Mineradora quer transformar o Norte de Minas em novo polo minerário

A empresa Sul Americana de Metais S/A (SAM), controlada pela Honbrigde Holdings Ltd. sediada em Hong Kong, pretende transformar a região Norte de Minas Gerais em um Distrito Ferrífero, isto […]

A empresa Sul Americana de Metais S/A (SAM), controlada pela Honbrigde Holdings Ltd. sediada em Hong Kong, pretende transformar a região Norte de Minas Gerais em um Distrito Ferrífero, isto é, um novo polo minerário a exemplo do que hoje ocorre nas regiões de Conceição do Mato Dentro, Brumadinho e do Quadrilátero Ferrífero, onde se encontra, dentre outros, o município de Mariana.

Tendo adquirido direitos minerários em vários municípios do Norte de Minas, desde 2006, quando iniciou os estudos geológicos, a SAM tenta viabilizar a exploração de minério de ferro na região. O alvo da mineradora são os municípios de Grão Mogol e Padre Carvalho, onde pretende implantar o Projeto Bloco 8.

O início de tudo: Projeto Vale do Rio Pardo

Os anos 2000 foram o palco do chamado “super ciclo das commodities”, notadamente do minério de ferro que possuía grande demanda na China, cuja economia apresentava expressivo crescimento.

Os estudos geológicos e de viabilidade técnica feitos entre 2006 e 2010 geraram o Projeto Vale do Rio Pardo, cujo processo de licenciamento foi iniciado em 2010 junto ao IBAMA.

O projeto previa a construção de um complexo minerário no Distrito de Vale das Cancelas, em Grão Mogol/MG, com mina e unidade industrial, além de um mineroduto que transportaria o minério por 482 km através 21 municípios, sendo 9 em Minas Gerais (Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite, Novorizonte, Salinas, Taiobeiras, Curral de Dentro, Berizal e Águas Vermelhas) e 12 na Bahia (Encruzilhada, Cândido Sales, Vitória da Conquista, Ribeirão do Largo, Itambé, Itapetinga, Itaju do Colônia, Itapé, Ibicaraí, Itabuna, Barro Preto e Ilhéus) até o Porto Sul, na cidade de Ilhéus/BA, de onde seria transportado até seu destino final: a China. O projeto, no entanto, foi arquivado pelo IBAMA que o considerou ambientalmente inviável.

Diante do arquivamento a empresa tentou, sem sucesso, revertê-lo, até que em 2016 o processo foi paralizado, conforme a própria SAM, “devido às novas exigências relacionadas à disposição de rejeitos no Brasil” que vieram em decorrência do rompimento da barragem da Vale em Mariana, no ano de 2015. 

Assim, em 2017, a empresa reformulou o projeto, retirando dele o mineroduto. Nascia, aí, o Projeto Bloco 8. 

O Projeto Bloco 8

Uma vez reformulado o projeto, a Sul Americana de Metais tentou, junto ao órgão federal, o desmembramento do licenciamento, de modo que o licenciamento do mineroduto permaneceria a cargo do IBAMA enquanto a cava seria licenciada junto ao governo do estado de Minas Gerais. Conforme o Art. 5º da Lei Complementar 140/2011, a decisão quanto à delegação do licenciamento para o órgão ambiental mineiro cabia ao IBAMA o qual considerou o fracionamento indevido e, por isso, negou o pedido.

Não obstante, desrespeitando abertamente a decisão do referido Instituto, a SAM submeteu o Projeto Bloco 8 à apreciação da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), onde se encontra atualmente.

No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do Projeto Bloco 8 a empresa afirma que “a logística do minério ficará a cargo de uma empresa independente”. A empresa independente, no entanto, Lotus Brasil Comércio e Logística LTDA tem como uma de suas sócias a Sul Americana de Metais.

Observa-se, portanto, a estratégia da empresa. Fracionar o licenciamento para facilitar o processo, licenciar a cava na SEMAD, onde ele já é considerado prioritário e, na sequência, forçar o IBAMA a licenciar o mineroduto.

Enquanto isso no Norte de Minas…

Assim como a monocultura de eucalipto nos anos 1970, a barragem de Irapé nos anos 1990 e todos os outros grandes projetos e empreendimentos realizados na região, o Projeto Bloco 8 promete, na visão da empresa, ser a redenção do Norte de Minas.

