São Paulo tem proliferação de ocupações próximas a barragens com risco de segurança
Capital paulista não tem política de segurança e direitos para atingidos que sofrem com operação irresponsável de barragens em áreas de risco
Publicado 17/04/2023 - Atualizado 17/04/2023
“Eu queria uma solução. Se fosse por mim, tirava todo mundo daqui debaixo. É muito sofrimento”.
Leonice Paula do Nascimento, 34, mora há aproximadamente um ano na região conhecida como Jardim Lapena, na zona leste da capital paulista, localizada na várzea do Rio Tietê. A área tem sofrido de forma recorrente com enchentes há pelo menos duas décadas, porém nunca com tanta intensidade e regularidade como agora.
“Eu acho que, assim, eles podiam ver o sufoco que a gente tá passando, pra ter noção. Mesmo não chovendo aqui, não tem por onde o esgoto correr. A água fica parada, água de banheiro” explica Leonice. A ocupação de regiões mais afastadas do centro urbano e suscetíveis aos alagamentos reflete a realidade de crescimento urbano descontrolado e sem planejamento, o aumento do preço dos imóveis em áreas mais centrais e a falta de políticas públicas eficazes para moradia.
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Toda a região do Jardim Lapenna está sob a influência da operação da Barragem da Penha, localizada no rio Tietê, cuja abertura e fechamento das comportas costuma causar o agravamento das inundações na região.
Apesar disso, de forma reiterada, o Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE responsável pela barragem, vinha informando que a operação da mesma não tinha relação com as enchentes na região e no Alto Tietê. Entretanto, em março, durante vistoria na barragem, o Departamento afirmou que 6 das 10 comportas não estavam em funcionamento e em abril foi iniciada manutenção.
Barragens como a da Penha demonstram uma das insuficiências da atual Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), instituída pela Lei Federal nº 12.334, de 2010 (alterada Lei 14.066, de 2020), que classifica o risco das barragens a partir do dano potencial associado ao rompimento, ao tipo de atividade e o tamanho de sua infra-estrutura, sem considerar as questões de segurança relacionados à operação dessas barragens, que de, forma cumulativa, podem gerar tanto impacto sobre o meio ambiente e a população ao redor, como no caso de um rompimento.
São Paulo tem hoje 7.177 barragens, sendo a maior parte delas (4.563) voltadas para a agricultura e pecuária, cerca de 1.000l para o abastecimento urbano e industrial, 110 para hidrelétricas e 69 para rejeitos de mineração, sendo as restantes destinadas a vários fins, como recreação e controle de vazão.
EVENTOS EXTREMOS AGRAVAM INSEGURANÇA E PODEM MULTIPLICAR NÚMERO DE ATINGIDOS
Segundo estudo da XDI Climate Risk, São Paulo é hoje a área mais suscetível às mudanças climáticas na América Latina. De acordo com levantamento da Defesa Civil, atualmente 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo. Apesar de não haver cruzamento dos dados de moradores no entorno das barragens, em muitos casos, em especial na região metropolitana, as barragens estão inseridas em um contexto de crescente ocupação urbana. Existe, portanto, uma ampla densidade populacional no entorno. Com a intensificação das mudanças climáticas e os eventos extremos, São Paulo pode ter não apenas atingidos pelas inundações, deslizamentos de terra, mas também problemas relacionados à segurança dessas barragens diante desses eventos, como as chuvas intensas.
Esse é o caso, por exemplo, do bairro de Perus, na zona norte da capital, que concentra a maior barragem de mineração da cidade de São Paulo, e, apesar de ter uma estrutura considerada de “baixo risco”, pelo volume armazenado, em caso de rompimento, tem um risco de dano alto, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM).
A barragem de sedimentos pedreira Juruaçu é composta por dois reservatórios que recebem os rejeitos da extração de brita e areia. A poucos quilômetros dali fica outra barragem, de Clarificação, que extrai o mesmo tipo de material. Ambas foram inspecionadas pela ANM em 2017, quando foi constatada uma série de irregularidades nas estruturas.
MAB COBRA POLÍTICA DE SEGURANÇA E DIREITOS
No final do último mês de fevereiro, o MAB protocolou uma solicitação de diálogo com a Prefeitura Municipal de São Paulo para debater a pauta de reivindicações dos atingidos, que incluí a criação de uma Política de direitos, segurança e proteção para as comunidades atingidas pelas barragens e pelos eventos extremos. Diante do não retorno da Prefeitura, o Movimento realizou um ato em frente a autarquia. Dessa vez, o grupo foi recebido por uma equipe da Casa Civil. Na reunião, foi decidida a composição de uma comissão entre representações dos atingidos e das secretarias municipais que envolvem as reivindicações e o retorno em uma reunião em até 20 dias. O prazo se encerrou esta semana.
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A mesma movimentação foi feita no último 30 de março com o Governo do Estado, porém, ainda sem resposta por parte do governo Tarcísio (Republicanos).