Por iniciativa do MAB, parceiros dos atingidos se mobilizam e entram com Ação Civil Pública contra a retirada de direitos pelo rompimento da barragem de Brumadinho

Após ato realizado no dia 14 de março, com protestos contra a tentativa da Vale de encerrar direitos essenciais, MAB cobra providências das instituições de justiça

Atingidos e atingidas da Bacia do Paraopeba em marcha contra o corte de direitos. Foto: Nívea Magno / MAB

No último dia 14 de março, data que marca o Dia Internacional de Luta contra as Barragens em Defesa dos Rios e da Vida, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) mobilizou cerca de mil atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG) para denunciar a tentativa da mineradora Vale S.A. de cortar direitos essenciais das vítimas. A manifestação ocorreu em Belo Horizonte e contou com uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), uma marcha até o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e uma reunião com o juiz responsável pelo caso. Como resultado da mobilização, a Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA) e mais duas entidades civis ajuizaram pedido de tutela de urgência, através de uma Ação Civil Pública para impedir a retirada desses direitos.

Direitos ameaçados e luta por justiça

A principal denúncia do Movimento dos Atingidos por Barragens e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) é a tentativa da Vale de encerrar medidas fundamentais, como o Programa de Transferência de Renda (PTR) e o apoio das próprias ATIs. Atualmente, o PTR atende cerca de 158 mil atingidos na Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias, garantindo subsistência a famílias que perderam seus meios de vida devido ao crime ambiental. Mesmo assim, o PTR tem sofrido reduções e está previsto para acabar em janeiro de 2026, segundo a Fundação Getúlio Vargas, responsável pela gestão do programa.

Para os atingidos, essa decisão representa um retrocesso inaceitável, já que a destruição ambiental causada pela Vale inviabilizou atividades econômicas como a pesca e a agricultura, conforme denúncia de João Luiz Moreira Índio, representante do Povo Indígena Aranã:

“Usufrui de um rio com nome de Paraopeba. Ali pescavam, éramos felizes. Até que um dia veio um mar de lama que impossibilitou nossos rituais, nossa cultura, pescar. Encheram o rio de placa de proibido pescar, proibido nadar. Pergunto a todos: qual o preço de um rio? Qual o preço de uma montanha? Qual o preço de uma vida?”

O descaso da mineradora e os cortes no PTR têm causado revolta entre os atingidos. Segundo Joelísia Feitosa, liderança atingida de Juatuba: “A população atingida tem realizado um trabalho de parceria e união, mas não aguentamos mais ser pisoteados. O povo está aqui registrando sua indignação (…). Não estamos pedindo esmola, nos foi tirado o direito ao trabalho, o direito à pesca, o direito à sobrevivência. O PTR veio reduzido, e teve gente que não conseguiu colocar comida na mesa este mês. Não estamos tendo acesso ao mínimo necessário para sobreviver: à água, ao cultivo, ao básico de dignidade. O mínimo que esperamos é que as instituições de justiça cumpram seu dever, porque legislação nós temos”. 

Audiência pública e compromissos assumidos

Durante a audiência realizada no dia 14 de março, na ALMG com a Comissão de Direitos Humanos, representantes do MAB, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Defensoria Pública de Minas Gerais e parlamentares estaduais e federais discutiram as demandas dos atingidos. Os atingidos e atingidas cobraram a manutenção do PTR, a inclusão de Povos e Comunidades Tradicionais no programa, a continuidade das ATIs, esclarecimentos sobre o atraso no assessoramento para liquidação das indenizações individuais, entre outras demandas.

Em resposta, o MPMG comprometeu-se a reunir informações sobre as demandas e apresentar uma devolutiva dentro de 10 dias úteis. Além disso, as parlamentares Bella Gonçalves (PSOL), Beatriz Cerqueira (PT) e Leleco Pimentel (PT) protocolaram requerimentos exigindo providências a serem tomadas de acordo com as pautas discutidas na audiência, como: a adoção de medidas jurídicas e administrativas que garantam o PTR; a prestação de contas dos gastos do fundo para contratação de estruturas de apoio, no valor de 700 milhões de reais, previsto para a reparação dos atingidos de Brumadinho; informações acerca das razões do atraso e a previsão de cumprimento do assessoramento da população atingida em relação à reparação integral e a liquidação coletiva das indenizações por danos individuais.

Marcha e encontro com o juiz

Após a audiência, os manifestantes seguiram em marcha até o TJMG, onde uma comissão se reuniu com o juiz Dr. Murilo Abreu, responsável pelo caso da Bacia do Paraopeba. Durante o encontro, os atingidos relataram as dificuldades que ainda enfrentam, seis anos após o desastre, como a falta de acesso à água potável, a perda de fontes de renda e problemas de saúde causados pela contaminação da região.

O MAB também comunicou ao juiz que ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) para garantir que os direitos dos atingidos sejam preservados até que a reparação integral seja alcançada, como garante a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Os quatro principais pontos da reunião foram a garantia do PTR ou criação de um novo auxílio; garantia das ATIs até a reparação total dos danos; a definição de uma indenização individual justa construída a partir de um processo coletivo com as comunidades e a apresentação, por meio das Instituições de Justiça, de um modelo de gestão para o Anexo 1.1 (anexo definido no Acordo firmado em 2021 entre a Vale e o poder público, que institui a criação de projetos de demandas das comunidades atingidas com elaboração de projetos para gerar trabalho e renda, acesso à cultura, esporte e lazer, etc).

Encaminhamentos e próximos passos

Graças à mobilização dos atingidos e atingidas, o Ministério Público de Minas Gerais deverá apresentar uma resposta oficial sobre as reivindicações dentro de 10 dias úteis. Já os requerimentos apresentados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e a Ação Civil Pública ajuizada por parceiros do MAB, seguem em tramitação, buscando garantir a manutenção do Programa de Transferência de Renda e a transparência na utilização dos recursos da reparação.

O MAB segue mobilizado para garantir que os direitos dos atingidos sejam respeitados e que a Vale cumpra sua responsabilidade pelo crime de Brumadinho. A luta continua até que a justiça seja feita.


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