MAB completa 33 anos de lutas e celebra criação de Política Nacional para Atingidos

Se no início a luta era contra a construção de barragens, hoje os atingidos lidam com as consequências de rompimentos

MAB completa 33 anos de atuação no Brasil e na Bahia / Foto: Divulgação

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) completa 33 anos de luta e resistência em 2024, com o lançamento da campanha “É tempo de Avançar”. A data exata do aniversário foi o último dia 14 de março, Dia Internacional de Luta em Defesa dos Rios, Contra as Barragens, Pela Água e Pela Vida.

Para Iandria Ferreira, integrante da coordenação do MAB na Bahia, nestes anos a organização amadureceu em diversos aspectos em função da realidade dos atingidos por barragens e os desafios que surgiram e surgem no caminho.

A ativista explica que, se no início a luta do grupo era principalmente contra a construção de barragens, hoje os atingidos lidam com as consequências do rompimento de barragens de mineração, e com a ausência de reparação integral.

“A privatização do setor elétrico é um dos grandes desafios que atravessa estes 33 anos e o MAB segue se posicionando contra a venda das nossas estatais que na maioria das vezes caem na mão do capital internacional. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) com certeza é o maior avanço do movimento nestas três décadas”, avalia.

Atualmente, luta das pessoas atingidas tem sido por reparação e prevenção de desastres
Foto: Luiz Carvalho – MAB

Durante anos, lembra, o movimento reivindicou a necessidade de uma lei que se debruçasse especificamente sobre os atingidos por barragens, principalmente definindo o conceito de “atingido”. “A violação de direitos das populações atingidas começa muitas vezes quando elas não são reconhecidas, por isso a importância da definição estabelecida constitucionalmente e a PNAB traz esta conceituação. Além disso, tivemos diversas vitórias ao longo dos anos, acordos de reassentamentos em todo país”.

Casos em que o processo de reparação se alonga por anos, no entanto, infelizmente, ainda são comuns no Brasil. Em março, aconteceu a audiência pública “Sete anos de luta das populações atingidas pela Barragem de Baraúnas/Vazante” na Câmara de Vereadores de Boninal, na Chapada Diamantina. A Audiência celebrou os sete anos de resistência na região, chamando atenção para as pautas emergenciais dos atingidos, relacionadas ao estabelecimento de um reassentamento para as famílias e reparação pelos danos gerados pela construção da barragem, de responsabilidade da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB).

Também em março, o MAB promoveu encontros e atos em Brasília para pressionar pela efetivação de novas práticas que façam frente ao poder de indústrias beneficiárias de barragens, especialmente a mineral.

Audiência pública em Boninal reuniu pessoas atingidas pela Barragem de Baraúnas/Vazante há sete anos Foto: John Belik – MAB

Desde o ano passado, MAB e a Secretaria de Acesso à Justiça (Saju), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) têm trabalhado juntos para a execução do projeto Clínica de Acesso à Justiça para Populações Atingidas por Desastres Climáticos, idealizado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A Clínica será gerida pelo Programa de Extensão Universitária “Assessoria Técnica e Educacional Meio Ambiente e Barragens (Atemab)”.

Entre os serviços prestados estão a realização de atendimentos jurídicos, apoios interdisciplinares relacionados às demandas da população atingida, mobilização social e formação de lideranças comunitárias para que se apropriem de instrumentos jurídicos e políticos para atuar na defesa dos direitos das populações atingidas.

Mais de 4 milhões de atingidos no Brasil

De acordo com dados do estudo “Saúde, água, energia, ambiente e trabalho: tecendo saberes na promoção de territórios sustentáveis e saudáveis”, realizado pela Fiocruz em parceria com o MAB, problemas relacionados ao acesso à água, deslocamento forçado, saúde mental e violência de gênero são alguns dos desafios enfrentados pelas vítimas.

A pesquisa analisou relatórios de 1940 a 2022, constatando que as construções e rompimentos de barragens no Brasil já atingiram mais de 4 milhões de pessoas.

Os documentos avaliados concluíram ainda que “as drásticas mudanças de vida provocadas pelas barragens causam não apenas doenças infectocontagiosas relacionadas à contaminação das águas e às migrações de trabalhadores, mas também podem ser vinculadas ao aumento de doenças como diabetes, hipertensão, obesidade, cardiopatias, doenças respiratórias, digestivas e de pele. Além disso, se destacam os quadros de depressão, estresse, ansiedade, e distúrbios nutricionais”.

Jequié foi atingida por enchentes por dois anos seguidos, efeitos foram piorados pela abertura de comportas de hidrelétricas / Foto: Luiz Carvalho – MAB

O estudo revela ainda que as mulheres são as principais vítimas das barragens. Isso porque nos territórios atingidos há um aumento significativo nos casos de assédio sexual e violência de gênero, doenças sexualmente transmissíveis, casos de exploração sexual infantil e gravidez na adolescência. Outros dados da pesquisa apontas que as barragens afetam especialmente grupos já vulnerabilizados, e as mudanças climáticas potencializam as violações sofridas.

Iandria analisa que o tema tem ganhado cada vez mais projeção, tanto pela luta de iniciativas como o MAB e o Movimiento de Afectados por las Represas (MAR), presente em toda a América Latina, quanto por desastres de grande repercussão como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais, evidenciando a “violação de direitos [por parte] das empresas construtoras de barragens mesmo anos após a construção do empreendimento”.

A mudança climática é outro fator ressaltado pela coordenadora, que evidencia o descaso destas empresas com os atingidos, a exemplo das enchentes recorrentes em dois anos seguidos na Bahia (2021 e 2022). “Em Jequié, a abertura irresponsável de comportas da Usina Hidrelétrica de Pedras administrada pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chefs) intensificou o efeito das enchentes na região, alagando casas em diversos pontos do município”, completa.

Hoje, os três grandes objetivos do Movimento se centram na busca por uma sociedade mais justa, com projeto popular para o Brasil; a construção do Projeto Energético Popular, a partir da defesa do acesso à água e energia como direito, não como mercadoria; e pela garantia dos direitos da população atingida por barragens.

“Diante disso, temos nos últimos anos um grande desafio colocado que são as mudanças climáticas. O caso de Jequié (BA), já citado, é exemplo de que as transformações do clima somadas à negligência dos empreendimentos de barragens agravam diretamente a situação das populações atingidas”, finaliza.

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