Em São Paulo, entidades lançam Fórum Alternativo Mundial da Água

Foi lançado na manhã desta segunda-feira (25), na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), evento que se contrapõe ao Fórum […]

Foi lançado na manhã desta segunda-feira (25), na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), evento que se contrapõe ao Fórum Mundial da Água, promovido pelos grandes grupos econômicos que tentam dominar este recurso dos povos para obter lucros


Na manhã desta segunda-feira (25), na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), diversas organizações participaram do lançamento do Fórum Alternativo da Água (FAMA).

O FAMA reunirá, entre os dias 16, 17 e 18 de março de 2018, em Brasília, integrantes de entidades nacionais e internacionais que lutam em defesa da água como direito elementar à vida. A iniciativa surgiu como uma alternativa popular ao Fórum Mundial da Água, que será realizado também na capital Federal, entre 18 e 23 de março de 2018, reunindo grandes grupos econômicos que visam discutir a privatização e o acesso das multinacionais a esse recurso.

Na mesa de abertura, estava presente o professor Rodrigo de Freitas Espinoza, autor de uma tese de doutorado sobre o tema. “É muito importante que o FAMA traga a ideia de que a água é um espaço político, de interesse de todos, e não um espaço técnico neutro”, opinou. 

Segundo o pesquisador, o discurso hegemônico não é sinônimo de um discurso neutro. “É um intento de colocar os outros saberes num lugar marginal e colocar os interesses deles no lugar do neutro. Por isso é necessário politizar a água e trazer os distintos atores para esse debate”, avaliou.

Sobre a privatização deste recurso, o professor apontou as consequências das privatizações no setor. ”Se endentemos o setor privado como aquele que vai trazer soluções estamos em dificuldades, porque isso não tem acontecido em lugar nenhum do mundo, até porque os grandes problemas do aceso à água são geralmente em regiões onde as grandes empresas não tem interesse”, explicou.

Também esteve presente na mesa Leo Heller, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) em Direito Humano à Agua e Saneamento. Segundo Heller, “o recado é que modelos de gestão que tem como orientação maximizar lucros são modelos que podem violar os direitos humanos. Geram exclusão, e ampliação de desigualdades”.

Para o relator, “quando a água é tratada como mercadoria, pessoas que não têm capacidade de pagar ficam excluídas, e se deixam de lado direitos fundamentais das populações”. Heller acrescentou ainda que “tratar a água como mercadoria é também desconhecer os direitos das mulheres e das populações indígenas”.

Mulheres, água e energia

“Nós, mulheres, somos como os rios, quando nos encontramos, crescemos”, disse na mesa Rachel Moreno, da Rede Mulher e Mídia e militante da Marcha Mundial das Mulheres. Na sequência, leu a carta das Mulheres do FAMA: “Dentro deste modelo de sociedade capitalista, racista e patriarcal, somos nós, mulheres, as mais atingidas e impactadas pela falta de acesso à água e ao esgotamento sanitário. Direitos que são negados pela lógica da mercantilização e pela omissão dos poderes públicos”. A carta coloca um exemplo: segundo a ONU, o tempo que mulheres e meninas em todo o mundo gastam para coletar água chega a 200 milhões de horas/dia.

A carta ainda aponta os desafios para as mulheres neste momento histórico. “Estamos vivendo um retrocesso democrático, de retirada de direitos sociais historicamente conquistados através da luta, de avanço acelerado de projetos neoliberais e aprovação de leis conservadoras que precarizam o trabalho, não respeitam a laicidade do Estado, destroem o território e meio ambiente, e ameaçam a soberania nacional e dos povos. Frente a isso, não temos dúvidas de que novamente as mais prejudicadas serão as mulheres”.

Por isso, as mulheres do FAMA chamam a estimular de forma coletiva o protagonismo feminino, criando as condições para sua efetiva participação em todos os espaços de decisão política e do processo de organização e de luta, também em mais este front de luta pelo direito à água.

De acordo com Liciane Andrioli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), as privatizações da Eletrobras anunciada por Michel Temer representa a perda de soberania sobre as águas. “Vender as hidrelétricas e tudo o que representa o sistema Eletrobras significa entregar nossas águas a empresas multinacionais, abrir mão de um recurso que pertence ao povo brasileiro”.

Quem não luta, morre

Eduardo Cardoso, da Central de Movimentos Populares (CMP), falou em nome dos movimentos populares brasileiros. “Somos contra qualquer tipo de privatização, porque a privatização gera precariedade e atinge principalmente o povo empobrecido. A privatização da Eletrobras, além de impactar na qualidade do serviço e nos preços da tarifa, irá tirar a autonomia dos povos sobre os rios e sobre as águas. A água é um direito de todos os povos e da mãe natureza e, por isso, estaremos em luta contra qualquer ataque”.

Luiz Cláudio Mandela, em representação das comunidades eclesiásticas de base, organizadas no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, disse que “numa perspectiva teológica, a água é vida. E como tal, é sagrada. Não pode ser contaminada, nem mercantilizada. Ela não pode ser colocada acima de qualquer outro bem ou direito”.

Segundo ele, “a luta é grande, já que o debate de fundo é que as corporações querem dar uma cartada central, em um momento de virada no sistema capitalista, que está em crise. O direito à água pode decidir o futuro da humanidade. Se está na mão das grandes empresas, dos oligopólios, das nações do norte, esse direito negado à água vai colocar em risco a vida das populações”.

Renato Di Nicola, do Fórum Italiano da Água, ressaltou a importância deste tipo de fóruns alternativos. “Se nós não tivéssemos nos organizado contra os fóruns oficiais, em geral a população nem saberia o que estava acontecendo, nem que um grupo de multinacionais convoca professores universitários que apresentam como neutros, e cada três anos convoca ao poder público para falar sobre água. Lá discutem, decidem, e aconselham os governos de como privatizar a água. Nossa grande luta é contra a mentira, e o falso neutralismo de quem detém o poder. Nossa tarefa é quitar sua máscara e lutar pela preservação da natureza, sem ela não somos nada”.

Bordando a resistência

No marco do lançamento do FAMA, foi inaugurada no hall da FESPSP uma nova exposição de arpilleras, que conta com bordados que abordam principalmente temas como violação de direitos humanos, violência contra a mulher e falta de acesso a necessidades básicas depois da chegada de grandes barragens.

“Arpillera” é uma técnica de bordado que ficou mundialmente conhecida durante a ditadura militar chilena (1973-1990). A partir de 2013, o MAB resgatou a técnica em oficinas com mulheres impactadas por barragens, tendo realizado desde então mais de 200 oficinas em diversas regiões do Brasil. A experiência foi recolhida em um filme (Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência) que está sendo lançado em diversos estados brasileiros desde este mês de setembro.

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