Rompimento da barragem em Mariana elevou em até cinco vezes níveis de fósforo do estuário do Rio Doce

Contaminante presente no local está acima do permitido pela legislação brasileira; danos ambientais são percebidos até os dias de hoje, seis anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Minas Gerais


Em 2017 (dois anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais), os níveis de fósforo dissolvidos em água presentes no estuário do Rio Doce, em Regência (ES), ultrapassaram em cinco vezes os permitidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). As informações fazem parte do doutorado de Hermano Melo de Queiroz, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Um artigo, com mais detalhes do estudo, foi publicado no último mês de janeiro no Journal of Environmental Management.

Imagem do Rio Doce cedida pelo pesquisador

Considerada uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, a barragem do Fundão (de propriedade da empresa Samarco e controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton) se rompeu em novembro de 2015 e despejou cerca de 50 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro por 600 quilômetros (km) rio abaixo, além de provocar a morte de 19 pessoas.

O óxido de ferro é um mineral naturalmente presente em vários tipos de solo e é o principal componente dos resíduos liberados pela quebra da barragem. A grande preocupação dos pesquisadores é que esse mineral tem grande afinidade com o fósforo. Quando esses dois elementos se encontram, ocorre um processo geoquímico que traz consequências sérias ao meio ambiente. “Nessa interação, o fósforo é dissolvido e imediatamente liberado para o ecossistema”, explica Queiroz.

Até chegarem ao estuário, os rejeitos passaram por diversas cidades, fazendas e vilas, deixando uma degradação ambiental de cerca de 240 hectares de mata atlântica. Quanto mais se deslocavam, mais reações químicas eram observadas. “Podemos imaginar que o óxido de ferro agiu como uma esponja, pegando todo esse fósforo ao longo do caminho e o despejando na bacia do Rio Doce.”

Os dados da pesquisa de Queiroz atualizam os dados até 2019, mas, de acordo com o pesquisador, materiais contaminantes ainda chegam ao local. “O volume liberado pelo desastre continua espalhado ao longo desses 600 quilômetros”, afirma. “Em 2015, por exemplo, os rejeitos formavam uma camada de 3 centímetros, aproximadamente; atualmente, a camada chega a 40 cm.”

“Nossos resultados indicam que os óxidos de ferro estão funcionando como uma fonte contínua de fósforo para o ecossistema estuarino, que podem aumentar o risco de eutrofização da bacia hidrográfica”, alerta o pesquisador.

Imagen do Rio Doce cedidas pelo pesquisador

Queiroz realizou sua tese em 2017, ou seja, dois anos após o rompimento da barragem. O pesquisador foi até o estuário e coletou amostras de solo e de água com o objetivo de avaliar os prejuízos ambientais causados pelo acúmulo de fósforo no local ao longo do tempo. “Nossos resultados indicam que os óxidos de ferro estão funcionando como uma fonte contínua de fósforo para o ecossistema estuarino, que podem aumentar o risco de eutrofização da bacia hidrográfica”, alerta o pesquisador.

Eutrofização é o processo que desencadeia a produção excessiva de plantas aquáticas (em especial, algas), resultando em um esgotamento do oxigênio na água e a morte de diversos animais, como peixes.

Primeiras coletas

Os rejeitos dos minérios de ferro demoraram cerca de 15 dias para atingir o estuário do Rio Doce após o rompimento. As primeiras coletas foram feitas por um grupo de pesquisadores liderados por Tiago Osório Ferreira, professor do Departamento de Ciências do Solo da Esalq, apenas sete dias depois da contaminação da bacia.

À época, foram coletadas amostras do solo e da água do local e levadas ao laboratório para posterior identificação do material presente nelas. Após análises, o grupo identificou que os óxidos de ferro eram predominantes. Uma análise de fracionamento foi realizada para entender as possíveis interações do ferro com outros elementos. “Os resultados indicaram essa alta afinidade do ferro com o fósforo”, enfatiza Queiroz. Todo esse processo foi importante para fazer um primeiro diagnóstico do que estava acontecendo por lá.

Solo de Mariana – Foto cedida pelo pesquisador

Já em 2017, Queiroz decidiu dar continuidade ao trabalho de Osório Ferreira e revisitou os locais amostrados dois anos antes. As análises mostraram que, pelo processo de redução, houve uma perda de ferro no solo e aumento dos níveis de fósforo na água.

O trabalho do pesquisador forneceu dados até 2019, mas, segundo ele, outras pesquisas vêm sendo realizadas pelo grupo de Ferreira. “Em cada período de chuva ou de cheia do rio, mais material contaminante chega à bacia do Rio Doce”, diz Queiroz. “Esse é um dos legados do meu trabalho: o de compreender os desdobramentos dessa tragédia.”

Segundo dados do Ministério Público Federal (MPF), o desastre de Mariana afetou 41 cidades entre Minas Gerais e o Espírito Santo, degradou 241 hectares de Mata Atlântica, além de matar o equivalente a 14 toneladas de peixes.

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