Nos materiais produzidos pela empresa são comuns as referências à geração de emprego e renda, ao seu “potencial de promoção do desenvolvimento numa das regiões mais carentes do Brasil” e à sua importância autoatribuída. O mesmo discurso de todos os grandes empreendimentos introduzidos na região. E é exatamente esse discurso que seus materiais informativos e seus funcionários têm divulgado nos locais que serão atingidos pelo empreendimento.

É importante salientar que os municípios de Grão Mogol e Padre Carvalho, nos quais pretende-se instalar as estruturas do Projeto Bloco 8, são habitados por comunidades tradicionais geraizeiras que, conforme determinação da Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº5.051, de 19 de abril de 2004, têm o direito a serem consultadas de forma livre, prévia, informada e de boa fé.

Longe de informar, porém, os materiais e funcionários da empresa espalham desinformação e criam ilusões ao não tratar de forma séria dos impactos que serão causados na região. É comum ouvir das pessoas simples que residem nas comunidades rurais e no distrito de Vale das Cancelas que o projeto trará não apenas empregos, mas água para o povo através da construção de uma barragem no Rio Vacaria. Mas, se esta ilusão é desmentida pelo RIMA – onde é apresentado claramente que a parte da água será disponibilizada para o governo do estado de Minas Gerais que poderá, inclusive, não disponibilizá-la para a população – é reforçada pelos materiais informativos da empresa, como o caso do folheto “Nossa Gente” que, além de não fazer qualquer referência a essa informação e tratar a barragem como um sonho antigo da população, aponta que ela “fornecerá água para o projeto e para a região”.

 


Imagem 1: Informativo “Nossa Gente” distribuído pela SAM no Distrito de Vale das Cancelas – Grão Mogol/MG

Mas isso não é tudo…

Conhecendo o Projeto Bloco 8: Características e impactos


Mapa 1 – Localização do complexo minerário do Projeto Bloco 8

Com investimento total da ordem de R$7,25 bilhões e vida útil estimada de 18 anos o projeto prevê a exploração de minério de ferro de baixo teor (20% de ferro) e, a partir dele, a produção anual de 27,5 milhões de toneladas de um composto formado por partículas de minério de ferro com teor mínimo de 66,5% (de ferro) que recebe o nome de pellet feed.
Através de seus estudos a empresa calculou que existem cerca de 1,98 bilhão de toneladas de minério, sendo necessária a remoção de 248,9 milhões de toneladas de material estéril (material sem valor comercial).

Um projeto dessa proporção fatalmente produzirá uma quantidade absurda de rejeitos, estimada em 1,5 bilhão de toneladas, que serão armazenados em duas barragens de rejeito que ocuparão, juntas, uma área de 2.596 hectares.
Cabe apontar aqui, que as barragens de rejeito serão construídas sobre nascentes e importantes cursos d’água da região que abastecem várias comunidades, como é o caso dos córregos Lamarão, Batalha, da Onça, do Meio e Mundo Novo, todos afluentes do Rio Vacaria que, por sua vez, deságua no Rio Jequitinhonha. Além da destruição, uma eventual contaminação destes córregos contaminaria os Rios Vacaria – e, portanto, o reservatório que a empresa pretende construir – e o Jequitinhonha.


Mapa 2 – Principais estruturas do complexo minerário do Projeto Bloco 8

Tudo isso ocorrerá no interior de um complexo minerário a ser construído onde hoje existem, além de 3 cemitérios, as comunidades tradicionais geraizeiras da Batalha, Córrego do Vale, Lamarão e São Francisco, as quais, portanto, deixarão de existir.

A cereja nesse bolo de absurdos é o volume de água que será consumido, 6.200 m³, isto é, 6,2 milhões de litros por hora em uma região que já sofre com a escassez e na qual, além de não ter água para produzir, não raras vezes, até a água para consumo familiar precisa ser racionada.

Para suprir essa necessidade a SAM possui uma outorga (autorização) da Agência Nacional de Águas (ANA) que lhe permite retirar 54 milhões de m³ de água por ano da barragem de Irapé. Essa quantidade de água é suficiente para abastecer, por 2 anos, 0s mais de 400 mil habitantes da cidade de Montes Claros/MG.

Mesmo com essa outorga, a empresa pretende construir, também, uma barragem no Rio Vacaria, apontada anteriormente, a qual alagará uma área de 757 hectares e atingirá as comunidades Diamantina, Vaquejador, Miroró, Tamboril, além de 9 cemitérios.

