Jornada de Lutas | Conheça a história do atingindo Adailson Moreira: “o homem branco tem que aprender que toda vida tem importância”

O território do indígena, da etnia guarani, foi um dos atingidos pelo crime da Samarco (Vale/BHP) há oito anos

Foto: Betina Guimarães

Iponá, que significa “boa água”, era o nome do ponto turístico que existia no território indígena Guarani, localizado no município de Aracruz (ES), no litoral capixaba. Após o rompimento da Barragem do Fundão, de propriedade da Samarco (Vale/BHP), em Mariana (MG), a lama tóxica despejada no Rio Doce levou embora a boa água, a diversidade dos animais e plantas e a riqueza cultural do lugar. “A natureza era a fonte de sobrevivência do nosso povo. A gente recebia os turistas e vendianosso artesanatos. Agora, falta até a matéria-prima pra fazer os artefatos que mantinham nossa cultura viva”, conta o indígena Adailson Moreira. 

Hoje, 05, quando o crime em Mariana completa 8 anos, as vítimas ainda pedem justiça. Esse é considerado o crime que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos, com um volume total despejado de 62 milhões de metros cúbicos. A avalanche de lama, que matou 19 pessoas, chegou ao Rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio.

Ambientalistas consideraram que o efeito dos rejeitos no mar continuará por pelo menos mais cem anos, mas ainda não houve uma avaliação completa de todos os danos causados.

“A gente tinha muita coisa para mostrar para os visitantes, porque tinham muitos animais na mata e peixes de vários tipos no rio. Isso era uma prática de cultura que nós conhecíamos e, hoje, depois que aconteceu essa tragédia, praticamente, não tem mais nada pra mostrar no nosso território. Até os animais estão sumindo”, denuncia Adailson. Acompanhado de um grupo de 16 indígenas, o atingido enfrentou 17 horas de estrada de Aracruz até Brasília (DF) com o objetivo de participar da Jornada de Lutas do Movimento dos Atingidos Por Barragens – MAB.

Na visão do indígena, é importante se unir a outras lutas e atingidos de outras regiões para dar visibilidade às reivindicações de todos que têm o objetivo comum de exigir a reparação e a garantia dos seus direitos violados por parte grandes empreendimentos no país. 

Segundo informações apresentadas pelo Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e saúde no Brasil, a partir da década de 1970, os Tupinikim e os Guarani passaram a fazer processos de autodemarcação de suas terras. Em 1981, o Governo Federal reconheceu e demarcou 4.492 hectares de terras; em 1998, foram mais 2.568 hectares; e, por fim, 11.000 hectares em 2007, consolidando um total de 18.070 hectares correspondendo à Terra Indígena Tupinikim-Guarani, que conta com as aldeias Caieiras Velha 2, Tupiniquim e Comboios.

Apesar das conquistas, os povos Tupinikim e Guarani de Aracruz possuem uma série de conflitos com empreendimentos em seu entorno, seja do ramo da monocultura, da indústria, incluindo estaleiros, ferrovias, portos, além de terem sido gravemente impactados pelo de Mariana (MG), que afetou todo o leito do rio Doce, até sua desembocadura em Linhares, no Espírito Santo.

Apesar da tragédia que viveu, Adailson continua repassando seus saberes ancestrais do povo da floresta. “Olha, a minha esperança é que um dia o homem branco aprenda e também se arrependa daquilo que destrói. E, nas próximas vezes, saiba pedir desculpa para nós, porque cuidamos da natureza e, também, pedir desculpa para a natureza. O homem branco precisa aprender que toda vida tem sua importância”, avalia o atingido.

Jornada de lutas em Brasília

Jornada de Lutas em Brasília (DF). Foto: Nane Camargos

Adailson é um dos 2.500 atingidos estão em Brasília (DF) para a Jornada Nacional de Lutas do MAB, que acontece até o dia 7 de novembro. A proposta é dar visibilidade às principais reivindicações do Movimento: reparação, efetivação dos direitos e políticas de proteção social para os atingidos por parte do Estado brasileiro. Durante esses dias, atingidos de todas as regiões do país vão participar de atos, assembleias e reuniões para apresentar suas pautas para a população em geral e para diferentes órgãos do executivo e do legislativo.

A principal demanda do MAB é a aprovação da Política Nacional de Direitos da População Atingida por Barragens – PNAB. O PL, que está em tramitação no Senado, define responsabilidades, formas de reparação e cria, também, mecanismos de prevenção e mitigação de impactos dos empreendimentos com barragens no Brasil. Se sancionada, a lei será considerada um avanço inédito no tratamento dos atingidos no Brasil.

Outra reivindicação do Movimento é a criação de um “Fundo Nacional Para a Reparação das Populações Atingidas” com foco em garantir recursos para projetos que previnam novas tragédias no Brasil relacionadas à construção, operação e rompimento de grandes obras (de represamento de água, mineração e produção de energia), a partir do envolvimento ativo da população na formulação das ações. O fundo também deve servir para lidar com prevenção de tragédias e reparação dos prejuízos causados pelas mudanças climáticas, como inundações, secas extremas e deslizamentos.

A data escolhida para iniciar a jornada, 5 de novembro, marca os oito anos do rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana (MG). O Movimento espera sensibilizar o governo para que ele possa atuar efetivamente na reparação dos atingidos. Enquanto as empresas e o poder público discutem na justiça uma nova “repactuação”, os atingidos, defendem que haja participação popular em todas as etapas do processo.

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