Crime ambiental cometido pela CES Sinop Energia é explícito em decisão liminar
Juiz questiona o presidente da França, Emmanuel Macron, sobre impactos ambientais provocados pelas operações da Companhia Energética Sinop
Publicado 06/05/2022
Em liminar concedida nesta última terça-feira, 3, a 6° vara cível da Justiça Estadual em Sinop (MT) responsabiliza o consórcio CES Sinop Energia, que opera a UHE Sinop no Rio Teles Pires, por negligência relacionada às queimadas no perímetro do lago e entorno da UHE Sinop nos anos de 2018, 2019 e 2020.
A liminar atende a ação civil pública movida pelo coletivo de organizações da sociedade civil (IDC, IECO, AECAZ e COOPERVIA), que alega em juízo que os imensos focos de incêndio verificados nos últimos anos na região de abrangência do lago da UHE Sinop são decorrência da negligência do consórcio composto pelas empresas Electricité de France (EDF), CHESF e Eletronorte, por não apresentar nenhum plano de contenção de incêndios. Cabe destacar que boa parte da vegetação não foi retirada para enchimento do lago da Hidrelétrica: cerca de 15 mil hectares de floresta que hoje têm se tornado combustível para milhares de focos de incêndio.
O magistrado também ordenou expedição de carta rogatória à França, para que o presidente francês se manifeste sobre a atuação da CES Sinop Energia, tendo em vista que a empresa francesa EDF é majoritária no consórcio e o governo francês detém 84% da EDF.
Entenda o caso:
A história da UHE Sinop é permeada de conflitos, violações de direitos dos atingidos e crimes ambientais. São diversas ações movidas pelos Ministérios Públicos estadual e federal contra a CES Sinop energia contestando diversas irregularidades socioambientais durante todo processo de construção e operação da Hidrelétrica. Destaque para a ação civil pública movida pelo MPF que contesta os valores pagos pela Sinop Energia às famílias atingidas da Gleba Mercedes: a empresa pagou cerca de R$ 3.900,00 por hectare, valor muito abaixo do preço de mercado na região.
A UHE Sinop faz parte do complexo de hidrelétricas do rio Teles Pires e está localizada no município de Cláudia (570 Km de Cuiabá), atingindo diretamente também os municípios de Sinop, Sorriso, Ipiranga do Norte e Itaúba. A usina é de propriedade da Companhia Energética Sinop CES Sinop Energia – consórcio formado pelas empresas estatais Eletronorte e Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) com 49% das ações e pela empresa francesa Electricité de France (EDF), com 51% das ações. Teve suas obras iniciadas em janeiro de 2014 e o enchimento do lago e início da operação em 2019. Essa obra é formada por um reservatório de acumulação, no qual retém água nos períodos chuvosos formando uma “caixa d’água” que tem a função de regularizar a vazão do rio, diferente das três demais hidrelétricas abaixo que têm seus reservatórios a fio d’água.
Para a formação do lago da UHE Sinop, foram alagados cerca de 34 mil hectares, dentre eles 24 mil hectares de floresta amazônica. Para a formação de lagos artificiais a legislação brasileira exige que seja retirada toda vegetação antes da formação do lago. A Sinop Energia ignorou a lei 3.824/60 que “torna obrigatória a destoca e consequente limpeza das bacias hidráulicas dos açudes, represas ou lagos artificiais”.
Sendo assim, para esquivar-se desse dispositivo legal, o empreendedor usou um modelo matemático que apontava ser necessária apenas a retirada de 30% da vegetação. O que de fato ocorreu, mesmo com a apresentação de um parecer contrário, pois técnicos do Centro de Apoio Operacional CAOP/UFMT elaboraram três Relatórios (RT n. 887/2018, RT 888/2018 e RT 890/2018) que indicavam o equívoco do uso da modelagem matemática, sua ineficácia e, mesmo que se entendesse tecnicamente viável, existia a ineficiência na sua aplicação. Os relatórios técnicos recomendavam a não autorização do enchimento do reservatório enquanto não houvesse a completa supressão da vegetação, inclusive em razão dos efeitos sinérgicos que a UHE Sinop poderia gerar às demais hidrelétricas existentes na bacia do Teles Pires.
A recomendação orientou a portaria N.°35/2018 da 15ª e 16ª Promotoria de Justiça Cível de Cuiabá a contestar judicialmente tal modelo matemático. Pesquisadores, como Philip Fearnside do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), também contestaram o resultado apresentado pela modelagem matemática, mas ainda assim a SEMA/MT emitiu a autorização de supressão parcial da vegetação e licença de operação.
