Justiça por Dilma Ferreira: mais um dos acusados da chacina de Baião (PA) foi condenado pela justiça

Integrante da coordenação nacional do MAB, Dilma Ferreira foi assassinada em uma chacina no Pará, há quatro anos, por conta da sua luta em defesa da Amazônia

Na última segunda (18), Valdenir Farias foi condenado, no Fórum Civil de Baião (PA), a 63 anos, 10 meses e 30 dias de prisão, por ser considerado um dos autores da “Chacina de Baião”, que vitimou a integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), Dilma Ferreira. O crime aconteceu no dia 22 de março de 2019. Além de Dilma, pistoleiros contratados por um fazendeiro executaram mais cinco pessoas. Entre elas, três funcionários do mandante do crime; em comum, o fato de conhecerem de perto os crimes do dono da propriedade.

Julgamento no Fórum de Baião (PA). Foto: Roberta Brandão/MAB

Durante o julgamento, que durou todo o dia, pessoas atingidas dos municípios paraenses Belém, Cametá, Tucuruí, Baião, Mocajuba, Breu Branco caminharam e fizeram vigília em frente ao Fórum de Baião, cobrando justiça pelas mortes de Dilma Ferreira, Claudionor Amaro Costa da Silva (marido da atingida), Milton Lopes, Raimundo Jesus Ferreira, Marlete da Silva Oliveira e Venilson da Silva Santos. 

Para Cleidiane Vieira, integrante da coordenação nacional do MAB, a condenação de mais um dos acusados da chacina é muito simbólica. “Essa sentença significa justiça por Dilma, mas também por todos os que tombaram na luta em defesa dos direitos humanos na Amazônia: Nicinha, Dorothy, Dema, Chico Mendes. A decisão também prova que, quando o Estado brasileiro age com firmeza na busca dos criminosos, é possível fazer justiça. A luta de Dilma não foi em vão. A chama da resistência segue acesa e os atingidos e atingidas por barragens continuam em luta”, afirmou a dirigente.

Caminhada rumo ao julgamento. Foto: Roberta Brandão / MAB

Francisca Silva, irmã de Dilma, esteve presente no ato. Muito emocionada, afirmou que enfrentou o receio da violência para poder acompanhar o julgamento dos criminosos que mataram sua irmã. “É uma dor com medo. Eu não vou mentir: a minha família só não veio mais porque tem medo do que possa acontecer”.

Apesar de Valdenir ser o segundo envolvido na chacina a ser condenado, o assassino Glaucimar Alves, conhecido como “Cimar” ou “Pirata”, segue foragido. Já o mandante do crime, Fernando Rosa Filho, conhecido na região como “Fernandinho”, apesar de preso, ainda não foi julgado. O primeiro criminoso do caso que foi à júri foi Cosme Francisco, condenado, em março de 2023, a 67 anos, quatro meses e 24 dias de prisão. Alan Alves e Marlon Alves morreram em 2019, em confronto com a polícia. 

Desde a década de 80, o Pará tem vários casos de violência agrária sem punição dos verdadeiros mandantes. Na visão da acusação, esse clima de impunidade que paira sobre a Amazônia foi um dos fatores que levou os acusados a cometer uma chacina.

Participantes do ato pregaram cruzes com nomes das vítimas da chacina em frente ao Fórum. Foto: Roberta Brandão / MAB

Dilma passou a integrar o MAB porque efoi impactada pela construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra inaugurada em 1984 no Pará, durante a ditadura militar. A hidrelétrica desalojou mais de seis mil famílias. De acordo com Cleidiane, “a militante era reconhecida no Movimento como como alguém brincalhona, divertida e que ajudava a todos nas comunidades de atingidos: uma verdadeira liderança”. 

Edson Gaia, militante do MAB, foi companheiro de luta de Dilma por mais de 10 anos e falou da amiga, enquanto enxugava as lágrimas.

“Falar da Dilma é falar de um começo, de uma história da qual eu também faço parte. Falar da Dilma é falar de todo o movimento social, não é falar apenas sobre uma pessoa, é sobre uma história, um legado, o qual a gente não pode deixar esquecer”, declarou Edson.

