Vigília de protesto de atingidos pela Samarco já dura mais de 80 dias

Moradores de Naque, cidade do Vale do Aço atingida pelo crime da Samarco (ValeBHP Billiton), fazem vigília na porta do escritório da Fundação Renova reivindicando direitos O crime na bacia […]

Moradores de Naque, cidade do Vale do Aço atingida pelo crime da Samarco (ValeBHP Billiton), fazem vigília na porta do escritório da Fundação Renova reivindicando direitos


O crime na bacia do Rio Doce está perto de completar 43 meses. Foram mais 60 milhões de metros cúbicos de lama de rejeito das barragens de Fundão e Santarém que foram despejados desde o dia do rompimento, em 5 de novembro de 2015, e provocou o maior crime socioambiental da história brasileira, com 18 mortos identificados, um desaparecido e provocou um aborto forçado pela lama.

Neste período, as empresas assumiram uma série de compromissos diante da sociedade e da Justiça, assinaram o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), que criou a Fundação Renova, o Termo de Ajustamento Preliminar (TAP) e, posteriormente, o seu Aditivo (que garantem as assessorias técnicas independentes) e, finalmente, o Termo de Ajustamento de Conduta Governança (TAC-GOV) que, supostamente, organiza e garante a participação no processo de reparação conduzido pela Fundação.

A despeito das centenas de páginas impressas e das incontáveis reuniões realizadas até agora com o valoroso esforço do Ministério Público e de muitos servidores compromissados em seu trabalho no Comitê Interfederativo (CIF) e nas Câmaras Técnicas, o que predomina, na prática, é uma forma de reparação baseada no autoritarismo com um falso “diálogo social” que utiliza métodos de trabalho que excluem atingidos e negam direitos, causam conflitos nas comunidades e transformam o direito em mercadoria.

Enquanto isto, as comunidades buscam formas de pressionar a Fundação Renova, braço político e publicitário das mineradoras, realizando atividades de denúncia e pressão popular exercendo o direito constitucional de livre reunião e manifestação. Um dos exemplos desta resistência organizada é a iniciativa dos atingidos pela Samarco na cidade de Naque, município do Vale do Aço, em Minas Gerais, que desde fevereiro fazem vigília no escritório da Fundação na cidade para pressionar por direitos.

Valdete Alves, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma das participantes da vigília desde o começo, conta que a falta de atenção para os problemas da comunidade motivou os atingidos a espontaneamente se aglomerar no escritório para chamar atenção. “Temos muitas pautas para cobrar, mas os critérios de indenização como o LMEO, a renda per capita, a demora dos atendimentos para resolver as questões básicas de cadastro são principais. Ligamos no 0800 e lá diz que está tudo ok, mas na realidade os dados estão confusos e desatualizados”, explica a atingida.

Outro manifestante assíduo na vigília é Derly Soares. Apesar de seus problemas de saúde, ele acompanha a vigília sempre que pode. “Nosso objetivo é que paguem o restante da campanha 1 e 2 do cadastro, acelerem o pagamento da campanha 3, conforme prometido pela gerente Andrea Azevedo, da Renova, e contratem uma empresa para finalizar a campanha 4”, reivindica o atingido que também é integrante do MAB.

O cadastro é uma das maiores reclamações de todos os atingidos da bacia do Rio Doce e um dos temas mais debatidos na Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial – CTOS, responsável pelo chamado PG001, o programa de cadastramento dos atingidos. Por exemplo, somente na campanha 4 ou fase 2 do programa, 24 mil pessoas aguardam por algum atendimento.

Desde 2016, a Câmara discute o tema e em 22 de março deste ano divulgou uma Nota Técnica de 32 páginas em que detalha e questiona as muitas falhas deste processo. A nota elenca os muitos exemplos de como a Fundação Renova descumpre os acordos judiciais citados acima ao impor um conceito de atingido que exclui situações como danos relacionados à água em área urbana, à saúde, especialmente de natureza psicológica, ao dano moral, à declaração de danos em comunidades tradicionais, entre outros.

Além destes e outros “critérios de não elegebilidade”, instrumento condenado pela Câmara, o Cadastro da Renova é utilizado não como um instrumento para a conexão de todo o processo de reparação, mas como uma forma de fazer apenas algo semelhante a um pré-programa de indenização monetário que, por sua vez, impõe regras absurdas como a Linha Média das Enchentes Ordinárias – LMEO.

LMEO é uma faixa de terreno marginal banhada pelos rios, lagos ou quaisquer correntes de águas federais e fora do alcance das marés, neste caso caracterizado como Terreno de Marinha. A competência para demarcar a LMEO é da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Esta medida coloca como prioridade para o recebimento de futuras indenizações apenas quem mora até mil metros desta faixa marginal do Rio Doce. “Utilizar uma regra como esta para limitar acesso a direitos é uma violação absurda porque não tem base em nenhuma regra sobre processos reparação tão pouco nos acordos judiciais assinados pelas empresas mantenedoras da Renova”, afirma Guilherme Camponêz, integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Este é um dos principais pontos de reivindicação da vigília dos atingidos de Naque. Eles se reúnem diariamente na porta do escritório, ocupam as cadeiras da recepção ou ficam na calçada. Alguns levam café e lanches e ficam de maneira pacífica buscando informações e aguardando respostas.

Valdete rebate a idéia divulgada pela Fundação Renova de que os atingidos ameaçam ou constrangem os funcionários. “Isto não é verdade. Estamos aqui de forma organizada e pacífica. Tanto que eles não se constrangem com a nossa presença e nos ignoram trabalhando em uma sala separada. Seria bom se eles se constrangessem de verdade e atendessem nossos pedidos”, comenta.

Vígília também é uma resposta à falta de informações independentes e seguras

A pauta dos atingidos da vigília de protesto de Naque está toda contemplada na luta pela Assessoria Técnica independente, direito também garantido pelos acordos assinados pelas empresas e que não se efetivou mais de três anos e meio depois do rompimento.

Até agora, foram escolhidas como entidades de assessorias a Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual – ADAI, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social – AEDAS, a Cáritas da Diocese de Governador Valadares, a Cáritas da Diocese de Itabira e o Centro Agroecológico Tamanduá – CAT. Apenas a comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, Espírito Santo, ainda não fez sua escolha.

Passado quase oito meses da primeira escolha de entidade, os atingidos ainda não tem prazo real para o início dos trabalhos. Tanto que para denunciar a situação e cobrar das autoridades ações para resolver esta questão, representantes de diversas comunidades atingidas estiveram na 37ª reunião do Comitê Interfederativo (CIF), realizada no dia 27 e 28 de maio, de Belo Horizonte.

“Se tivéssemos estas equipes atuando, o cadastro já poderia estar sendo revisto coletivamente, os critérios de indenização estariam sendo rediscutidos utilizando-se argumentos coerentes e as informações estariam circulando de forma organizada na comunidade melhorando o clima das relações e talvez evitando que mulheres e homens tivessem que fazer uma vigília tão longa e custosa para eles. Nosso apoio a esta iniciativa passa por esta luta que é, antes de tudo, luta por respeito e dignidade para todos que começa pelo direito à informação”, conclui Guilherme Camponêz.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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