Revida Mariana: oito anos após o crime, atingidos cobram reparação e justiça

Jornada de Lutas | Mais de 2.500 atingidos fazem ato político inter-religioso em Brasília (DF)

Jornada de lutas reúne atingidos por barragens de todo o país em Brasília (DF). Foto: Marcelo Aguilar

Na manhã de hoje, 5, o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB realizou, em Brasília (DF), um ato político inter-religioso intitulado “Revida Mariana – Justiça para limpar essa lama”, como parte da Jornada Nacional de Lutas dos Atingidos, que acontece na capital federal até o dia 7. O ato também marca os oito anos do crime das mineradoras Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana (MG). Nesse período, 55 pessoas já morreram aguardando a reconstrução de suas casas destruídas pela lama. Ao todo, mais um milhão de pessoas foram atingidas pelo crime.

O ato teve início no ginásio Nilson Nelson, onde mais de 2.500 atingidos de todo o país estão acampados. Lá, eles homenagearam as vítimas fatais do crime do Rio Doce e denunciaram a impunidade dos responsáveis e a ausência de reparação para os atingidos. Em seguida, os militantes seguiram em marcha até a torre de TV de Brasília.

“A vida é possível onde há espaço para que cada um de nós viva com dignidade e cuide desta casa comum – esta única casa que nós temos – e também cuidar das relações entre nós, para que não sejam relações de marginalização ou de dominação, mas relações de fraternidade, de apoio mútuo e de solidariedade”, pregou o Padre Aguinaldo, representante da Igreja Católica, durante a mobilização.

Entre os dias 5 e 7 de novembro, o MAB realiza uma Jornada de Lutas em Brasília (DF) para dar visibilidade às principais reivindicações do Movimento: reparação, efetivação dos direitos e políticas de proteção social para os atingidos por parte do Estado brasileiro. Foto: Patricia Sousa

“Nós valorizamos a vida, não só a vida terrena, como a vida ancestral também. E, por isso, eu peço a Nanã, peço ao nosso pai Oxalá, que faça justiça por esse povo. E é, por isso, que nós estamos aqui e não vamos ficar calados”, destacou Mãe Beth, representante das religiões de matriz africana. 

No ato, os atingidos cobraram a repactuação do acordo firmado entre os poderes públicos e as mineradoras em 2016, como parte do processo de reparação socioambiental, após o rompimento da barragem do Fundão, que deixou 19 pessoas mortas e despejou mais de 55 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração no leito do Rio Doce.


“A gente vem a Brasília para fazer a denúncia do crime e cobrar a reparação que nunca veio. Para além disso, viemos dizer aos representantes do poder público que eles também são responsáveis por garantir o direito dos atingidos. Por isso, nós cobramos a aprovação da Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens, a PNAB”, explica Fernanda de Oliveira, integrante da coordenação do MAB em Minas Gerais. 

Moradora de Regência (ES), na foz do Rio Doce, Adelina Barros é atingida pelo crime da Samarco e conta como tem sido lento o processo de reparação. Segundo ela, as mineradoras responsáveis pelo rompimento e a Fundação Renova têm operado para dividir os atingidos e criar obstáculos para a reparação efetiva.

“Nós aprendemos mascarar, a seguir vivendo o que dá para viver, fazer o que dá para fazer e lutar para que Regência volte a ter uma vida serena e tranquila, como a que vivíamos antes desse crime, com as crianças brincando no rio, com as pessoas pescando seu peixe, mas, nesses oito anos, a reparação nunca aconteceu”, avalia a atingida.

Filha de pescadores, Adélia diz que a impunidade é o que mais deixa os moradores indignados. “Dói quando a gente lembra daquela desgraça que matou gente, destruiu vidas, destruiu sonhos, deixou as pessoas sem perspectiva de vida. E ninguém ainda pagou por esse crime. Se uma pessoa roubar um quilo de feijão para matar a fome é preso, mas uma pessoa responsável por uma empresa que mata, que destrói vidas, que destrói a natureza, permanece solta”, desabafa. “Por isso, temos que seguir na luta. A vida do pobre é sempre guerrear e nós não vamos parar”, conclui. 

Por que repactuar?

Foto: Nicolly Mendes

A Força-tarefa do Ministério Público Federal – MPF considera que o atual modelo de reparação, a cargo da Fundação Renova, “é um completo fracasso”, já que um número grande de atingidos permanece enfrentando diversos problemas causados pelo rompimento da barragem e, do ponto de vista ambiental, menos de 10% do rejeito depositado no leito do Rio Doce foi retirado. Já o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – Ibama argumenta que 60% dos programas compensatórios e reparatórios apresentam índices baixíssimos de implementação. 

Para se ter uma ideia, dos R$ 31,1 bilhões previstos em ações de reparação até 2030, apenas R$ 23,5 bilhões foram executados, enquanto as ações de compensação tiveram um emprego de apenas R$ 747 bilhões (dos mais de R$ 3,4 bilhões previstos). O Ibama critica ainda o grande número de processos judiciais movidos pela Fundação Renova para obstaculizar a reparação.

A repactuação do Rio Doce tem sido objeto de discussão entre os órgãos públicos há quase dois anos e está sendo mediada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. De acordo com as negociações em curso, o novo acordo contemplaria a criação de fundos específicos para a atenção à saúde dos atingidos, conter os efeitos das enchentes que foram agravadas pela tragédia, assim como para desenvolver ações de proteção ambiental, de acesso ao saneamento básico e realização de projetos da chamada economia verde na região.

Heider Boza, integrante da coordenação do MAB no Espírito Santo, explica que a revisão do acordo firmado em 2016 já era prevista, mas, diante da morosidade no processo de reparação, é urgente que ele seja repactuado com participação dos atingidos nas negociações.

“O modelo implementado a partir daquele acordão em 2016, de Câmara Técnica, da Fundação Renova, está falido. Não funcionou em oito anos e não vai funcionar. A gente acredita que, com a aprovação da PNAB, será possível reconstruir esse processo e, sobretudo, trazer os atingidos para o centro do debate”, comenta. 

Fato é que muita coisa aconteceu no mundo desde aquele fatídico 5 de novembro de 2015: golpes, guerras, uma pandemia sem precedentes. O Brasil já teve quatro presidentes de lá pra cá. Muita água passou debaixo das pontes que cortam o Rio Doce, agora amargo e turvo pela lama que nunca saiu de lá. São oito anos de uma luta intensa para denunciar o crime e cobrar por uma reparação que nunca chegou.

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