NOTA | Indenização justa na Bacia do Paraopeba: um direito individual que se conquista pelo processo coletivo

Atingidos vão às sedes das Instituições de Justiça em Belo Horizonte (MG) para cobrar participação, manutenção do processo coletivo e direito à assessoria técnica

Atingidos em ato no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Foto: Aedas

Na última segunda-feira, 5, Dia Internacional do Meio Ambiente, cerca de 300 pessoas atingidas de diversos municípios da Bacia do Rio Paraopeba se reuniram em Belo Horizonte (MG) para cobrar o direito à reparação individual justa.  Para fazer essa reivindicação, os atingidos foram até as sedes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), da Defensoria Pública do Estado (DPE) e do Ministério Público Estadual (MPE). Além dos atos, representantes dos atingidos participaram de reuniões com defensores públicos, com o desembargador André Leite, no TJMG, e com o procurador geral, Jarbas Soares, no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

Durante os atos, os atingidos denunciaram a situação de grave vulnerabilidade que têm vivido, sem reparação integral dos danos resultantes do crime cometido pela mineradora Vale em seu território há quatro anos, o que inclui desde demandas emergências, como acesso à água potável, até a reparação ambiental, que diz respeito à recuperação do Rio Paraopeba, e as indenizações individuais de cada atingido.

Atingidos durante ato na Defensoria Pública de Minas Gerais. Foto: Coletivo de Comunicação MAB / MG

Para reivindicar esses direitos, os atingidos da região já haviam realizado atos nos dias 25 de janeiro (4 anos do crime) e 14 de março (Dia Internacional de Luta dos Atingidos contra as Barragens no Brasil, pelos Rios pelas Águas e Pela Vida). Na ocasião, os militantes também defenderam o direito às assessorias técnicas independentes, garantido na Política Estadual dos Atingidos por Barragem (PEAB). Graças às reivindicações, hoje existem três assessorias atuando na Bacia do Paraopeba: Aedas, Nacab e Guaicuy.

Decisão histórica foi favorável ao início da liquidação coletiva

No dia 14 de março, conquistamos uma decisão favorável aos atingidos da Bacia do Paraopeba, quando o juiz Dr. Murilo Silvio de Abreu aceitou a petição apresentada pelas instituições de justiça (DPE, MPE e o MPF), do dia 18 de agosto de 2022, que dava início à liquidação coletiva de sentença sobre o direito individual dos atingidos.  

A decisão prevê a contratação de uma instituição científica isenta, denominada de perícia (da UFMG) e o apoio das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) para a garantia da participação informada dos atingidos também nesse processo e ainda o apoio das Instituições de Justiça.

Nessa fase de liquidação coletiva serão definidos: os danos a serem reparados, o valor dos danos a serem pagos, quem são as pessoas que sofreram os danos e os critérios de comprovação da situação da pessoa a ser indenizada. Um ponto importante nesta decisão foi a inversão do ônus da prova.  Isso quer dizer que seria a Vale que teria que provar que não causou o dano alegado e não a vítima provar que foi vítima do dano.

Vale se manifesta contrária à liquidação coletiva

No dia 14 de abril, a Vale recorreu da decisão alegando que não foi ouvida e se posicionou contra a liquidação coletiva. Fernanda Portes, integrante da coordenação nacional do MAB, afirma que a postura da mineradora é recorrente: segue negando direitos das vítimas, sem estabelecer um diálogo com os atingidos. “São muitos os momentos em que a empresa atua contra a participação da população atingida. Um exemplo é o ‘Acordão entre Vale S.A. e Estado’, em que a mineradora não compartilhou informações sobre a contaminação da água e não deu respostas à população atingida nos espaços em que foi convidada. A Vale é ouvida sempre e sempre nega o direito do povo, enquanto a população atingida segue sendo silenciada e nunca é ouvida antes das decisões”, pontuou a dirigente.

Para Fernanda, a Vale quer fazer uma reparação mais barata e menos custosa para seus acionistas. “A verdade é que a mineradora é contrária a este processo coletivo. Se fosse ouvida, não mudaria sua posição. O que ela quer é que cada pessoa busque sozinha sua indenização, porque é mais fácil para não reparar”, analisa. 

Defensoria se manifesta 

Após a Vale recorrer a decisão, o desembargador André Leite suspendeu a decisão do juiz e as instituições de justiça foram intimadas a se manifestarem sobre o recurso da Vale. A DPMG se manifestou, então, no dia 16 de maio, em partes, contrária à decisão do juiz sobre o início da instauração da fase de liquidação coletiva de sentença (uma demanda das lideranças das cinco regiões atingidas). O fato que chama a atenção é que a Defensoria havia assinado a petição das instituições de justiça, acatada pelo juiz Murilo no dia 14 de março, que dava início à fase de liquidação da sentença. 

