50 anos do Golpe do Chile: Museu da Memória e dos Direitos Humanos recebe arpillera bordada por militantes brasileiras

Peça elaborada coletivamente por mulheres do MAB e de outros coletivos brasileiros passa a integrar o acervo de um dos mais importantes museus da América Latina

Arpillera criada por bordadeiras brasileiras sobre os 50 anos do Golpe do Chile. Foto: divulgação

Em alusão aos 50 anos do golpe de Estado no Chile, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos de Santiago abriu, ontem, 10, uma exposição do fotógrafo brasileiro Evandro Teixeira sobre a ditadura chilena e a morte de Pablo Neruda. Durante a solenidade, houve a entrega de uma arpillera bordada por militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e dos coletivos Linhas de Sampa, Linhas do Horizonte, Linhas do Rio e Linhas de Porto Alegre. Além da peça, foram entregues ao museu fotos e documentos relacionados à história do golpe. A solenidade contou com a presença de autoridades chilenas e brasileiras, como os ministros Sílvio de Almeida e Flávio Dino, e integrantes da caravana Viva Chile, de ex-exilados brasileiros no território chileno.

O golpe militar de Pinochet ocorreu, que em 1973, foi considerado um dos movimentos mais sangrentos do continente. O militarismo em questão tomou conta reprimindo vozes, o que ocasionou diversas formas de resistência, em especial pelo movimento artístico. A arpillera consiste, portanto, em uma técnica têxtil que surgiu na Isla Negra, no litoral do Chile, com mulheres que criavam imagens a partir de retalhos bordados em telas de tecido para denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura no país. As peças eram confeccionadas com bolsos, onde eram inseridas cartas para reforçar as denúncias sobre as violações sofridas no país. As peças eram produzidas a partir de panos rústicos provenientes de sacos de farinha e de batata onde eram aplicados retalhos de roupas dos maridos e filhos ausentes, geralmente vítimas de regime militar.

Hoje, as mulheres do MAB utilizam a mesma técnica como uma ferramenta de educação popular, entre as atingidas por barragens, e denúncia, para dar visibilidade às lutas e reivindicações do Movimento. Com esse objetivo, as peças bordadas expõem crimes cometidos por grandes empreendimentos ou até pelo Estado em seus territórios. Essas arpilleras já foram expostas em diferentes museus, universidades, eventos e mostras no Brasil e no mundo.

Segundo a comunicadora e bordadeira, Reiko Miura, que representou as militantes brasileiras na entrega da arpillera, a peça doada ao Museu é uma demonstração de agradecimento ao Chile, que acolheu vários exilados durante a ditadura brasileira.

Junto à arpillera foi entregue uma carta de gratidão. “O Chile e seu povo acolheram milhares de brasileiros e brasileiras que se refugiaram durante o período da ditadura militar no Brasil, nos anos 1960 e 1970. Por algum tempo, eles desfrutaram de paz, liberdade e puderam tocar suas vidas e seus sonhos até o golpe militar fascista de Pinochet”, explicava o texto.  

Daiane Hohn, integrante do Coletivo de Mulheres do MAB, explica que a peça foi confeccionada por mulheres de diferentes estados do Brasil.

“Para nós, ela tem todo um sentido histórico, porque temos todo esse legado das companheiras chilenas que criaram a arpillera, uma técnica que nós resgatamos a partir de 2013 e que é bem importante para nos expressarmos e fazermos nossa luta. Então, essa é uma forma de retribuir, também, esse aprendizado e marcar essa data dos 50 anos do golpe, para que a gente nunca se esqueça e que nunca se repita”.

A carta entregue ao museu também explica a simbologia bordada. “Elegemos a mão para representar o acolhimento deste país. Bordamos o mapa de todos os países da América do Sul representados no mapa invertido (inspirado no artista uruguaio Torres Garcia), com destaque especial ao Chile, que está representado pela cor do cobre (importante minério que está e esteve em disputa, em toda a sua história). Inspiradas na “Árvore da Vida”, da artista chilena Violeta Parra, retratamos as linhas que se enraízam sob países acolhendo a mão solidária. Por isso, bordamos uma criança com a palavra SOLIDARIEDADE” (…). Justamente para não nos esquecermos, é que, aos 50 anos do golpe, nos manifestamos, condenando mais uma vez a ditadura pinochetista e saudando a democracia”, diz um trecho do documento.

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Reiko ressalta que, neste momento, é muito importante fortalecer a solidariedade ente os povos da América Latina na luta contra o fascismo. “Nós sabemos que temos vivido nessa gangorra, que é a alternância de processos democráticos com gestões autoritárias e ditatoriais. Então, nós entendemos a importância de reforçar a solidariedade ao povo chileno para que, em nenhum lugar da América Latina, a gente reviva uma experiência como a do Governo Pinochet, onde muitas pessoas foram mortas ou ficaram desaparecidas e houve violações de direitos humanos de todas as formas. E, por isso, estamos aqui para afirmar nossa solidariedade e nossa luta coletiva contra toda forma de autoritarismo”, disse.  

Sobre a exposição

A exposição Fotoperiodismo y dictadura: Brasil 1964 / Chile 1973 , inaugurada, ontem, no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, apresenta cerca de 40 fotos de Evandro Teixeira, considerado um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro, e inclui registros inéditos no país das prisões políticas no Estádio Nacional e da destruição do Palacio de La Moneda.

Para Evandro, a mostra é uma defesa apaixonada da democracia. “As minhas fotografias apresentadas na exposição eternizam um capítulo tenebroso da história do Brasil e do Chile. Mas, ao contar essa história, conseguimos renovar a necessária memória sobre o que é, de fato, uma ditadura e seus horrores. Minha forma de enfrentamento à ditadura sempre foi através das minhas fotografias. E para eu conseguir os cliques, a minha atitude precisava ser discreta e esperta. Eu evitava o confronto direto, fingia seguir as regras, tudo para conseguir as imagens que queria. Minha arma contra a ditadura foi a minha Leica M3”, afirmou o profissional ao portal da Agência Brasil.

O golpe chileno

Em 11 de setembro de 1973, há cinquenta anos, o Palácio de La Moneda, sede da Presidência do Chile, foi cercado por forças militares. O prédio foi bombardeado, invadido e Salvador Allende morreria antes de acabar o dia. Os militares tomaram o poder e Augusto Pinochet iniciou a ditadura que duraria até 1990.

Nos 50 anos do golpe de 11 de setembro de 1973 os chilenos lembram que “quase 4 mil chilenos foram mortos e desaparecidos e 38 mil presos e torturados” na luta pela democracia.

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