Em termos quantitativos, a empresa fez a supressão de cerca de nove mil hectares de um total de vinte quatro mil hectares de floresta; ou seja, cerca de quinze mil hectares ficaram submersos, isso equivale a quinze mil campos de futebol ou 1.841.145,14 m³ de material lenhoso que hoje apodrece dentro do lago. Como consequência dessa prática, nos anos de 2019 e 2020, houve quatro grandes mortandades de peixes, passando de 40 toneladas de peixes mortos. Por tal ação criminosa o empreendedor foi multado diversas vezes obtendo a soma de 90 milhões em multas.
Veja a matéria
SEMA multa UHE Sinop em 36 milhões
Embora pareça elevado o valor das multas, não se trata da metade do valor do custo que o empreendedor teria com a retirada da vegetação que ficou submersa – valor em torno de 200 milhões, segundo MPE. Esses números evidenciam que o modelo matemático aplicado não estava relacionado com a técnica e a ciência, mas sim com interesses econômicos. A vegetação que está em decomposição, além de gerar a morte da fauna aquática, consome o oxigênio da água e gera acumulação de gases de efeito estufa devido a matéria orgânica no fundo do reservatório, que tem como consequência direta a metilização de mercúrio, altamente tóxica.
Segundo Philip Fearnside, “em barragens de armazenamento, como Tucuruí e Sinop, a água no reservatório tende a estratificar em camadas que são separadas por temperatura. Há uma camada superficial, de 2-10 m de espessura (o epilímnio) com temperatura maior, e, por ser em contato com o ar, com presença de oxigênio na água. Uma divisória, chamada de termoclina, separa esta camada da camada mais profunda (o hipolímnio), que tem água fria e não mistura com a água da superfície. Nesta água profunda a primeira decomposição de matéria orgânica vegetal, e de carbono lábil no solo, forma CO2, assim retirando o oxigênio da água. Quando o oxigênio acaba, a decomposição forçadamente termina em metano, assim enriquecendo a água com este gás de efeito estufa […] A UHE Sinop é prevista para ter emissões bastante altas de gases de efeito estufa, como mostrado pelo trabalho publicado por de Faria e colegas[…] A UHE Sinop foi a recordista entre todas as 18 barragens amazônicas analisadas por de Faria e colegas” (FEARNSIDE, 2018, p.3)”.
Essa floresta tem ficado parte do ano submersa e outra parte descoberta, devido às sazonalidades do clima e os ditames da operação da UHE Sinop, tendo o lago oscilamento de 10 metros entre a cheia e seca. No período de baixa do lago, esse material lenhoso, chamado de paliteiro, tem sido combustível para diversos incêndios nessas áreas, que em muitos casos se espalham para as áreas vizinhas de assentamentos, chácaras e fazendas.
Diante de tamanha negligencia do empreendedor para com as famílias atingidas e com o meio ambiente o coletivo de organizações da sociedade civil (IDC, IECO, AECAZ e COOPERVIA) moveu ação civil pública, expondo a relação direta do vertiginoso aumento dos focos de incêndio na região e a UHE Sinop. A responsabilidade recai diretamente sobre a Sinop Energia por ausência de um plano sobre queimadas.
O gráfico acima dá uma demonstração dos focos de incêndio nas áreas de abrangência direta nos últimos dez anos. Nele pode-se perceber o aumento vertiginoso de focos a partir do ano de 2018, ano que coincide com o processo de supressão parcial da vegetação nas áreas de influência do reservatório da UHE Sinop. Dessa forma, a floresta passa por dois momentos letais: primeiro seu afogamento e, em seguida, sua carbonização.
Decisão Liminar visa corrigir injustiça e antecipar a novos impactos ambientais premeditados.
O Magistrado da 6° vara cível de Sinop, Mato Grosso, concedeu Liminar nesta última terça feira dia 03 de abril responsabilizando o consorcio CES Sinop Energia que opera a UHE Sinop no rio Teles Pires por negligências relacionados a queimadas no perímetro do lago e entorno da UHE Sinop.
