Em Carta Política do XXVII Encontro, RENAP reafirma compromisso com a luta

Desde terras amazônicas, os 27 anos da Rede dos Advogados e Advogadas Populares – RENAP – é marcado pela reafirmação do compromisso com os movimentos sociais e fortalecimento da assessoria jurídica popular

Rede de Advogadas e Advogados Populares se reuniu em Porto Velho, e reafirmou compromisso com a assessoria jurídica popular a serviço da luta e promoção dos direitos humanos. Foto: Divulgação

Entre os dias 05 a 08 de outubro de 2023, cerca de quarenta advogadas e advogados populares de todas as regiões do país se reuniram em Porto Velho – Rondônia para o XXVII Encontro Nacional da Rede de Advogadas e Advogados Populares – RENAP. Também estiveram presentes organizações da sociedade civil, universidades, representantes de órgãos públicos e movimentos sociais e populares ligados à defesa dos direitos humanos e da natureza. 

A RENAP se constitui como um dos espaços que historicamente realiza a articulação de advogadas/os que atuam com os movimentos populares no Brasil, em suas diversas dimensões estruturais de classe, gênero, raça, diversidade sexual e geracional, na proteção contra a violência e espoliação pelo modelo de desenvolvimento econômico, na defesa diante da criminalização da luta por direitos, bem como na afirmação de novos direitos que se constroem na luta social organizada.

Reunidos nas margens secas do Rio Madeira, um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas, sentindo o cheiro da fumaça das queimadas, conhecemos um pouco mais dessa realidade. É muito marcante ver que em decorrência da gravidade da crise ambiental as usinas hidrelétricas construídas para gerar energia nesse rio, hoje estão em desuso.

Nos reunimos após quatro anos sem encontros nacionais presenciais em razão da pandemia que deixou cerca de 700 mil mortes causadas pela COVID-19 no Brasil. Um doloroso reflexo do governo genocida de Bolsonaro que nosso país testemunhou, um período caracterizado pela preocupação crescente com o autoritarismo, medidas de exceção e um discurso de ódio que permeou a esfera política do país. Pós-derrota eleitoral ainda houve a tentativa de golpe contra a democracia brasileira, no qual tomou posse um dos congressos mais favoráveis a bala, bíblia e ao boi da nossa história. A polícia mata e as emergências climáticas comprovam o quão nefasto o agronegócio e o modelo primário-exportador são para o país e ao povo.

Sem dúvida, a vitória eleitoral do campo progressista, fruto da luta popular, representa um momento importante na retomada da democracia no Brasil, retomada das políticas públicas e participação ativa da sociedade civil. Nesse encontro também celebramos os 35 anos da Constituição Federal, ao qual instituiu uma ordem jurídica comprometida com a igualdade, o pluralismo e a inclusão, fundamentalmente na defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito. 

É nesse contexto sociopolítico que se reuniram não só advogadas/os, mas também estudantes de direito, militantes dos movimentos populares lutadores pela terra, moradia, pelas águas, florestas, igualdade de gênero, contra o racismo, machismo, fascismo, xenofobia, contra qualquer discriminação de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero e características sexuais, contra a criminalização da maconha e contra as injustiças e as desigualdades que afetam especialmente as populações negras e periféricas. Identificados em torno da tarefa da advocacia para jurídica popular, esse encontro anuncia a reconstrução da rede em torno da nossa identidade e causa. 

As injustiças que tornaram necessárias a criação de uma rede nacional, apesar de todas as conquistas sociais dos movimentos sociais e populares nesses vinte e sete anos, ainda se fazem presentes e, portanto, segue necessária a articulação nacional de advogadas/os que aderem à rede de forma livre, voluntária e gratuita, adesão irrevogável com as lutas populares, sendo o sentido de suas atuações jurídicas, de forma permanente, urgente e ativa.

Nesses vinte e sete anos a RENAP  atuou na luta contra as barragens, as mineradoras, os agrotóxicos, os transgênicos, contra o desmatamento na Amazônia e Cerrado, na defesa da reforma agrária, na promoção dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais; se posicionou pela igualdade de gênero, na garantia de direitos da população negra e combate ao racismo, e direitos das pessoas LGBTQIAPN+, sempre no caminho para a justiça, igualdade e inclusão. Se fez presente na luta dos movimentos sociais e populares, atuando na educação popular em direitos, na defesa em ações judiciais, proteção de defensores de direitos humanos, contra a criminalização de lideranças populares e a violência no campo e cidade. Elaborou coletivamente teses jurídicas que acompanhassem os benefícios e avanços que esses movimentos sociais e populares trouxeram para a sociedade brasileira, realizando atividades de formação para os membros/os da Rede, seminários, cadernos, publicações, pensamento crítico sobre o direito, acesso e democratização do nosso sistema de justiça, bem como, a educação jurídica nacional.

Muitas foram as vitórias nesses vinte e sete anos, desde o primeiro agravo de instrumento que suspendeu ordem de reintegração de posse de imóvel que não cumpria a função social, passando pelo reconhecimento de que ocupação de “terras não é esbulho possessório”, até as decisões que determinam ao estado brasileiro a estruturação de políticas públicas para indígenas e quilombolas, assim como despejo zero em todas as ocupações urbanas e rurais no Brasil durante a pandemia. Muitas são causas do presente que ainda desafiam. 

Queremos superar esse sistema econômico, político e jurídico desenhado e imposto para a dominação, expropriação humana pelos próprios humanos que coloca o planeta e a vida em risco. 

Enquanto essa superação não acontece, a RENAP segue conectada com as causas no presente, as quais nos motivam a seguir na luta: o enfrentamento territorial dos povos da América Latina que perpassa estruturalmente pelas questões socioambientais; a superação da ideologia do ser, do querer e do ter; a garantia às camponesas e camponeses e aos povos de comunidades tradicionais o livre exercício dos seus modos de vida e produção em seus territórios, baseados no respeito a mãe terra, livre de agrotóxicos e com a preservação das águas, florestas e biomas, garantido a esses sujeitos a sua existência, proteção e permanência; a não mercantilização da água, das florestas e do carbono. Na luta urbana, pelo direito à moradia, acesso aos serviços básicos, busca por justiça social com oportunidade de viver com dignidade. No campo, pela efetivação da dimensão constituinte da reforma agrária, investimento do estado brasileiro na criação de assentamentos que promovam a agroecologia, na titulação célere de todos os territórios quilombolas e demarcação das terras indígenas. 

A assessoria jurídica popular segue necessária para a transformação social, haja vista a compreensão que possui do papel e da tarefa das lutas dos movimentos sociais e populares para essas transformações, e do seu lugar nessas lutas. Sabendo que a organização talvez seja a única fonte de poder do povo, ela é o caminho também para a assessoria que pretende pensar e agir coletivamente com ele e com as/os colegas de trabalho e a luta.

Vida longa para as/os advogadas/os populares, que de forma coletiva, com os movimentos sociais e populares, defendem quem luta, promovem direitos humanos, fazem das bandeiras daqueles as suas bandeiras, as mais generosas de nossa sociedade nesse tempo histórico, e das suas vidas, a defesa das outras, especialmente das mais injustiçadas, marginalizadas e necessitadas. 

Vida longa para quem vive a serviço do povo organizado! 

Vida longa à RENAP!

Porto Velho (RO), 08 de outubro de 2023. 

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