6 anos após crime de Mariana, 344 famílias ainda aguardam reconstrução das casas destruídas pela lama

No dia do aniversário do crime que devastou a Bacia do Rio Doce, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou atos simbólicos em Mariana (MG) e Governador Valadares (MG) cobrando justiça

Ato na Praça Minas Gerais em Mariana reuniu atingidos de Mariana e Brumadinho após 6 anos do rompimento da Barragem do Fundão. Foto: MAB

Atingidos pela barragem de rejeitos do Fundão, de propriedade da Samarco (Vale/BHP Billiton), se reuniram ontem, 5, após seis anos do rompimento, para denunciar a impunidade das empresas envolvidas no crime que matou 19 pessoas, provocou um aborto e derramou 48,3 milhões de metros cúbicos de lama com rejeitos na natureza, devastando o Rio Doce e afetando 40 cidades no caminho. Durante os atos organizados pelo MAB, os participantes cobraram a construção das casas destruídas, a punição dos envolvidos e a indenização de todas as pessoas que tiveram seu modo de vida afetado, inclusive na questão do acesso à água.

O dia de protestos começou na Praça Minas Gerais, em Mariana, com um encontro entre atingidos da bacia do rio Doce e da bacia do rio Paraopeba promovido pelo MAB e pela Cáritas – MG.  Durante o ato, atingidos falaram sobre o desamparo das vítimas dos dois crimes e o descumprimento dos acordos judiciais relacionados à reparação das condições ambientais e socioeconômicas dos territórios.

Uma das demandas mais urgentes apontadas é a entrega dos reassentamentos para os moradores das comunidades destruídas. No que diz respeito aos acordos realizados, há uma série de descumprimentos de prazos, diversos deles estabelecidos pela própria empresa ou por decisão judicial. A última delas determinava que, em fevereiro de 2021, deveriam estar construídos os 3 reassentamentos propostos no plano de reparação. Os reassentamentos de Gesteira e Paracatu de Baixo não têm nenhuma das 100 casas prometidas. No reassentamento de Bento Rodrigues apenas 10 moradias das 244 foram finalizadas depois de quase 6 anos. Não há prazo para a conclusão das obras. 

Por isso, como parte dos protestos, durante o dia de ontem, também houve uma visita à comunidade de Paracatu de Baixo e ao canteiro de obras do reassentamento onde o povoado deveria ter sido reconstruído. Após seis anos, a única etapa das obras concluída é a terraplanagem do terreno. Na visita, atingidos falaram sobre a longa espera das casas e mencionaram casos de depressão entre os mais velhos e a perda de familiares que morreram antes de terem o direito de voltar para suas terras e suas moradias.

A programação do dia também incluiu uma missa no distrito de Bento Rodrigues, a celebração ecumênica e um ato realizado pelo MAB e o Fórum Permanente em Defesa do Rio Doce em Governador Valadares.  

Segundo Letícia Oliveira, da coordenação do MAB, a data do 05 de novembro é importante para denunciar que os atingidos seguem lutando para terem seus direitos garantidos. “Nós estamos fazendo esses atos para denunciar que seis anos depois de um dos maiores crimes ambientais do país não há justiça. A justiça não está agindo nesse processo, não há ninguém preso, não há ninguém respondendo por esses crimes e não há justiça nos territórios atingidos. O crime da Samarco não tem reparação ainda. Há apenas 10 casas construídas em Bento Rodrigues. Então esse tem que ser um dia de luta para que a gente consiga dar o recardo de que o crime da Samarco não tem reparação ainda. Os atingidos precisam seguir nessa caminhada em busca dos seus direitos”, afirmou.

Jerônimo Batista ex-morador do Povoado de Paracatu de Baixo. No reassentamento onde sua casa deveria ter sido reconstruída pela Samarco, só foi realizada a terraplanagem dos terrenos até agora.

