Pescadores e agricultores ainda lutam por reparação dois anos após rompimento em Brumadinho
Atividades econômicas diretamente impactadas pelo crime da Vale até hoje não conseguiram voltar à normalidade com a falta de assistência da empresa e o Paraopeba poluído
Publicado 13/01/2021 - Atualizado 11/03/2021
Há dois anos, em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, deixou mais de 270 vítimas fatais e uma série de danos à natureza que são sentidos até hoje.
Segundo levantamento realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica poucos dias após o desastre, ao menos 305 quilômetros dos quase 550 quilômetros do rio Paraopeba foram contaminados pelos rejeitos liberados. A expedição percorreu estradas próximas ao leito do rio, de Brumadinho a Felixlândia, e a qualidade da água foi avaliada em 22 pontos do Paraopeba.
Os quase 12 milhões de metros cúbicos de rejeito destruíram comunidades e deixaram um rio poluído. Com isso, atividades extrativistas, como a agricultura e a pesca, foram diretamente impactadas. Sem acesso à água potável, famílias de 16 comunidades passaram a ser abastecidas pela mineradora através de caminhão pipa, conforme decisão judicial.
Segundo estimativa da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), entre 350 e 400 produtores rurais podem ter sido prejudicados pelo rompimento. Cláudia Freitas, agricultora e moradora da comunidade da Reta do Jacaré, em Mário Campos, conta que após esses dois anos, a sensação que ela tem é que “a vida parou”.
“A gente é refém da Vale, a gente vive à mercê dessa empresa criminosa e hoje não temos liberdade para fazer nada. Temos que ficar esperando por água”, reclama a agricultora moradora de Mário Campos.
Ela conta, ainda, que famílias produtoras estão enfrentando dificuldades para produzir porque a empresa tem reduzindo o volume do abastecimento, não havendo quantidade suficiente para a agricultura.
“Hoje, dos 120 mil litros de água, estão vindo 20 mil litros. Isso é uma vergonha, não dá nem para manter o sítio”, protesta a agricultora Cláudia, que afirma que o maior objetivo é ver o rio Paraopeba limpo novamente.
A lama da mineração também matou espécies de peixes e levantou suspeitas quanto à qualidade do pescado do Paraopeba, ameaçando a subsistência de comunidades ribeirinhas. O pescador Sebastião da Cunha, que vive próximo a Brumadinho, conta que já chegou a pescar uma curimba de 6,5 kg mas se surpreendeu com os ferimentos na pele do animal.
“Eu pegava o peixe do rio para alimentar minha família. A Vale destruiu tudo. A gente não podia chegar perto do rio porque era uma carniça. Como vamos nos alimentar de um peixe desses?”, fala com indignação o pescador.
Medidas emergenciais
Recentemente, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) realizou o lançamento da Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba. A Região 1 refere-se a Brumadinho e a Região 2 contempla os municípios de Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas. O documento foi elaborado com a participação de mais de sete mil moradores das cidades e sistematizado pela Assessoria Técnica Independente (ATI).
Segundo o relatório, a renda dos moradores das seis cidades foi impactada após o rompimento. Dentre os entrevistados de Brumadinho, 54,7% dos atingidos afirmam não exercer atividade remunerada no momento. Dentre os ocupados, 5% são agricultores familiares. Destaca-se que o município de Brumadinho conta com uma vasta área rural, onde parte das dinâmicas familiares de economia, trabalho e renda estão relacionadas às atividades agrárias e dependente de recursos naturais como água e solo.
Entre os entrevistados da Região 2, o número de pessoas sem atividade remunerada é ainda mais alto: 65,51%. Nos municípios de Mário Campos e São Joaquim de Bicas, que têm como centralidade na economia atividades agropecuárias, 58% e 60% dos entrevistados, respectivamente, afirmaram ter sofrido danos muito alto e alto relacionados ao trabalho e renda após o desastre.
Neste sentido, foram pensadas medidas prioritárias que devem ser adotadas com urgência para mitigar os danos provocados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A. Muitas dessas medidas são urgentes para a sobrevivência de pescadores e agricultores.
Exemplo disso é a proposta de a implementação de novos pontos de captação de água para consumo humano, irrigação e dessedentação animal e o fornecimento de água potável em quantidade e qualidade suficiente através de caminhão pipa e/ou água mineral.
Qualidade da água
A falta de transparência gera incertezas e inseguras sobre a água. Por isso, também é proposto o acesso à informação sobre a qualidade da água do rio Paraopeba para consumo, plantio, pesca e lazer, em especial para os pescadores que estão utilizando o rio e consumindo peixes. A medida visa garantir que toda a população atingida seja informada de forma atualizada, completa, qualificada e independente dos interesses da Vale sobre os níveis de contaminação da água do rio e os riscos apresentados aos seus diversos usos.
Outras medidas propostas no que se refere à informação sobre a qualidade da água do Paraopeba foram a instalação de placas em áreas contaminadas que alertem sobre o perigo de consumir peixes do rio e os alimentos plantados no solo, a sinalização adequada das margens dos cursos d’água em toda a extensão atingida do rio como segurança e alerta para a população e o monitoramento da qualidade das águas, sejam elas superficiais, subterrâneas, fornecida pela Vale, entre outras formas de abastecimento das regiões.
Também foi proposto enquanto medida emergencial a análise técnica das condições atuais do solo, da água (rio Paraopeba, córregos, nascentes, poços e cisternas) e da qualidade dos alimentos em áreas destinadas à produção vegetal e animal, para informar aos agricultores e público consumidor sobre os níveis de contaminação. As análises devem seguir as diretrizes de Resoluções do CONAMA Nº 357/2005 e Resolução CONAMA Nº 420/2009 e serem realizadas periodicamente por empresas idôneas, sem ligação com a mineradora Vale S/A.
No que se refere à agricultura, aparecem medidas como a distribuição de cestas básicas e verdes com produtos preferencialmente adquiridos por produtores locais; assistência técnica rural, independente da Vale, para produtores, fornecimento de água potável, sementes crioulas e mudas de hortaliças e plantas frutíferas; e a disponibilidade de terreno para plantio em áreas não contaminadas, com a regularização das condições de água sendo acompanhada por associações comunitárias.
Dentre as medidas de reparação para efetivação do direito ao trabalho, estão a realocação de agricultores para novas áreas que sejam adequadas para produção vegetal e animal e em reassentamentos comunitários, mediante consentimento e garantia aos agricultores o acesso a insumos básicos para a produção como: ração, silagem, medicamentos e médicos veterinários para criadores de animais da região, armazenamento de água destinadas às atividades produtivas: uso para irrigação, plantio, manejo e colheita; uso para criação e manejo de animais de produção e doméstico.
Também é apontada a Assistência Técnica às famílias produtoras, composta por uma equipe interdisciplinar, que preste assessoria técnica para a produção, orientação de acesso às políticas públicas (PRONAF, PAA, PNAE), assistência na regularização fundiária e monitoramento participativo da situação das famílias ribeirinhas, dentre outras medidas.