A decisão liminar é em atendimento ação civil pública movida pelo coletivo de organizações da sociedade civil (IDC, IECO, AECAZ e COOPERVIA), o magistrado em sua decisão deferiu que a CES Sinop Energia faça: “1) Identificação imediata das áreas de preservação permanente (APP) sob responsabilidade da CES com material potencialmente combustível exposto, para que medidas de prevenção a incêndios abaixo elencadas sejam tomadas urgentemente; 2) Construção e manutenção de aceiros ao redor das APPs; 3) Monitoramento remoto diário de focos de calor, tendo como exemplo o site do Programa Queimadas do INPE, considerando toda a extensão da Área de Influência Direta (AID) da UHE Sinop citada no RIMA, bem como o monitoramento remoto diário de focos de queima no entorno da AID que possam se alastrar em direção às áreas sob responsabilidade da CES; 4) Formação de uma equipe da CES para inspeção imediata em campo para combate de qualquer foco de queima detectado remotamente por satélite no dia, que esteja na área total de abrangência da AID da UHE Sinop citada no RIMA; 5) Contratação SUFICIENTE de brigadistas nos meses de seca para combate a incêndios na área de influência direta da usina; 6) Formação e capacitação de, ao menos, 03 (três) brigadas de combate a incêndio, compostas por 10 (dez) brigadistas das comunidades da área de influência direta da usina; 7) Produção e entrega de materiais com informações às comunidades da área de influência direta da usina, relevantes às boas práticas para evitar incêndios, prejuízos ecológicos, econômicos e sociais dos incêndios, além da questão do uso e manejo do fogo de forma adequada, sem riscos de incêndios acidentais; 8) Aquisição de maquinários e equipamentos de proteção individual para combate ao fogo, disponibilizados nos 03 (três) pontos de localização das brigadas a serem formadas na área de influência direta da usina para uso exclusivo dos brigadistas capacitados, sendo responsabilidade da CES manter o maquinário abastecido de combustível, bem como realizar as revisões periódicas no maquinário para seu bom funcionamento; 9) Plano de Comunicação eficiente entre proprietários, vigilantes e brigadistas, sob pena de FIXAÇÃO de MULTA DIÁRIA de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a partir do primeiro dia de descumprimento do prazo acima fixado.”
O magistrado também ordenou expedição de carta rogatória a França, para que o presidente francês se manifeste sobre a atuação da CES Sinop Energia, tendo em vista que a empresa francesa EDF é majoritária nesse consórcio e o governo francês detém 84% da EDF. Além de designar inspeção judicial a ocorrer no dia 16 de agosto de 2022, às 13:00hrs, na área de influência direta do reservatório da hidrelétrica de Sinop – MT sob atuação da Companhia Energética Sinop S.A (CES).
Abaixo decisão na integra.
Energia Limpa?
Mesmo com todas as irregularidades e crimes ambientais, o empreendimento se apresenta e vende publicamente a imagem de socialmente responsável e ambientalmente correto, que está ajudando com o desenvolvimento sustentável da região através da produção de energia limpa.
Essa publicidade da Sinop energia é confrontado pela realidade, principalmente pelas famílias que moram as margens do lago da Usina, como evidenciado na fala de um atingido que mora às margens do lago: “Eles vêm aqui só para acabar com a natureza, dizer que vai gera energia limpa. Vê se tem cabimento que isso é uma energia limpa? Uma pauleira suja dessas aí, caindo dentro do lago, matando os peixes, secando um lago, você sabe disso que já morreu vários peixes, aí chegando dizendo que é energia limpa, isso não é energia limpa, isso é um descaso, acabando com a natureza.” (Atingido Z).
O Programa de Conservação e Uso do Reservatório Artificial (PACUERA), que tem a finalidade de fazer a reconstituição das áreas de preservação permanente e estabelecer uma política de uso do lago e seu entorno, não saiu do papel e não foi apresentado a comunidade atingida, isso tem deixado as famílias na incerteza sobre as possibilidades de fazer uso dessa água e do entorno do lago. As dúvidas que pairam são: como ficará a outorga dessa água, se será possível a criação de peixes em tanque redes, se será possível utilizar a água para irrigação, se será possível ter áreas de lazer nessa faixa e como ficarão as áreas de acesso ao lago, seja para uso humano e bebedouro dos animais.
Outro impacto é em relação aos animais silvestres que habitam essa região, pois com o enchimento do lago, os corredores ecológicos que faziam ligação com as áreas de reservas foram rompidos e sem a reconstituição das áreas de preservação permanente muitos estão ameaçados de existência, entre eles as espécies de primatas Plecturocebus grovesi, macaco-aranha-de-cara-preta (Ateles chamek), sauá-de-Mato Grosso (P. vieirai), mico-de-Schneider (Mico schneideri).