Carta da Articulação de movimentos do Campo ao governador Rui Costa (BA)
Exmo Sr Governador, Vivemos na Bahia, Estado do Nordeste que brilhou pela votação dada ao modo de governar da esquerda, que se pauta pelo respeito aos direitos e por […]
Publicado 25/09/2019
Exmo Sr Governador,
Vivemos na Bahia, Estado do Nordeste que brilhou pela votação dada ao modo de governar da esquerda, que se pauta pelo respeito aos direitos e por uma sociedade mais justa, com lugar e oportunidade para todos e todas. Perseguidos pelo Governo Federal, temos nos firmado em nosso processo de resistência e de vivência, explicitando que o ódio não é o valor fundamental a ser difundido e construído.
Estamos aqui, lançando mão de instrumentos democráticos de manifestação, na busca de ampliar as oportunidades e espaços para todos os baianos e baianas, especialmente o segmento da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais. Importante salientar que 2019 é o primeiro ano do Decênio da Agricultura Familiar adotado pela ONU, década que terá como objetivo promover em todos os países políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento sustentável de sistemas de produção agrícola baseados em unidades familiares, fornecer orientações para pôr em prática essas políticas, incentivar a participação de organizações de agricultores e despertar a consciência da sociedade civil para a importância de apoiar a agricultura familiar. Considerando que a Bahia é o estado da federação com maior número de agricultores e agricultoras familiares, investir em políticas públicas para a agricultura familiar é essencial para melhorar a qualidade de vida do povo baiano.
É nesta perspectiva, que nós, da Articulação do Campo no Estado da Bahia, nos dirigimos de modo aberto e transparente a Vossa Excelência. Servimo-nos, assim, desta carta aberta para manifestar alguns problemas e questões que avaliamos estratégicas. Temos a certeza de que Vossa Excelência os enfrentará tão logo dos mesmos tome conhecimento.
I O Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRS não se reúne há mais de sete meses. Este Conselho é vital para traçar os rumos do Desenvolvimento Rural Sustentável no Estado e das políticas da agricultura familiar está paralisado. Por quê? Não queremos acreditar que seja o seguimento das decisões e orientações federais, antidemocráticas, que fecha e inviabiliza os Conselhos.
II O Governo da Bahia e muitas organizações da sociedade civil organizada se dedicaram na gestão anterior de seu Governo, a construir uma Política Estadual de Agroecologia. Elaborou-se em comum uma minuta do projeto lei. Pelo que sabemos, esta proposta se encontra pronta na Casa Civil, mas nunca foi enviada à Assembleia Legislativa. Por quê? Como caminharemos para a alimentação saudável sem a Agroecologia?
III O Fórum da Política de Convivência com Semiárido foi instalado solenemente em 2018, gerando expectativas e esperanças de que a política de convivência se transformaria em realidade. Fez-se um profundo e participativo delineamento das linhas e estratégias da política e, na sequência, tudo entrou no esquecimento. Por quê? Um Estado que possui a maioria esmagadora dos seus municípios no semiárido não está convencido do significado desta política?
IV O Estado, especialmente a SDR e a BAHIATER, amparados na Lei Estadual 13.272/2011 que institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar, devem um passivo aproximado de 8 Milhões de Reais às organizações sociais que estão executando assistência técnica para agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais, decorrentes de serviços prestados em contratos assinados, As organizações se debatem para buscar como pagar seu pessoal, os agricultores e agricultoras cobram a continuidade dos serviços. Os resultados são bons e evidentes. O processo de assistência técnica aos agricultores e agricultoras familiares como uma obrigação do Estado, não pode entrar em colapso. Estamos cansados de percorrer os caminhos entre o Gabinete do Secretário da SDR, a Bahiater, a Secretaria da Fazenda, em vão. Continuamos com poucas respostas, e as que temos são insuficientes.
V- Foram realizados dois Seminários na Assembleia Legislativa, em junho e agosto do presente ano, com a presença de mais de 360 agricultores e agricultoras familiares em cada evento, onde foram debatidas políticas para agricultura familiar e agroecologia e se pode avaliar os resultados das políticas de ATER para a agricultura familiar. Em ambos os eventos, contamos com a presença de muitos parlamentares, organizações da sociedade civil e secretarias de governo. A grande ausência foi do Secretário da SDR, que não foi debater conosco os rumos da assistência técnica para agricultura familiar na Bahia.
VI No ano de 2018, foi lançada uma Chamada Pública de assistência técnica e extensão rural, sendo uma com foco na Agroecologia e a outra específica para Mulheres, uma atitude avançada e significativa do nosso Estado. O anúncio foi realizado em Evento e Solenidade presidida por Vossa Excelência. Os trâmites burocráticos foram feitos, as organizações vencedoras foram contratadas em abril de 2019, mas nunca se conseguiu formalizar a ordem de serviço, porque, segundo informações, está na dependência de concessões da Secretaria da Fazenda. Vamos celebrar um ano do anúncio e nada aconteceu de concreto.
VII A situação do acesso à agua em Correntina e no Oeste se torna cada dia pior. Correntina foi centro de conflitos duros na busca de se garantir que todos, especialmente os mais pobres, a cidade e as pequenas propriedades de agricultores e agricultoras não fossem excluídas deste bem vital. Não sabemos de nenhuma solução definitiva sobre a questão. O Governo não se pronuncia. Enquanto isso, somos brindados, quase a cada semana, com mais uma concessão de desmatamento do cerrado, pelo INEMA. Destruindo o cerrado sistematicamente, sem cuidar e democratizar à água, como sustentamos a vida?
VIII – Após o rompimento da barragem do Quati, que ocorreu no dia 11 de julho no município de Pedro Alexandre, o tema da insegurança das barragens voltou ao centro do debate no estado. Mais de 2 mil pessoas ficaram desalojadas, em Coronel João Sá, e poucas medidas foram apresentadas às famílias atingidas. Urge a aprovação de leis mais rígidas que garantam a segurança das comunidades atingidas e o direito das famílias à reestruturação de suas vidas. Diante desse cenário a aprovação da Política Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PEAB) é fundamental para se fazer justiça no campo.
IX É vital para a Agricultura Familiar a comercialização de seus produtos. Vossa Excelência, pessoalmente, tem manifestado afeto e interesse pelo tema. No entanto, desde o Governo Wagner nos debatemos solicitando do Governo uma legislação adequada aos agricultores e agricultoras familiares, sem com isso fugir das questões sanitárias. As portas se abrem para conversar, mas não para resolver. E a agricultura familiar segue sem ter condições de agregar valor aos seus produtos. Eles, no entanto, não querem apenas ser produtores e entregadores de produtos in natura. Esse e outros fenômenos tem repercussão na questão da alimentação escolar. Precisamos dinamizar a dimensão da entrega de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, uma vez que atualmente as escolas estaduais não chegam nem a cumprir o percentual mínimo garantido na Lei nº 11.947, de 16/6/2009, garantindo que 30% do valor repassado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE seja para aquisição de produtos da agricultura familiar.
Estas questões, senhor Governador, atingem pessoas, famílias, comunidades com quem atuamos no dia a dia, muitas delas sem voz e sem oportunidade de chegar ao centro do Governo. Colocá-las aqui é um ato de cidadania e de colaboração para que a Bahia caminhe cada vez mais a passos largos para o exercício da democracia plena.
É nossa expectativa receber uma resposta de Vossa Excelência.
Articulação do Campo é composta por:
ASA Bahia Articulação no Semiárido
AABA Articulação de Agroecologia na Bahia
Fórum Baiano da Agricultura Familiar
REFAISA – Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens