Carta da Articulação de Movimentos do Campo ao governador Rui Costa (BA)
Em carta, organizações destacam importância da agricultura familiar para o estado e cobram ações do governo
Publicado 25/09/2019 - Atualizado 20/03/2025

Exmo Sr Governador,
Vivemos na Bahia, Estado do Nordeste que brilhou pela votação dada ao modo de governar da esquerda, que se pauta pelo respeito aos direitos e por uma sociedade mais justa, com lugar e oportunidade para todos e todas. Perseguidos pelo Governo Federal, temos nos firmado em nosso processo de resistência e de vivência, explicitando que o ódio não é o valor fundamental a ser difundido e construído.
Estamos aqui, lançando mão de instrumentos democráticos de manifestação, na busca de ampliar as oportunidades e espaços para todos os baianos e baianas, especialmente o segmento da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais. Importante salientar que 2019 é o primeiro ano do Decênio da Agricultura Familiar adotado pela ONU, década que terá como objetivo promover em todos os países políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento sustentável de sistemas de produção agrícola baseados em unidades familiares, fornecer orientações para pôr em prática essas políticas, incentivar a participação de organizações de agricultores e despertar a consciência da sociedade civil para a importância de apoiar a agricultura familiar. Considerando que a Bahia é o estado da federação com maior número de agricultores e agricultoras familiares, investir em políticas públicas para a agricultura familiar é essencial para melhorar a qualidade de vida do povo baiano.
É nesta perspectiva, que nós, da Articulação do Campo no Estado da Bahia, nos dirigimos de modo aberto e transparente a Vossa Excelência. Servimo-nos, assim, desta carta aberta para manifestar alguns problemas e questões que avaliamos estratégicas. Temos a certeza de que Vossa Excelência os enfrentará tão logo dos mesmos tome conhecimento.
I – O Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRS não se reúne há mais de sete meses. Este Conselho é vital para traçar os rumos do Desenvolvimento Rural Sustentável no Estado e das políticas da agricultura familiar está paralisado. Por quê? Não queremos acreditar que seja o seguimento das decisões e orientações federais, antidemocráticas, que fecha e inviabiliza os Conselhos.
II – O Governo da Bahia e muitas organizações da sociedade civil organizada se dedicaram na gestão anterior de seu Governo, a construir uma Política Estadual de Agroecologia. Elaborou-se em comum uma minuta do projeto lei. Pelo que sabemos, esta proposta se encontra pronta na Casa Civil, mas nunca foi enviada à Assembleia Legislativa. Por quê? Como caminharemos para a alimentação saudável sem a Agroecologia?
III – O Fórum da Política de Convivência com Semiárido foi instalado solenemente em 2018, gerando expectativas e esperanças de que a política de convivência se transformaria em realidade. Fez-se um profundo e participativo delineamento das linhas e estratégias da política e, na sequência, tudo entrou no esquecimento. Por quê? Um Estado que possui a maioria esmagadora dos seus municípios no semiárido não está convencido do significado desta política?
IV – O Estado, especialmente a SDR e a BAHIATER, amparados na Lei Estadual 13.272/2011 que institui a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar, devem um passivo aproximado de 8 Milhões de Reais às organizações sociais que estão executando assistência técnica para agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais, decorrentes de serviços prestados em contratos assinados, As organizações se debatem para buscar como pagar seu pessoal, os agricultores e agricultoras cobram a continuidade dos serviços. Os resultados são bons e evidentes. O processo de assistência técnica aos agricultores e agricultoras familiares como uma obrigação do Estado, não pode entrar em colapso. Estamos cansados de percorrer os caminhos entre o Gabinete do Secretário da SDR, a Bahiater, a Secretaria da Fazenda, em vão. Continuamos com poucas respostas, e as que temos são insuficientes.
V – Foram realizados dois Seminários na Assembleia Legislativa, em junho e agosto do presente ano, com a presença de mais de 360 agricultores e agricultoras familiares em cada evento, onde foram debatidas políticas para agricultura familiar e agroecologia e se pode avaliar os resultados das políticas de ATER para a agricultura familiar. Em ambos os eventos, contamos com a presença de muitos parlamentares, organizações da sociedade civil e secretarias de governo. A grande ausência foi do Secretário da SDR, que não foi debater conosco os rumos da assistência técnica para agricultura familiar na Bahia.
VI – No ano de 2018, foi lançada uma Chamada Pública de assistência técnica e extensão rural, sendo uma com foco na Agroecologia e a outra específica para Mulheres, uma atitude avançada e significativa do nosso Estado. O anúncio foi realizado em Evento e Solenidade presidida por Vossa Excelência. Os trâmites burocráticos foram feitos, as organizações vencedoras foram contratadas em abril de 2019, mas nunca se conseguiu formalizar a ordem de serviço, porque, segundo informações, está na dependência de concessões da Secretaria da Fazenda. Vamos celebrar um ano do anúncio e nada aconteceu de concreto.
VII – A situação do acesso à agua em Correntina e no Oeste se torna cada dia pior. Correntina foi centro de conflitos duros na busca de se garantir que todos, especialmente os mais pobres, a cidade e as pequenas propriedades de agricultores e agricultoras não fossem excluídas deste bem vital. Não sabemos de nenhuma solução definitiva sobre a questão. O Governo não se pronuncia. Enquanto isso, somos brindados, quase a cada semana, com mais uma concessão de desmatamento do cerrado, pelo INEMA. Destruindo o cerrado sistematicamente, sem cuidar e democratizar à água, como sustentamos a vida?
VIII – Após o rompimento da barragem do Quati, que ocorreu no dia 11 de julho no município de Pedro Alexandre, o tema da insegurança das barragens voltou ao centro do debate no estado. Mais de 2 mil pessoas ficaram desalojadas, em Coronel João Sá, e poucas medidas foram apresentadas às famílias atingidas. Urge a aprovação de leis mais rígidas que garantam a segurança das comunidades atingidas e o direito das famílias à reestruturação de suas vidas. Diante desse cenário a aprovação da Política Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PEAB) é fundamental para se fazer justiça no campo.
IX – É vital para a Agricultura Familiar a comercialização de seus produtos. Vossa Excelência, pessoalmente, tem manifestado afeto e interesse pelo tema. No entanto, desde o Governo Wagner nos debatemos solicitando do Governo uma legislação adequada aos agricultores e agricultoras familiares, sem com isso fugir das questões sanitárias. As portas se abrem para conversar, mas não para resolver. E a agricultura familiar segue sem ter condições de agregar valor aos seus produtos. Eles, no entanto, não querem apenas ser produtores e entregadores de produtos “in natura”. Esse e outros fenômenos tem repercussão na questão da alimentação escolar. Precisamos dinamizar a dimensão da entrega de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, uma vez que atualmente as escolas estaduais não chegam nem a cumprir o percentual mínimo garantido na Lei nº 11.947, de 16/6/2009, garantindo que 30% do valor repassado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE seja para aquisição de produtos da agricultura familiar.
Estas questões, senhor Governador, atingem pessoas, famílias, comunidades com quem atuamos no dia a dia, muitas delas sem voz e sem oportunidade de chegar ao centro do Governo. Colocá-las aqui é um ato de cidadania e de colaboração para que a Bahia caminhe cada vez mais a passos largos para o exercício da democracia plena.
É nossa expectativa receber uma resposta de Vossa Excelência.
Articulação do Campo é composta por:
ASA Bahia – Articulação no Semiárido
AABA – Articulação de Agroecologia na Bahia
Fórum Baiano da Agricultura Familiar
REFAISA – Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