Durante os estudos ambientais foram identificados uma série de impactos. No RIMA do empreendimento foram apresentados os impactos prováveis, definidos como os “impactos ambientais que podem ocorrer, positivos e negativos, nas etapas de implantação, operação e desativação do empreendimento, porém, neste caso, considerando que as medidas mitigadoras e potencializadoras venham a ser implantadas com sucesso, no tempo certo e com a eficiência prevista.”

Do total de impactos, 87% foram considerados negativos, 8% de duplo efeito (positivo e negativo ao mesmo tempo) e apenas 5% foram considerados positivos. Destes, porém, a maioria só ocorrerá durante ou após a fase de fechamento da mina, isto é, após os 18 anos de operação inicialmente previstos.

Dentre os impactos negativos está aquele que incidirá sobre a cultura imaterial das comunidades, tendo em vista seu caráter tradicional que tem no território e na relação com o meio ambiente, elementos centrais do seu modo de vida.

Todavia, há que se considerar, ainda, outros como:
?    aumento da demanda em relação a infraestruturas e serviços públicos nos meios urbano e rural, já bastante precarizado e insuficiente para atender a demanda atual;
?    Aumento de problemas relacionados à saúde e à segurança;
?    isolamento de comunidades em decorrência das obras realizadas em função do empreendimento;
?    remoção voluntária e involuntária da população, ocasionando a desestruturação dos vínculos sociais e territoriais;
?    alteração dos modos de vida da população, principalmente no que diz respeito ao uso da água e do solo;
?    alteração da paisagem;
?    aumento no nível de ruído, ocasionado pelas explosões e uso constante de maquinário pesado, gerando transtornos para a população e também para os animais que habitam a região;
?    destruição do cerrado nativo, já amplamente devastado pelo cultivo do eucalipto, o que poderá ocasionará a destruição da flora e afetará, também, a fauna;
?    alteração na qualidade do ar, em função da poeira gerada pelas atividades no interior do complexo minerário;
?    alteração na qualidade da água superficial e subterrânea;
?    alteração nas propriedades físicas e químicas do solo;
?    Alteração da dinâmica dos córregos Lamarão, do Vale, Capão do Meio, Capão da Onça, Batalha Mundo Novo e do Rio Vacaria;

Cabe lembrar que alguns desses córregos, bem como suas nascentes, estarão situadas dentro do complexo minerário e, portanto, estão sujeitas à contaminação. Dado que todos são afluentes do Rio Vacaria, uma eventual contaminação de qualquer um desses córregos pode resultar na contaminação do Rio Vacaria e, consequentemente, do Rio Jequitinhonha, onde aquele deságua.

Há outros impactos, porém, não mencionados no RIMA do empreendimento, como a mudança no perfil econômico da região, que deixa de ter como base a agricultura e pecuária e passa a girar em torno da mineração, tornando-se dependente dela.
Há que considerar também os impactos verificados em situações em que há um grande afluxo de pessoas de outras regiões para um determinado local, tais como: aumento no consumo de drogas e álcool, da prostituição, da violência contra mulher (notadamente a violência sexual) e dos índices de gravidez, principalmente entre as adolescentes.

Diante de todos esses impactos, várias comunidades e principalmente aquelas que deixarão de existir em função da construção do complexo minerário, já se manifestaram de forma contrária a este empreendimento, sobretudo após o crime da Vale em Brumadinho, que expôs de forma clara todo o potencial destrutivo e os riscos que a mineração representa para os locais onde se instala.

Um exemplo contundente foi o ato realizado no Vale das Cancelas, distrito de Grão Mogol/MG, no dia 16/02/2019 e que contou com a presença de movimentos sociais, pastorais, sindicatos, igreja e mandatos de vários municípios da região – Montes Claros, Salinas, Fruta de Leite, Josenópolis, Padre Carvalho e Grão Mogol. Nele a população deu seu recado: Mineração, aqui não!!!


Imagem 2 – Início da marcha contra a mineração – Vale das Cancelas – 16/02/2019


Imagem 3 – Geraizeiros em marcha contra a mineração – Vale das Cancelas – 16/02/2019

As comunidades agora se organizam para participar de uma audiência pública já aprovada no âmbito do licenciamento ambiental – porém, sem data e local definidos. Nesse meio tempo, o MAB segue atuando para levar ao máximo de pessoas possível as informações sobre este empreendimento e toda a extensão dos impactos que irá causar.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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