Uma das maiores espécies de formigas do mundo ganha o nome de Nicinha

O Laboratório de Biossistemática de Formigas da UFPR é o responsável pela descoberta da nova espécie que foi batizada com nome da militante do MAB assassinada em 2016 por conta da sua luta em defesa da Amazônia

Ativista Nicinha
Ativista do MAB, Nicinha foi homenageada pela UFPR. Foto: Gabriel Bicho

“Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro”. Foi esse verso, parte de cântico muito comum em comunidades tradicionais e indígenas, que surgiu na mente da advogada Diva Andrade quando soube que uma nova espécie de formiga havia sido batizada com o nome de sua mãe, Nicinha – como era conhecida Nilce Magalhães, ativista do Movimento dos Atingidos por Barragens -MAB. Dinoponera nicinha está entre as maiores formigas do mundo e foi encontrada nos estados de Rondônia e Amazonas. A descoberta é resultado das pesquisas do Laboratório de Biossistemática de Formigas da Universidade Estadual do Paraná (UFPR).

A ativista Nicinha e a nova espécie de formiga têm muito em comum. Em Porto Velho, a espécime foi encontrada em uma região próxima a áreas que sofrem impacto da Usina Hidrelétrica do Jirau, que desviou o Rio Madeira. “Outras formigas do mesmo gênero, como Dinoponera lucida, são reconhecidamente ameaçadas de extinção por causa da destruição dos ambientes em que vivem”, explica a pesquisadora responsável pela nomenclatura, Amanda Martins Dias. 

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A nova espécie é essencial para a cultura de algumas comunidades brasileiras, assim como a ativista do MAB foi importante para sua comunidade, como afirma Fabianny Castro, integrante do Coletivo de Mulheres e da coordenação do MAB em Rondônia. “Nicinha tinha como ninguém uma capacidade de mobilizar os atingidos e pescadores do Rio Madeira. Era uma formiga que caminhava com o formigueiro. Ela nos deixou, mas o seu legado segue vivo e os atingidos seguem como formigueiro, organizados e lutando por seus direitos em Rondônia”, declara Fabianny.

A nova espécie chega a medir cerca de 4 cm de comprimento total. A principal característica que a diferencia é o formato do nodo peciolar (a cintura da formiga). Outra característica é o corpo brilhante e coberto por pelos dourados. O estudo foi publicado no ano de 2021 na revista European Journal of Taxonomy e reuniu a maior quantidade de espécimes de machos e fêmeas já examinados até o momento.

“Eu e o professor John Lattke descrevemos a espécie Dinoponera nicinha. Essa espécie está entre as maiores formigas do mundo. Por causa dessa ameaça de extinção, tive a ideia de nomear a nova espécie fazendo uma homenagem a algum ativista que lutasse pela conservação do ambiente onde a mesma vive. Fazendo uma pesquisa rápida na internet, encontrei o nome da Nilce e achei que sua história mereceria uma homenagem, pois seu ativismo no MAB indiretamente também ajudou a proteger a espécie”, explicou Amanda. 

A pesquisa da UFPR aponta que o histórico de desmatamento, incêndios florestais e conversão de paisagens naturais em paisagens agrícolas dificultaram tanto a sobrevivência dessas formigas quanto a oportunidade de estudá-las.

“Nós, filhas de Nicinha, Diva, Ivanilce e Tatá, nos sentimos muito gratas por essa linda homenagem. São essas homenagens que nos fazem compreender a grandeza da militância que nossa mãe fazia. As sementes que ela plantou ao longo de sua trajetória resiste e persiste neste mundo. A bondade ao próximo era sua melhor qualidade, nos deixou legados que jamais esqueceremos”, afirma, Diva, filha da ativista.  

Quem foi Nicinha?

Nicinha foi assassinada em janeiro do ano de  2016. A pescadora e militante do MAB  teve o corpo encontrado apenas cinco meses depois, no fundo do lago da Usina Hidrelétrica Jirau. A liderança era conhecida na região pela luta em defesa das populações atingidas, denunciando as violações de direitos humanos cometidas pelo consórcio responsável pela UHE de Jirau, chamado de Energia Sustentável do Brasil (ESBR). A ativista foi obrigada a se deslocar do distrito de Abunã, onde vivia há 50 anos, para “Velha Mutum Paraná”, ambas em Rondônia, junto com outros pescadores. No local, não existia acesso à água potável ou energia elétrica.

A militante realizou diversas denúncias ao longo desses anos, participando de audiências e manifestações públicas, entre as quais apontou os graves impactos gerados à atividade pesqueira no rio Madeira. As denúncias geraram dois inquéritos civis que estão sendo realizados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual sobre a não realização do Programa de Apoio à Atividade Pesqueira e outro, de caráter criminal, em função de manipulações de dados em relatórios de monitoramento.

“Como dizem por aí: Somos sementes. Que continuemos aqui, colhendo os frutos da bondade que nossa Mãe plantou aqui, neste Jardim chamado Vida”, finaliza a filha de Nicinha, Diva Rodrigues. 

Leia aqui o artigo científico no qual a espécie foi descrita.

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