Mulheres atingidas estão na linha de frente na denúncia dos crimes da Vale; leia depoimentos

Depoimentos de mulheres atingidas mostram consequências do crime da Vale em Brumadinho, dois anos após rompimento da barragem

O rompimento da barragem da Vale ceifou 272 vidas e mudou profundamente o cotidiano dos moradores e moradoras que vivem às margens do Rio Paraopeba, que já não podem mais pescar e perderam seu local de lazer e iram suas fontes de renda minguarem da noite para o dia.

Diante do futuro incerto, convivem com o aumento expressivo de problemas psicológicos (depressão e ansiedade) e de doenças físicas (respiratórias e de pele). 

Frente à piora das condições de vida do povo, as mulheres têm se destacado na linha de frente da luta por direitos e na denúncia dos crimes cometidos pela mineradora Vale.

Crédito: Nívea Magno / Mídia Ninja

São as mulheres as principais lideranças comunitárias em suas comunidades, dispostas a lutar com ousadia e coragem por dias melhores. 

O desastre impactou a autonomia econômica das mulheres que atuavam como pescadoras e agricultoras, por exemplo, e aumentou a quantidade de trabalho que elas fazem dentro de suas casas.

Com o orçamento apertado em função da perda de renda, ainda precisam fazer malabarismos para conseguir lidar com o aumento do custo de vida devido à compra de água mineral, remédios, entre outros.  

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vai contar a história de duas atingidas que relatam os principais problemas que vivenciam e o significado da luta coletiva para a conquista da reparação integral. 

Carolina, de São Joaquim de Bicas

Desde o rompimento da barragem da Vale, apenas água com excesso de cloro sai das torneiras da casa das pessoas atingidas que residem nos municípios da Bacia do Paraopeba.

“Como coloco uma água dessa para meu filho comer e beber?”, questiona a atingida Carolina Natasha Ribeiro, de 25 anos, moradora de São Joaquim de Bicas.

“Antes da barragem estourar a gente não via a água assim. Porque eles estão tratando com mais produto? É porque tem alguma coisa na água”, contou Carolina, escancarando o receio generalizado entre a população dos riscos de contaminação.

A história de Carolina é semelhante a de outras mulheres que viram seu trabalho dobrar após o desastre da Vale em Brumadinho que contaminou com rejeitos tóxicos e devastou a bacia.  “A Vale deveria pagar pelo crime porque ela sabia de tudo. Infelizmente”. 

Sua casa fica a pouco mais de 100 metros da beira do Rio Paraopeba, apenas separada por uma estrada. Nessa estrada há um vaivém de caminhões das obras de reparação que levantam a poeira contaminada que invade as casas das famílias atingidas. “A gente vem sofrendo com a poeira. Posso limpar a casa agora e 30 minutos depois ela já estará suja novamente. A Vale poderia colocar capota nos caminhões e não coloca. Isso está nos prejudicando muito”.

Além da sujeira, Carolina aponta que a poeira está danificando a saúde de toda família. Crises asmáticas passaram a acontecer e já não fica um dia sequer sem fazer uso das bombinhas de corticóide que, se usadas em excesso, podem trazer ainda mais prejuízos à saúde.

“De um ano para cá, a asma piorou muito”, conta. Seu irmão está com rinite alérgica e sua mãe tem desenvolvido alergias. Todas essas doenças respiratórias têm impactado o custo de vida de sua família para garantir a compra de medicamentos. 

Ela também conta que sua atividade financeira foi prejudicada já que a poeira levantada pelos caminhões acaba espantando a clientela. “Toda hora tem que ficar limpando o salão. Antigamente o fluxo de cliente era maior e encontrava tudo limpinho. Hoje, por mais que a gente limpe, está sempre cheio de poeira”, lamenta. E isso também tem aumentado o custo de vida com produtos de limpeza e água. Os pais de Carolina também perderam fonte de renda alternativa com a venda de lanches para pescadores que já não podem mais fazer uso do Rio Paraopeba.

Diante de tantos problemas, Carolina e outras mulheres têm encontrado no Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) um espaço para discutir os problemas e lutar pelos direitos das pessoas atingidas.

“Só as mulheres sabem o trabalho para manter a casa limpa e organizada e depois de tudo que aconteceu no rompimento estamos tendo o trabalho dobrado. Estamos sobrecarregadas. Mas, estamos indo pra frente para lutar, conquistar os nossos direitos e para sermos respeitadas. Vamos até o final, se Deus permitir!”.

Lucimar, de Betim

A agente de limpeza Lucimar Veloso, de 45 anos, não deu muita atenção às primeiras notícias sobre o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foi quando viu o desespero da vizinhança que começou a sair de casa só com a roupa do corpo e os documentos, com medo da lama invadir as casas, percebeu a gravidade da tragédia na Bacia do Paraopeba. Moradora da Colônia Santa Isabel, em Betim, Lucimar mora há 150 metros da beira do rio e divide o lar com a mãe de 74 anos e o filho. 

Ela recorda com detalhes do dia 25 de janeiro de 2019 e revive cada instante traumático do dia que ecoa consequências negativas até hoje para milhares de atingidos e atingidas.

“Fiquei de casa em casa ajudando as pessoas, ficamos um mês com muito stress, muita angústia. A saúde mental das pessoas ficou muito abalada, até hoje não recuperou”, conta.

As famílias foram privadas do lazer no rio e são inúmeros os relatos de aumento de doenças físicas e mentais das crianças, jovens e idosos.

Segundo Lucimar, a sobrecarga de trabalho depois do rompimento recaiu sobre os ombros das mulheres, principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados, ainda mais em uma situação de desestruturação de todo o ambiente econômico.

“A renda que os homens tinham de plantar e pescar hoje já não existe mais. Então a mulher teve que sair para trabalhar fora e se virar para ajudar o marido a sustentar a casa. Estamos muito sobrecarregadas”, relatou. Além do trabalho diário, as mulheres atingidas estão tendo que lidar com os filhos que perderam o lazer no rio e estão sem ir à escola por causa da pandemia.

Hoje Lucimar atua, ao lado de muitas outras mulheres, pela reparação integral dos danos provocados pela mineradora. São as mulheres que estão na linha de frente, denunciando como a vida do povo piorou e que até hoje não há uma resposta consistente da Vale.

Ela conta que a chegada do Movimentos dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB) nos municípios prejudicados pelo rompimento da barragem da Vale foi crucial para a discussão dos temas importantes para a luta da população atingida. 

“Quando o MAB chegou ajudou muito. Hoje a mulher tomou a posição de defender os direitos tanto quanto atingida como mãe de família. A gente melhora quando acredita que as coisas podem ser mudadas. Leva tempo, dá trabalho, mas a gente tem que fazer o que é correto e justo”, finalizou.

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