Assembleia Legislativa do Espírito Santo realiza audiência sobre o Rio Doce

A audiência pública “Novo acordo do Rio Doce e seus reflexos no Espírito Santo” tratou do processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG) há quase seis anos

Na manhã da última terça, 24, os camaroeiros e trabalhadores da cadeia produtiva da Praia do Suá (Vitória – ES) atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton, de 2015, se reuniram para realizar uma marcha de protesto. Os atingidos saíram da Praça do Papa em direção à Assembleia Legislativa do Espírito Santo, onde aconteceria uma audiência sobre o crime. Na Assembleia, eles se somaram a outros atingidos de diferentes municípios do estado como Conceição da Barra, Linhares, São Mateus e Colatina. O objetivo era denunciar, durante a sessão, as injustiças e atrasos no processo de reparação do Rio Doce.

Após quase seis anos do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), crime que devastou o Rio Doce e impactou milhares de vidas, houve poucos avanços em relação à reconstrução das comunidades, reparação dos danos às pessoas atingidas e ao meio ambiente. Por isso, muitos atingidos, como Alessandra Gobi, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), demonstraram indignação com o descaso que estão sofrendo. “É assustador, após seis anos desse crime ambiental, o pior da história do nosso país, eu precisar me deslocar até aqui pra clamar por socorro. A visão da nossa comunidade é que até agora nada foi feito”, afirmou a militante que é de Colatina (ES).

Alessandra ressaltou ainda os impactos sobre a saúde do atingidos, lembrando que o único recurso hídrico em Colatina é o Rio Doce, onde não há, até hoje, nenhum programa de recuperação das águas: “estamos condenados a viver com a água contaminada. Até que ponto vai causar prejuízo a nossa saúde? Precisamos urgentemente falar sobre a saúde dos atingidos. Eu peço aos senhores aqui presentes que trabalhem para isso e nos ajudem.”

André Pimentel, procurador do Ministério Público Federal

A audiência foi organizada pela deputada estadual Iriny Lopes (PT) e contou com a presença dos deputados estaduais Hudson Leal (Republicanos) e José Eustáquio de Freitas (PSB). Além deles, também estiveram presentes membros de instituições de Justiça como o procurador do Ministério Público Federal, André Pimentel, e o defensor público estadual, Rafael Portela, que atuam no processo do Rio Doce. Na mesa, também estavam a professora da Universidade Federal do Espírito Santo e integrante do Observatório do Rio Doce, Raquel Lucena Paiva, e os pescadores e coordenadores do MAB, Leandro Paranaguá (vereador de Conceição da Barra) e João Carlos Gomes (presidente do Sindicato dos Pescadores Autônomos do Estado do Espírito Santo – Sindpesmes).

Todos os presentes foram unânimes em apontar a incapacidade da Fundação Renova em solucionar os problemas vividos pelas comunidades atingidas. O procurador André Pimentel ressaltou também as dificuldades que o MPF tem encontrado na 12ª Vara e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para buscar respostas para os problemas dos atingidos: “a Fundação Renova e as empresas se sentem muito à vontade para manter esse comportamento de negar direitos que os atingidos esperam que sejam reconhecidos”, afirmou.

Na ocasião, diversos relatos de atingidos revelaram as consequências deste crime que perduram até hoje e são sentidas nas comunidades. As denúncias incluem questões econômicas e de saúde física e mental dos atingidos. Andressa Schwartz, presidente da Associação dos Pescadores de Maria Ortiz, de Colatina, desabafou: “meu pai era uma pessoa feliz, hoje não é mais. Esse crime acabou com nossas vidas, nosso sustento e nossa alegria. Precisamos de uma solução.”

Andressa Schwartz, presidente da Associação dos Pescadores de Maria Ortiz, de Colatina (ES)

A solução proposta pelas mineradoras atualmente é a chamada “Repactuação do Rio Doce”- um novo acordo que conta com a participação dos governos estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo e com a mediação do Conselho Nacional de Justiça. “Mais uma vez, como demonstrado na audiência, os atingidos lutam para ter participação no processo em busca de uma reparação justa e integral”, afirma Heider Boza, da coordenação estadual do MAB.

