ONU ouve denúncias de atingidos em Mariana

Integrantes do Grupo de Trabalho que discute Empresas e Direitos Humanos na Organização das Nações Unidas (ONU) estiveram em Mariana (MG), na tarde do último sábado (12), para ouvir os […]

Integrantes do Grupo de Trabalho que discute Empresas e Direitos Humanos na Organização das Nações Unidas (ONU) estiveram em Mariana (MG), na tarde do último sábado (12), para ouvir os atingidos pelo desastre da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração S.A – empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton.

Durante o encontro organizado pelo Ministério Público de Minas Gerais, que contou com a presença dos representantes da ONU Pavel Selvanathan e Dante Pesce, atingidos da cidade de Barra Longa e dos distritos Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Pedras, Ponte do Gama e Campinas, pertencentes à Mariana, denunciaram as violações de direitos humanos e a morosidade da Samarco para resolver problemas básicos e imediatos.

As Comissões dos Atingidos em Mariana fizeram relatos emocionados com denúncias sobre a negligência da empresa. “Foi a solidariedade que salvou as nossas vidas”, lembrou Luzia, atingida em Paracatu, que também falou sobre a situação das famílias que estão em hotéis. “Idosos estão perdendo a memória, jovens que eram tranquilos mudam de comportamento, crianças se machucam”, denunciou.

Os atingidos esperam que a Samarco desloque as famílias dos hotéis para casas alugadas até o Natal. O cronograma oficial da empresa previa que a retirada de todos seria feita até dia 27 de fevereiro.

Os representantes da Comissão de Atingidos de Barra Longa, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), fizeram uma apresentação com muitas imagens e dados diversos sobre os prejuízos causados pela lama da barragem de Fundão. A cidade, que tem 6.800 habitantes e povoação registrada desde 1701, foi surpreendida com a lama cerca de 10 horas depois do rompimento.

“Se algum funcionário da Samarco tivesse saído a pé de Mariana com um megafone na mão avisando do desastre teria chegado a tempo em Barra Longa e teríamos salvado muita coisa”, denunciou Flávio Márcio, morador da cidade que fica a 70km de Mariana. Ele também frisou que o único aviso dado aos moradores foi realizado à meia noite do dia 6 de novembro e assegurava que a lama não chegaria à Barra Longa. A surpresa foi que a população não se preparou e a destruição foi total.

Hoje, 16 comércios estão com danos estruturais graves, 22 com perdas de estoques eou equipamentos e 11 pararam de funcionar. Com o desastre e o caos que se instalou, o movimento geral caiu mais de 50%, prejudicando todos os comerciantes e ameaçando cerca de 200 empregos diretos e indiretos.

Na zona rural, o prejuízo também é imenso. Cerca de 60 produtores perderam capacidade produtiva, com queda de 15% das pastagens e 70% das áreas de cultivo para a alimentação do gado. “Entre 5 e 7 de novembro, a produção de leite caiu de 25 mil litros por dia para 10 mil litros. E esta perda perdurou por 5 dias devido a falta de estradas e energia”, lembrou Mércia Paglioto, também atingida.

Além de todo este impacto, muitas famílias na cidade e na zona rural perderam suas casas. Hoje, de um total de 216 casas cadastradas como atingidas, 10 foram totalmente destruídas, 72 apresentam danos estruturais e 3 estão condenadas pela Defesa Civil. Além disso, 78 famílias estão desalojadas, mais de 152 pessoas estão em 44 casas alugadas e outras 34 famílias estão em casa de parentes.

Política de direitos

Andréa Vasconcelos, também atingida em Barra Longa, apresentou os problemas causados pela sujeira na saúde das famílias. “Temos visto muitos casos de piora em doenças respiratórias, ocorrência de conjuntivite, coceiras e alergias de toda natureza, problemas no estômago e outras disfunções por causa do forte cheiro da lama e até queimaduras e outras feridas por causa do contato com o rejeito”, relatou Andréa.

Além disto, a profunda alteração no ritmo de vida da população atingida provocou piora aguda nos casos de depressões, síndrome do pânico, alcoolismo e surgimento de novas doenças neste âmbito. E, diante de tudo isto, “a Samarco afirmou e continua afirmando que a ‘a poeira do rejeito é como qualquer outra poeira’”, indignou-se Andréa.

Flavio Márcio insistiu com os representantes da ONU sobre a necessidade do povo atingido ser o protagonista de todo o processo de reparação. “O MAB defende que o Plano de Recuperação da Bacia do Rio Doce deve contemplar ações de longo prazo que efetivamente façam o Rio Doce reviver. Toda a sociedade deve participar: o Estado deve fazer a sua parte, as organizações da sociedade civil devem ser ouvidas e o povo atingido organizado em toda a bacia deve ser o protagonista da recuperação”, afirmou Flávio.

Para ele, toda esta tragédia e suas consequências mostram a urgência do Brasil criar uma legislação que garanta os direitos dos atingidos por barragens, seja para gerar energia elétrica, para os grandes açudes ou para barrar rejeito mineral. “Por isto o MAB defende que seja aprovada uma Política Nacional de Direitos para as Populações Atingidas por Barragens.”, concluiu Flávio.

Os representantes da ONU ficaram surpresos com todos os relatos e afirmaram que vão recomendar ao Estado brasileiro que tome medidas efetivas para ajudar as famílias atingidas. O relatório final da visita será apresentado no próximo ano em em Genebra.

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