Jerônimo Batista, ex-morador do povoado Paracatu de Baixo, conta que escapou da morte carregando um documento e uma lanterna quando fugiu para a parte alta da comunidade, tendo que carregar sua mãe de 91 anos nas costas. “Tudo que a gente construiu uma vida inteira a lama levou em poucos minutos”. Hoje, ele espera ansioso pela entrega da sua nova casa, porque mora na cidade de Mariana, mas perdeu as terras onde cultivava alimentos, como feijão, milho, frutas e criava galinha, porco e gado.

“Aqui a gente não tem mais a terra pra plantar, não tem mais os vizinhos, não tem os amigos, porque estão todos espalhados cada um para um canto”, conta o atingido que recebe um valor de aluguel das mineradoras, mas até hoje luta na justiça para receber sua indenização. “Ninguém está preso. Eu esperava que as pessoas que fizeram isso estivessem presas”, desabafa o atingido.

Elias Oliveira, morador de Paracatu de Baixo, com ruína da casa dos familiares ao fundo.

Outro morador do distrito, Elias Oliveira, se recusou ir embora de Paracatu de Baixo. Depois que sua casa onde cresceu com 11 irmãos e a de vários familiares foram destruídas pelos rejeitos da Samarco, ele contou que foi morar de favor na casa de uma irmã, uma das poucas que permaneceu de pé no povoado. Hoje, apenas ele e mais 5 pessoas seguem vivendo na comunidade entre ruínas de casas e da escola que ainda está tomada pela lama. No último domingo ele perdeu o pai, que morreu sem conhecer sua nova casa.

“É difícil ficar aqui sem eles, sem meus irmãos, sem os pais, sem a comunidade. Mas não consigo ficar em Mariana nem um minuto, porque meu coração me pede pra ficar nesse lugar. Aqui eu tomo conta da igreja, eu tomo conta do cemitério e aqui eu vou ficar até construírem nossas casas. À noite é uma solidão, é uma tristeza, porque você vê um lugar onde tinha uma comunidade unida, à noite virar um deserto. A gente fica aqui com muita fé em Deus que em breve as nossas casas vão estar prontas. No futuro cada um vai voltar pras suas casas nos seus territórios, onde nasceu e foi criado.”

O processo de repactuação

Há seis anos, crime da Vale/Samarco/BHP matou 19 pessoas e impactou o modo de vida de 1,4 milhões de pessoas em toda a Bacia do Rio Doce – Foto: Mídia Ninja

Seis anos após o crime, os governos de Minas Gerais e Espírito Santo tentam renegociar os termos do compromisso que a mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton assumiram para reparar parte dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão.

As discussões sobre um novo e definitivo acordo (após o descumprimento dos Termos de Ajuste de Conduta já realizados) estão sendo mediadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Elas tratam da metodologia, do cronograma e das propostas para dar maior celeridade às ações de reparação hoje executadas pela Fundação Renova. A Fundação foi criada pela Samarco para executar os programas ambientais e socioeconômicos com ações de saúde, educação pública, turismo e infraestrutura que deveriam ser executadas para compensar os estragos causados às cidades afetadas na calha do Rio Doce.

Segundo o MAB, porém, a Renova, além de não executar as ações para as quais foi criada, tem atuado de forma a aprofundar as injustiças já praticadas no território. Por isso, o Movimento tem defendido que os atingidos precisam ser ouvidos nesse processo de repactuação sobre os principais danos que tem sofrido e as ações que consideram prioritárias.

“A mesa de repactuação aberta no Rio Doce mediada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não abriu espaço para uma real participação. Duas audiências públicas já foram realizadas, mas sem incidência real nas discussões, o que mostra que modelo de reparação continua sendo o mesmo após 6 anos sem grandes resultados e que não há abertura para mudanças. A injustiça com os atingidos continua sendo a consequência desse modelo de reparação”, afirma a coordenação do MAB.

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