“Nós não pedimos para sermos atingidos. Muitas mulheres atingidas não foram reconhecidas, perderam seus trabalhos e hoje passam necessidade. Nesse novo acordo, os atingidos têm que ter voz e participação. Faço um apelo ao governo do estado que nos escute”, afirmou Sílvia Lafaiete Pires, presidente da Associação de Moradores, Pequenos Agricultores, Pescadores e Marisqueiros de São Miguel e Ilha Preta de São Mateus (ES).

Sílvia Lafaiete Pires. de São Mateus (ES)

“Nós, do MAB, sempre defendemos o papel do estado na reparação, porque quando a Renova não funciona vai sobrecarregar o postinho, vai sobrecarregar o CRAS e, em última instância, quem vai ter que atender é o Estado mesmo. Tudo que não foi feito pela Fundação Renova, quem vai ter que assumir é o Estado”, declarou João Paulo Izoton, atingido de Regência (ES), que é da coordenação estadual do MAB.

Política Estadual de Atingidos por Barragens

A audiência também foi a oportunidade para o MAB apresentar uma de suas bandeiras de luta: A Política Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB). “Entendemos que o Estado tem que retomar o seu protagonismo nos processos de reparação dos danos, custeado pelas empresas rés. Por isso, consideramos importante a aprovação de uma lei que especifique os deveres das companhias envolvidas nesse tipo de crime (rompimento de barragens)”, explicou João Paulo, da coordenação estadual do MAB. Ele afirma o objetivo é resguardar os direitos da população atingida. “A PEAB é um instrumento que pode conferir a tão falada ‘segurança jurídica’ às partes envolvidas no processo”, complementou o coordenador.

João Paulo Izoton, atingido de Regência (ES) e coordenador estadual do MAB

Focada no direito dos atingidos, a PEAB tem quatro pontos principais que dizem respeito ao cadastro das pessoas atingidas, às formas de reparação, aos direitos dos atingidos e a um fundo estadual que subsidie a execução dos planos de reparação. “Esses planos devem sempre ser discutidos de forma livre, prévia e informada com os indivíduos e comunidades atingidas”, ressalta Heider Boza.

A defensoria pública do Espírito Santo divulgou uma nota técnica sobre a PEAB que pode ser acessada no link.

O grande encaminhamento da audiência foi a constituição de um Grupo de Trabalho (GT) envolvendo a Defensoria Pública, o Ministério Público, representações dos atingidos e da Assembleia Legislativa para propor ao governo mecanismos para uma reparação integral dos danos causados por este que é o maior crime ambiental da história do país.

Distribuição de peixes na Praça do Papa

Durante ato de solidariedade na Praça do Papa foram distribuídas 2,4 toneladas de peixes

Antes da audiência, os camaroeiros e representantes da cadeia produtiva da Praia do Suá anunciaram que realizariam um ato de solidariedade na Praça do Papa com a distribuição de peixes ao término do evento público. Durante evento, formou-se uma fila persistente de pessoas aguardando a doação. “Isso comprova a situação de vulnerabilidade do povo diante da grave crise econômica que atravessamos”, avaliou Heider.  Ao todo foram distribuídas 2,4 toneladas de peixes para mais de duas mil pessoas que compareceram para receber o alimento. Também foram distribuídas 300 marmitas para as famílias que estavam na fila.

Além de apoiar as famílias em situação de insegurança alimentar, o objetivo do ato era gerar  visibilidade para a luta pela reparação justa para os trabalhadores da cadeia da pesca que são fundamentais para a economia e cultura do Espírito Santo. “Enquanto os pescadores tiveram seus direitos reconhecidos, quem trabalha no pré e no pós pesca segue amargando prejuízos seis anos após o crime, com a redução drástica do volume de camarão que o setor tradicionalmente produz.  O sentimento geral foi de dever cumprido e da possibilidade de realizar novas ações do tipo em lugares diferentes”, declarou Izoton.

“Muitos atingidos não sabem ler nem escrever e estão sendo enganados por advogados particulares. Na repactuação, o atingido tem que ter voz própria, falar com suas próprias palavras. Se tiver que ter advogado, que seja a Defensoria Pública e o Ministério Público, como foi o que aconteceu no nosso trabalho aqui de autodeclaração e indenização dos camaroeiros”, afirma João Carlos, presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo.

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