MAB debate políticas de direitos humanos em conferência na Assembleia Legislativa Gaúcha

Evento contou com participação de atingidos de diversos territórios do estado que apresentaram reivindicações ligadas à reparação de danos causados pelas barragens, ações para mitigação dos efeitos da seca e à criação de um marco legal para proteção dos seus direitos

Relatórios de reivindicações apresentadas no evento serão utilizados na definição de diretrizes para os Planos Estaduais de Direitos Humanos. Foto: MAB / RS

No último dia 10, a Conferência Livre: Atingidos por Barragens e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul debateu os eixos centrais da luta histórica por direitos e a pauta de reivindicações dos atingidos por barragens no estado.

A atividade, que aconteceu na Sala Adão Pretto da Assembleia Legislativa, foi uma preparação para a VI Conferência Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, que acontecerá nos dias 28 e 29 de abril deste ano, com o tema “Desafios para a promoção e garantia dos direitos humanos no Rio Grande do Sul”. Na ocasião, serão apresentados os relatórios produzidos durante as conferências livres – ferramentas a serem utilizadas na definição de diretrizes para a Política e para os Planos Estaduais de Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul. 

A conferência contou com duas mesas de debate: “Os direitos humanos e a luta pelos direitos dos atingidos por barragens”, e “Quais são as pautas do MAB para o resgate e valorização dos Direitos Humanos?”. A abertura e coordenação da atividade foi feita por Júlio Alt, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), e por Alexania Rossato, integrante da Coordenação Estadual do MAB. Segundo Alt, a militância do MAB expressa a luta por direitos humanos no cotidiano da organização. “Queremos saber qual bandeira o MAB pode levar para a Conferência Estadual como boas práticas”, afirmou. 

Na primeira mesa, Emiliano Maldonado, membro da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), apresentou um panorama das violações de direitos humanos ocorridas em grandes obras de barragens no Brasil, conforme apontado pelo relatório do atual Conselho Nacional de Direitos Humanos. Além disso, ele falou sobre o histórico da luta por um marco legal capaz de assegurar direitos aos atingidos (as), materializado na proposta da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB e da Política Nacional de Segurança dos Atingidos por Barragens, além da luta contra as privatizações no país.

Segundo Emiliano, a violação é sistêmica no Rio Grande do Sul.

“O estado possui a maior quantidade de barragens do Brasil. Na Bacia do Rio Uruguai, temos mais de 100 mil pessoas atingidas, em 300 comunidades de 50 municípios,  e uma área alagada de 58 mil hectares. Neste cenário, ainda querem construir mais barragens”, denunciou. 

Também estiveram presentes na mesa a deputada estadual Laura Sito (PT), atual presidenta da Comissão de Direitos Humanos da ALRS, e a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS). Rosário comemorou a aprovação do projeto de lei que garante pensão especial para crianças até 18 anos órfãs de mães vítimas de feminicídio e completou: “que este projeto seja uma homenagem à Débora Moraes e à luta de todas nós que sentimos e sofremos com ela. Ela, mãe, ela, lutadora, ela, militante do MAB, ela, moradora de uma região de barragem. Aqui fica minha homenagem a ela e à luta para que nenhuma mulher seja vítima de feminicídio”. 

Rosário apontou a necessidade de proposição de um novo marco para o Brasil, em que nenhuma barragem seja construída sem a plena informação e aceitação do povo atingido. Segundo ela, isso significa reforçar a responsabilidade das empresas e o respeito às populações já atingidas. Para a deputada, é preciso também avaliar novas formas de geração e distribuição de energia para atender as necessidades nacionais, sem prejuízo social e ambiental. Para tanto, a parlamentar propôs a realização de uma auditoria de amplitude nacional da capacidade instalada e do impacto das barragens existentes, para se pensar outro modelo energético ambientalmente seguro e socialmente justo, com energia acessível para as pessoas. Rosário apontou ainda a importância da aprovação do relatório fruto da Conferência Estadual para que chegue à instância nacional.

