Direitos humanos e empresas em debate na ONU: por um basta à impunidade das corporações

Diante dos crimes cometidos pelas empresas transnacionais em todo o mundo, movimentos populares tem se unido pra reivindicar a responsabilização das corporações.

Para os atingidos e as atingidas pela atuação dessas corporações em seus territórios esse Tratado pode representar um giro normativo que fortalecerá suas lutas e as demandas de acesso à justiça – Agência Brasil

Há muitos anos movimentos populares ao redor do mundo vêm denunciando as violações aos Direitos Humanos cometidas pelas empresas transnacionais. Em dezembro de 1972, Salvador Allende fez um discurso histórico sobre o avanço das corporações contra seu governo, alertando os Estados para a urgência do debate, inaugurando a agenda de direitos humanos e empresas na Organização das Nações Unidas (ONU).

No cerne da questão está o fato de que embora as violações dos Direitos Humanos cometidas pelas transnacionais através das suas cadeias de produção sejam óbvias, os Estados são normalmente incapazes de punir os culpados ou de proporcionar reparações às vítimas, por estarem capturados pelos interesses das empresas ou por sofrerem sanções econômicas quando buscam responsabilizar as mesmas.

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As empresas transnacionais cometem crimes ao longo das suas cadeias globais de abastecimento, violam os Direitos Humanos de indivíduos, grupos e comunidades, e estas violações, na maioria dos casos, resultam em impunidade para as empresas e ausência de acesso à justiça para as vítimas. Nos últimos 20 anos se desenvolveram várias normativas voluntárias (soft law) que protegem essa arquitetura da impunidade corporativa. Entre elas os Tratados de livre comércio e investimentos. Em oposição a isso movimentos populares ao redor do mundo se organizam para reivindicar instrumentos vinculantes nos quais as empresas tenham obrigações diretas para serem responsabilizadas, além de outros mecanismos que possam diminuir a assimetria de poderes entre corporações e povos.

Resultado dessa luta, em 2014 se aprovou, a resolução nº. 26/9 no Conselho de Direitos Humanos da ONU que criou um grupo de trabalho intergovernamental para a elaboração de um Tratado Vinculante de Direitos Humanos e Empresas. Essa semana, em Genebra, o grupo se reúne para sua 7ª sessão de debates, avançando para a análise do terceiro texto apresentado pela Presidência do Equador, abrindo as negociações artigo por artigo. As expectativas da sociedade civil são de avançar para um conteúdo de responsabilização direta para empresas transnacionais e o reconhecimento de que as empresas violam Direitos Humanos.

O Brasil, na esteira de sua atuação anti-gênero no cenário internacional, defendeu a retirada no preâmbulo da Convenção nº. 190 da OIT que fala sobre violência de gênero, sobre isso, houve uma reação contrária massiva da maioria dos países que se posicionaram neste segundo dia de negociações. A intervenção do representante do Brasil, reforçou uma política de “primeiro o lucro depois a vida”, já vista na gestão deste governo na pandemia da covid-19 no país. Segundo a deputada Fernanda Melchiona, presente na seção: “(…) é escandalosa a posição oficial do Brasil aqui, que não representa os atores políticos, movimentos sociais, os grupos coletivos, atingidos, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), indígenas, e o conjunto de organizações que discute isso a muito tempo”.

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Ainda é incerto o futuro da agenda, a metodologia de trabalho do grupo não está clara para os participantes, e certamente será um dos desafios para o avanço de marcos normativos fortes para a responsabilização das empresas. As mais de 250 organizações e movimentos populares do mundo lançaram um comunicado de imprensa com suas preocupações.

Para os atingidos e as atingidas pela atuação dessas corporações em seus territórios esse tratado pode representar um giro normativo que fortalecerá suas lutas e as demandas de acesso à justiça.

*Tchenna Maso é advogada popular junto ao MAB, doutoranda em direito PPGD/UFPR, pesquisadora no grupo EKOA direito socioambiental/UFPR e no HOMA/UFJF.

**Julia Garcia é Geógrafa, militante do MAB, secretária da Campanha Internacional pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania Popular.

***Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.

****Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo

*Texto originalmente publicado no Jornal Brasil de Fato

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