Brumadinho, 6 meses depois: no meio da lama, a luta resiste

Com experiência acumulada no trato com a Vale em Mariana (MG), atingidos identificam estratégia da empresa para negar reparação e, por meio da força da coletividade, conquistam direitos no primeiro […]

Com experiência acumulada no trato com a Vale em Mariana (MG), atingidos identificam estratégia da empresa para negar reparação e, por meio da força da coletividade, conquistam direitos no primeiro momento após o crime em Brumadinho



Foto: Lucas Hallel

No dia 25 de janeiro deste ano, o Brasil assistiu assustado às imagens do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão – uma gigantesca área de lama se espalhando onde antes havia verde, um rio e mais de duas centenas de pessoas.

De imediato, a reação com as notícias que chegavam de Brumadinho trazia sentimentos de comoção pública traduzidos em perguntas como “de novo?”, “e agora?”, além da evidente revolta pela falta de responsabilidade de uma empresa que colocou o lucro acima de mais uma cidade inteira, acima de mais uma bacia hidrográfica, acima de vidas humanas. Para os atingidos por barragens de outras regiões do país, além da intensa solidariedade, Brumadinho acendeu um alerta: “nós estamos seguros?”

Seis meses depois, o município de Brumadinho ainda convive com dor e sofrimento. Mas convive também com um processo intenso de luta por reparação, direitos e justiça. Por ser o segundo rompimento de barragem de rejeitos da Vale em um curto espaço de tempo – em Mariana, o crime foi há quase quatro anos – o espaço de negociação em Brumadinho trouxe seus atores em patamares mais avançados sobre o assunto: em especial, os atingidos. Com a experiência no trato com a Vale em Mariana, foi possível identificar com mais clareza as armadilhas da empresa, que tentou agir de forma predatória também em Brumadinho.  

“Desde o primeiro momento do processo, a Vale tem um esforço de controlar o território, controlar os atingidos, as instituições, o ritmo das reparações, quem quer reparar e quem não quer reparar, a forma de reparação; tentando sempre individualizar, especificar e isolar, não se responsabilizando pela reconstrução da vida dos atingidos.” afirma Pablo Dias, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Foto: Joka Madruga

Desarmando armadilhas

Para o coordenador do MAB que atua em Minas Gerais, ter garantido a participação direta dos atingidos no processo de negociação, principalmente nas audiências judiciais, foi essencial para que a Vale não desenvolvesse sua estratégia e submetesse o conjunto das instituições na “enrolação” dos atingidos, como fez no crime do crime do Rio Doce, destaca Dias.

Logo após o rompimento, a empresa tentou colocar profissionais selecionados pela própria Vale para prestar atendimentos médicos e psicológicos – o que foi rejeitado pelo conjunto dos atingidos pelo constrangimento causado; o que ocorreu foi que houve repasse de verba, mas os profissionais eram independentes, além de mutirões de médicos do SUS que foram deslocados para a região.

O afastamento da Vale dos trabalhos essenciais para a reparação se deu em outros pontos importantes, como é o caso do cadastramento dos atingidos. Em Brumadinho, não foi a Vale que determinou quem foi e quem não foi atingido pelo crime. Neste sentido, o fato de não ter sido criada uma Fundação de gerenciamento, como existe a Renova em Mariana, foi central para desmontar a estratégia de blindar a empresa e postergar a responsabilidade sobre os direitos dos atingidos.

Além de conseguir afastar a Vale do território, a garantia das Assessorias Técnicas é considerada um avanço para o MAB, pois agora é possível coletar informações mais completas e ter estudos detalhados dos impactos, sem interferência da empresa no processo.

Além da destruição ambiental e das perdas humanas, a Vale desestruturou toda a economia local. Por conta disso, a justiça entendeu a necessidade de acordar sobre o auxílio financeiro emergencial – que está caracterizado por um salário mínimo por adulto, meio para adolescentes (12 a 17 anos) e um quarto para crianças, no período de um ano. Tem direito ao auxílio todos os moradores de Brumadinho, além dos habitantes no raio de um quilômetro da margem do Rio Paraopeba até a cidade de Pompeu, na represa do Retiro Baixo.

O pagamento do auxílio nestes termos representa uma conquista frente ao conceito mais amplo sobre os atingidos por barragens – que não são apenas aqueles que estão na zona quente nas proximidades da barragem, mas sim todos os que são verdadeiramente afetados, sofrendo impactos diretos e indiretos do crime.

Também já foi fechado um acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho para tratar das indenizações dos trabalhadores mortos no rompimento.

Apesar deste cenário mais concreto com relação aos passos para a reparação, a Vale continua atuando para acelerar indenizações individuais e fechar acordos que passem longe de definição coletiva de parâmetros. “Quanto mais agoniados e endividados ao longo do tempo, mais fácil fica para empresa assediar atingidos”, comenta o coordenador do MAB, Pablo Dias.

 

Foto: Joka Madruga

O MAB pós Brumadinho

Após o crime, as primeiras ações do Movimento dos Atingidos por Barragens na região foram no sentido de interlocução e atendimento humanitário aos atingidos. “Nosso esforço é para tentar garantir que as famílias tenham uma condição um pouco melhor diante de uma situação tão devastadora na vida delas”, explica Dias. Assim, cerca de 60 militantes do MAB, de diferentes estados, estiveram presentes na brigada de solidariedade à Brumadinho, logo após o rompimento da barragem.

Os primeiros trabalhos foram para assegurar questões emergenciais com relação à moradia, alimentação e na qualidade das informações que chegavam dos Bombeiros e Defesa Civil. O MAB também acolhia as demandas das famílias para encaminha-las junto às instituições.

Para lutar por seus direitos, os atingidos se organizaram em comissões – com pessoas de referência de cada comunidade – o que potencializou a participação na conquista dos primeiros itens da reparação. “Por mais que estivessem abalados, era importante que os atingidos participassem do processo de negociação para evitar que fosse construído um acordo por cima deles”, pondera o militante do MAB.

Durante os seis meses, a cada quinze dias, são organizadas audiências sobre o tema com a presença de representantes da Vale e do Ministério Público. Mesmo sem poder de fala neste espaço, os atingidos, por meio das comissões, assistem o que é debatido no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e levam as informações para as comunidades; nas ocasiões de audiências, sempre há mobilização com atos que chegam a juntar cerca de 300 atingidos na porta do TJMG. Atualmente, o MAB já atua junto aos atingidos de 15 municípios ao longo da bacia do Rio Paraopeba.  

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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