Agroecologia como resistência no Oeste da Bahia: mulheres atingidas lideram intercâmbio de saberes

Em meio à expansão do agronegócio e ao ‘sequestro’ das águas, iniciativa do MAB e ISPN empodera mulheres com práticas alternativas e formação política para a defesa do Cerrado

As mulheres exploram a diversidade da agrofloresta no Sítio Primavera, buscando inspiração para suas comunidades. Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Mulheres atingidas do Oeste da Bahia participaram de um intercâmbio no Sítio Primavera, em Correntina (BA), no último domingo (27), para conhecer a experiência agroflorestal local. A iniciativa integra o projeto “Mulheres Atingidas por Barragens Construindo Autonomia Econômica e Política em Defesa das Comunidades”, realizado em parceria com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), e promoveu a troca de conhecimentos sobre tecnologias de cultivo e práticas agroecológicas entre as participantes.

Situada no coração do Cerrado, a comunidade de Pedrinhas, onde Bernardino Barbosa desenvolveu a experiência agroflorestal, demonstra a diversidade de plantios como um contraponto necessário às monoculturas do agronegócio.

“Eles dizem que no Cerrado só se produz com veneno, e a experiência (da agrofloresta) mostra que isso não é verdade”, ressalta Gorete Neiva, que tem acompanhado a execução do projeto junto às mulheres.

A agrofloresta é um sistema de uso da terra que integra o cultivo de diversas espécies de árvores, frutíferas e nativas, com culturas agrícolas e, por vezes, a criação de animais, em um mesmo espaço. Essa integração procura otimizar o aproveitamento dos bens naturais, como o solo, a água e a luz solar, promovendo a troca de nutrientes, a preservação da biodiversidade, a melhoria da estrutura do solo e a maior resiliência do sistema a eventos climáticos adversos. Além disso, a agrofloresta também possibilita múltiplas fontes de renda e contribui na segurança alimentar da família produtora.

Durante a visita, foi possível observar na prática a diversidade que esta técnica possibilita. Entre as bananeiras, abacaxis e abacateiros, o plantio de mandioca, cacau, mucuna, café, baunilha, milho, girassol – entre outros – floresce.

Ao ser questionado sobre os custos para manter a experiência de pé, Bernardino conta que “o gasto maior é o conhecimento”, que apesar da quantidade de tempo dedicado ao cuidado dos plantios, as técnicas empregadas são o que mais demandam. Ao final da visita, as atingidas fizeram a mesma reflexão. Para Dona Maria Neiva, da comunidade de Silvânia, em Correntina, é necessário coragem para persistir na técnica: “é uma experiência muito boa, muito rica, que exige muita disposição, coragem e conhecimento. Muitas coisas que eu não sabia, aprendi aqui, e vou levar pra lá pra minha comunidade”.

O projeto em parceria com o ISPN visa fortalecer a produção agroecológica de mulheres que já cultivam em suas casas, promovendo sua autonomia e permitindo que se dediquem à formação política. Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), impulsionador do projeto, essa capacitação é fundamental para a defesa dos territórios que vivem constantemente sob ameaça de grandes projetos nos setores energético e do agronegócio.

“Esse trabalho do Sítio Primavera nos ajuda muito a entender que a gente deve viver em comunhão com a terra, que é uma preciosidade que a gente tem. Para nós do Movimento foi muito positivo e para as mulheres é um exemplo prático de produção, de luta e resistência”, aponta Flávia Lessa, membro da Coordenação do MAB na região.

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O Oeste da Bahia se localiza na faixa do MATOPIBA – fronteira agrícola que compreende os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, e concentra parte importante da produção de grãos do país. Ao mesmo tempo, é uma região com um histórico de conflitos fundiários e, especialmente, de uso indiscriminado da água por parte de empresas do agronegócio. Nesse cenário, o uso de agrotóxicos anda de mãos dadas com a produção das monoculturas. Bernardino reflete sobre o desafio dos pequenos produtores na garantia da certificação de produtos orgânicos: “jogam muito veneno de avião, e as partículas ficam em cima, quando a chuva cai, cai já contaminada. Então é difícil o pessoal falar que tá produzindo orgânico”.

O contexto do uso das águas na região também tem impactado na morte de diversas nascentes de rios. No estudo “A Morte das Águas no Oeste da Bahia” (2023-2024), realizado por uma parceria entre a Pastoral do Meio Ambiente (PMA), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pesquisadores da UFF e IFBaiano/Valença, foi possível identificar 11.000 km de trechos de água secos ou críticos nas sub-bacias dos rios Corrente e Carinhanha, no Oeste da Bahia.

Mapa aponta trechos de água já secos e em estado crítico na região.

Ao olhar o mapa, Bernardino ainda finaliza que “parece que só sobrou Cerrado nessa área, daqui até Goiás já tá tudo desmatado, você só vê verde nas regiões dos ribeirinhos, dos fechos de pasto”. São as comunidades tradicionais que apresentam um modelo de produção alternativo à exploração desenfreada de bens naturais, que abrangem não apenas a agroecologia, mas também a mitigação dos impactos ambientais evidentes nos recentes eventos climáticos extremos.

O projeto segue em execução este ano, e conta com acompanhamento técnico para as mulheres e suas produções, além de promover o debate e a luta em defesa do Cerrado.

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