Dilma Ferreira teve destaque no movimento quando se encontrou com a então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff (DF), em Brasília, no ano de 2011, durante o  Encontro Nacional das Mulheres Atingidas por Barragens. Na época, ela declarou: “as Marias somos nós! Nós somos as verdadeiras marias, guerreiras, lutadoras que estão aí no desafio da luta do dia a dia”, mensagem que hoje que representa luta e luto para o MAB. 

Ato por justiça pra Dilma em frente ao Fórum de Baião (PA). Foto: Roberta Brandão / MAB
Ato por justiça pra Dilma em frente ao Fórum de Baião (PA). Foto: Roberta Brandão / MAB

Entenda o caso  

Segundo investigação do caso, as execuções da Chacina de Baião tiveram como motivação a queima de arquivos relacionados a crimes como trabalho escravo, narcotráfico e extração ilegal de madeira. O mandante, Fernando Rosa Filho queria esconder seu histórico criminoso matando os três trabalhadores rurais e depois Dilma, o companheiro e o cliente, que estavam presentes no bar da militante do MAB na hora da chacina. 

Os trabalhadores rurais Venilson da Silva Santos, Raimundo Jesus Ferreira e Marlene da Silva Oliveira ameaçaram denunciar Fernando por conta das condições insalubres de trabalho às quais eram submetidos. De acordo com relatos, a prática de trabalho escravo nessa fazenda era comum. Não houve flagrante, porque quando as investigações aconteceram já não havia mais trabalhadores no local. Além disso, as vítimas sabiam da existência de uma pista de pouso clandestina na propriedade com a finalidade de receptação de drogas. 

Dilma Ferreira Silva ao lado da então presidenta Dilma Rousseff (PT) em Audiência das atingidas por barragens no Palácio do Planato, em Brasília em 07 de abrilde 2011 (Foto: Leandro Silva/MAB)

Dilma Ferreira também foi executada porque queriam silenciar suas denúncias. A integrante da coordenação do MAB e defensora da Amazônia sabia da extração ilegal de madeira no local. Os assassinos a chamavam de “presidenta do Mato”.  

Durante o julgamento do dia 18, em seu depoimento, o réu Valdenir relatou que levou os assassinos à fazenda de Fernando e, posteriormente, ao bar de Dilma por apenas R$300. Ele também contou, detalhadamente, quais armas os assassinos portavam e como cada vítima perdeu sua vida. “Tudo aconteceu de maneira fria”, como apontou Marco Apolo, advogado da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), durante a acusação do réu. Os assassinos eram conhecidos na região por serem criminosos violentos. 

A chacina aconteceu em duas empreitadas. A primeira se deu na fazenda do mandante durante a noite do dia 21 de março. Primeiro, assassinaram a tiros Venilson e Raimundo, e, por último, Marlene da Silva Oliveira. Após o assassinato, queimaram a casa com os corpos dentro. Depois, partiram em direção ao assentamento Salvador Allende, na zona rural de Baião (PA). De acordo com a investigação realizada pela Polícia Civil do Pará, no dia seguinte da primeira matança, os acusados foram para a residência de Dilma, onde as outras três vítimas foram esfaqueadas. Segundo o inquérito policial. Dilma foi amarrada e degolada.

Para o promotor de justiça de Capitão Poço, Almeida Farias, que também acompanhou o caso, a condenação foi uma vitória. “A gente mostra que a justiça foi feita: que o povo da Amazônia, os defensores da Amazônia merecem justiça e todo o apoio na sua luta. Ano que vem, nós vamos ter a COP 30 aqui na Amazônia. Então, nada mais eficiente para essa COP do que mostrar a solução dos crimes agrários que acontecem na Amazônia”, destacou o advogado. 

“A coordenação nacional do MAB agradece aos parceiros e apoiadores que foram essenciais para o resultado do julgamento, especialmente: a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Terra de Direitos, ao escritório Marco Apolo Advocacia, ao Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, ao Fundo Casa Socioambiental e ao Fundo Brasil de Direitos Humanos”, destaca Cleidiane.

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