, onde famílias são obrigadas a viver com a calamidade proporcionada.

Por todo Vale do Jequitinhonha e rio Pardo uma das empresas que realiza abastecimento, a COPANOR tem investido pouco em sistemas de distribuição e tratamento, levando bairros e cidades a ficar dias ou meses sem abastecimento. Ações de debate e diálogo com o governo tem intensificado e têm servido para fortalecer identidades e valorizar o sentido de pertencer a um território, que inclui sempre o rio e suas bacias geográficas. Mas são as lutas em defesa da soberania popular que motiva a sociedade a lutar pelo acesso e pelo direito a água de qualidade.

SEMIÁRIDO: LUTA E RESISTÊNCIA! 

Foto: Nilmar Lages

O Vale do Jequitinhonha, região com predominância do bioma caatinga e cerrado com traço de mata atlântica, localiza-se na região norte de Minas Gerias e carrega consigo tradição, cultura, crenças, povo forte e lutador e outras várias características que revela o grande Vale. Caracterizado também como “Vale da Miséria” e “Vale da Pobreza”, é lá que o estereótipo imposto ao longo dos anos encarna e materializa muitos dos descasos vividos pelo povo do semiárido.

O rio Pardo é uma bacia hidrográfica que abrange quase 30 municípios, com uma população de cerca de 260 mil pessoas. É o principal afluente do rio Mosquito, localizado na microrregião de Salinas. A região é rica em produção, com grande parte das propriedades utilizada para a pecuária, agricultura e extrativismo cultural. 

Semiárido é um clima que ocupa cerca 12% do território nacional (1,03 milhão de km²) e abrange 1.262 municípios brasileiros, considerando a delimitação atual divulgada em 2017 (resolução 115, de 23 de novembro de 2017, da Sudene). Aproximadamente 27 milhões de brasileiros e brasileiras (12% da população brasileira) vivem nessas regiões, segundo informação divulgada pelo Ministério da Integração Nacional. Um dos dados interessante com relação à população do Semiárido, é que encontram-se nele cerca de 81% das comunidades quilombolas de todo o Brasil.

A maior parte do semiárido situa-se no Nordeste do país e também se estende pela parte setentrional de Minas Gerais (o Norte mineiro e o Vale do Jequitinhonha), ocupando 18% do território do estado, de acordo com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA).

Rio Capivari no período de estiagem – Região de Chapada do Norte.
Foto: Nimar Lages

Essa é uma região com baixa umidade, seguindo de elevadas temperaturas e pouca variação, havendo chuvas irregulares e escassas e um solo pobre em nutrientes. São essas as dificuldades vividas pelo povo que reside nessa terra. Técnicas de convivência são o que fortalece a resistência desse povo com esse clima. Estudos apontam que tecnologias sociais têm contribuindo com a permanência das famílias na região semiárida.

A região é conhecida pelas suas diversas riquezas. Famílias conseguem ter uma renda satisfatória de sua produção. Programas como o Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC e Uma Terra e duas Águas – P1+2 têm contribuído na permanência de várias famílias na zona rural. O P1MC surge com a função de reservar água da chuva do telhado das casas para ser utilizada no período de estiagem, principalmente para o consumo. Já o P1+2 surge com o objetivo de somar com uma produção que contribua na geração de renda. 

Somos um povo de luta e resistência em defesa das águas, dos rios e da vida! 

É no semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo resiste!

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