Políticas para os atingidos por barragens

A segunda mesa contou com as explanações de Leonardo Maggi, integrante da coordenação nacional do MAB e de atingidas por barragens das regiões Alto Uruguai, Metropolitana e Fronteira Noroeste. Em sua fala, ele destacou a necessidade da ampliação do conceito de atingidos e defendeu a constituição de um Fundo Nacional para viabilizar ações de reparação nos territórios atingidos e a criação de um organismo de participação no Ministério de Minas e Energia. De forma mais prática, ele defendeu a redução da tarifa de energia elétrica e a distribuição de cestas básicas e gás de cozinha para famílias atingidas em situação de pobreza.

Maggi ainda criticou a privatização da Corsan e defendeu a restituição da Política de Desenvolvimento de Regiões Afetadas por Empreendimentos Hidrelétricos e da Política Estadual dos Atingidos por Empreendimentos Hidrelétricos no Estado do Rio Grande do Sul, que estavam contidas no Decreto nº 51.595/14, revogado pelo governador Eduardo Leite em 2019. Outra pauta abordada foi a mitigação dos impactos da seca no estado que se refletem na vida do povo e a retomada do Luz Rural para as famílias da agricultura familiar do estado, revertendo o efeito do Decreto Federal 9.642/2018.

Maria Aparecida Luge, moradora do bairro Lomba do Pinheiro e atingida pela Barragem Lomba do Sabão, trouxe para o debate a dura realidade vivida pelas famílias que moram nos entornos da barragem. Nesse contexto, ela cobrou a construção dos Planos de Ação Emergencial e de Segurança, tendo em vista o risco real de rompimento da estrutura e da ausência de medidas por parte do poder público para garantir a segurança da população atingida. Também está na pauta da comunidade a manutenção da estrutura, a limpeza da área, o reassentamento e as indenizações para os moradores das áreas de risco, além de uma agenda de diálogo com o poder público local, que, hoje, se nega a receber os atingidos.

A deputada Maria do Rosário (PT/RS) defendeu um modelo energético mais justo e participativo no estado. Foto: MAB / RS

Tereza Pessoa, atingida pelo projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi e Panambi, denunciou a violação de direitos sofrida por um povo que já é atingido pelas outras sete barragens construídas rio acima, na Bacia do Rio Uruguai. Ela defendeu a garantia do direito de dizer “NÃO” à Garabi e Panambi, o acesso à informação e livre participação e políticas públicas de desenvolvimento regional, além de ações de mitigação dos impactos da seca.

Militante Joseane Tais Drea durante mística de abertura. Foto: MAB / RS

A coordenadora do MAB Tatiane Paulino apresentou a pauta das regiões Alto Uruguai e Altos da Serra, regiões históricas de luta do povo atingido, principalmente, pelas barragens de Itá, Machadinho e Barra Grande. Na região atingida pelos empreendimentos, as promessas de desenvolvimento regional nunca se concretizaram e os moradores ainda aguardam a reparação integral dos danos causados.

Na fala de encerramento, Alexania convidou integrantes do CEDH para estarem presentes na vigília em frente ao Fórum Central de Porto Alegre no amanhã, 15, por ocasião da 1ª audiência com as testemunhas de acusação do assassino de Débora Moraes. A coordenadora também falou sobre a reunião realizada no dia 13 de março com a Secretaria de Desenvolvimento Rural do estado para apresentação da pauta do MAB e sobre as articulações que vem sendo feitas junto ao Ministério de Direitos Humanos, para que seja atualizado o relatório síntese das violações de direitos em obras de barragens.

A conferência contou com a presença de atingidos (as) organizados (as) no MAB das regiões Alto Uruguai, Fronteira Noroeste, Metropolitana e Central, além de representantes de diversas organizações e mandatos parlamentares. O evento foi realizado a partir de uma parceria entre o MAB e o CEDH, juntamente com o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), RENAP, Fórum Justiça, Acesso, Cáritas Brasileira, Associação de Proteção da Vida e da Natureza do Vale do Rio Uruguai (ADEVINVARU) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).

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