Durante a audiência atingidos da Bacia do Paraopeba realizaram um ato em frente ao Fórum para pedir justiça. Foto: Francisco Kelvim

Joelisia Feitosa, integrante da coordenação regional do MAB em Juatuba (MG), avalia o novo posicionamento da Defensoria como contrário aos interesses dos atingidos. “Infelizmente, a Defensoria afirma que devem ser buscadas soluções amigáveis com a Vale e que cada pessoa atingida deve buscar individualmente o reconhecimento, a comprovação e a reparação de seus danos individuais. Nessa petição, ela pede que seja feito um acordo com a empresa, mas não é possível fazer acordos com a Vale se ela nega a reconhecer os direitos da população, desde o simples direito à água, até a indenização individual”, afirmou.

A Defensoria Pública alega, na manifestação, que já há negociações de indenizações individuais via o Termo de Cooperação, firmado entre Defensoria Pública e Vale alguns meses após o rompimento. No entanto, esse termo de cooperação não considera o conceito de pessoas atingidas estabelecido pela legislação vigente – a Política Estadual de Atingidos por Barragens – e ignora as especificidades das realidades locais, excluindo milhares de pessoas do processo de negociação extrajudicial. Os danos reconhecidos, critérios e valores deste Termo não foram construídos com a participação das populações atingidas e o resultado é o não andamento de negociações e não reconhecimento de milhares de vítimas em toda a calha do Paraopeba.

A Vale, por sua vez, nega o direito à reparação individual e não aceita mais negociar com os atingidos ou cooperar em processos judiciais, dizendo que encerrou o Programa de Indenização Individual Extrajudicial (indenizações civis) em 24 de janeiro de 2022, quando o crime teria prescrito.

“Não é possível para os atingidos enfrentarem a Vale de forma individual. Eles teriam que buscar advogados, gerar provas e lidar com uma demora inconcebível”, pontuou Joelisia, do MAB de Juatuba. Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB, também avalia como contraditório o posicionamento da Defensoria. “É inadmissível para uma instituição que deveria defender os atingidos e os mais vulneráveis agir dessa maneira. Pedimos que seja averiguada esta conduta internamente. Os atingidos vão se manter firmes na defesa da decisão do dia 14/03 e não vão permitir mais um acordo de gabinete, sem diálogo e participação dos atingidos”, declarou.

Encaminhamentos da luta dos atingidos da Bacia do Paraopeba no dia 5 de junho de 2023:

Encaminhamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
O desembargador foi receptivo, ouviu as situações relatadas e afirmou que é necessário reparar e dar andamento ao processo o mais rápido possível para que atingidos não continuem vivendo e convivendo com tanta injustiça. Eles entregaram uma carta ao Desembargador André Praça Leite com o posicionamento em defesa da “liquidação coletiva” para dar condições para que atingidos de fato tenham uma reparação justa sobre o direito individual. Ver carta.   

Encaminhamentos Defensoria
As pessoas atingidas protocolaram uma denúncia de representação, na Corregedoria da DPE, criticando a postura dos defensores públicos diante da atuação contrária a do desejo da população atingida e pedindo apuração da conduta desses defensores com base na lei, no direito dos atingidos e nas regras da própria Defensoria. Agora cabe ao Corregedor Geral aceitar a denúncia e fazer as investigações. Acesse o link para ver a denúncia na íntegra. 

Encaminhamentos MPE
 
Para finalizar o dia, os atingidos e atingidas ocuparam o MPE e foram recebidos pelo procurador geral Jarbas Soares Júnior. Os atingidos reafirmaram o pedido de que o MPE continue mantendo a posição de defender a liquidação coletiva, decisão tomada na primeira instância.

Jarbas afirmou que o papel e compromisso da instituição é proteger e defender os atingidos e atingidas. Vão se manifestar nos próximos dias defendendo a vontade dos atingidos a respeito do processo coletivo, com acesso aos direitos individuais. 

“Nós entendemos que o processo coletivo é o mais adequado, é o mais rápido, é o que já está na mesa. Então, a inversão disso agora será muito prejudicial. As pessoas já estão passando necessidade e, se nós entrarmos nessa discussão agora, nós não vamos chegar a lugar nenhum”, disse o procurador-geral durante a reunião com atingidos.

Processo coletivo garante reparação mais justa

Para os atingidos e atingidas, quanto mais tempo demora a reparação dos danos individuais, mais se prolonga o sofrimento, as preocupações, a ausência de lazer, de água limpa, sem trabalho. Ou seja, ocorre o agravamento da situação de vulnerabilidade, desigualdade social e a dor das pessoas.  Nossa luta é pelo processo coletivo para que nem um atingido fique fora do seu direito.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens, a atual fase do processo coletivo continua uma possibilidade de reparação mais justa. Por tudo isso, os atingidos reafirmam a preferência pela via coletiva, com mais condições para lutar pelos seus direitos, um sistema de reparação mais justo, igualitário e com real participação da população atingida. 

Água e energia não são mercadoria!

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