Posicionamento da Diocese de Santo Ângelo sobre as barragens no Rio Uruguai

A questão dos projetos de construção de Barragens no Rio Uruguai foi um tema tratado na Assembleia Diocesana de Pastoral, em outubro de 2013. Na ocasião foi deliberada a publicação […]

A questão dos projetos de construção de Barragens no Rio Uruguai foi um tema tratado na Assembleia Diocesana de Pastoral, em outubro de 2013. Na ocasião foi deliberada a publicação de um documento oficial do Posicionamento da Diocese sobre Barragens no Rio Uruguai.

Tal deliberação recebeu encaminhamento na reunião do Conselho Diocesano de Pastoral, em final de novembro de 2013, onde foi decidida a elaboração deste posicionamento de forma participativa. Uma proposta de Texto foi encaminhada às paróquias e a todos os organismos e movimentos eclesiais atuantes na Diocese para apreciação e contribuições durante os meses de dezembro/13 e janeiro-fevereiro/14.

Na Reunião Geral de Pastoral da Diocese, no dia 25 de fevereiro de 2014, houve a aprovação final do Texto do Posicionamento, que agora é tornado público a toda sociedade.

Confira o Texto oficial:

 

Diocese de Santo Ângelo

Posicionamento da Diocese sobre Barragens no Rio Uruguai

A Diocese Angelopolitana, Igreja discípula, missionária, profética e samaritana, atenta às interpelações contextuais, à voz do Espírito Santo e fiel a Jesus Cristo, o profeta do Pai, manifesta:

1. Sua preocupação especial diante da presença de um forte sentimento de apreensão e angústia que o tema construção de barragens gera junto a população. Estes sentimentos estão presentes naqueles que defendem ou são contrários às obras;

2. Criteriosa atitude de discernimento: o debate em torno da construção de “grandes usinas hidrelétricas” não é novo em nosso país. Também não é novo na região sul. Mesmo na região Fronteira Noroeste e Missões este debate já esteve presente na década de 1980, quando estudos de inventário indicavam a construção de três usinas: São Pedro, Garabi e Roncador. Tais debates, pela diversidade de interesses envolvidos e nem sempre explicitados, exigem criterioso discernimento;

3. Advertências acerca de discursos “desenvolvimentistas”. Há entidades e lideranças da oficialidade que afirmam e buscam convencer a sociedade de que as barragens serão um “bem” para a região. Como entender ser um fato bom e positivo ter, aproximadamente, 100 mil hectares de terras férteis da região alagados? O alagamento desta área de terra forçará a saída de milhares de famílias. Comunidades e bairros serão alagados. Histórias de vida, de profundo valor sentimental, ficarão debaixo da água. Laços familiares e comunitários serão rompidos. Escolas, estradas, postos de saúde, igrejas, comércios, salões de festas serão fechados. Cemitérios serão alagados. Haverá mudanças climáticas. Milhares de pessoas vinculadas a estas terras perderão seu trabalho e o sustento familiar. E as indenizações às pobres famílias que não têm a posse da terra em dia, como ficam?;

4. Solícita escuta e atenção respeitosa ao clamor de “atingidos” pelas barragens: “Luto desesperadamente, contra as barragens, como se luta para defender um filho da morte. Defendo a vida do Rio Uruguai, o que resta dele vivo, como o ar que respiro, por meus pais (87 anos e 78 anos), nossa família. Para onde iremos? Vejo o tempo se esgotando… Minha preocupação é com a Natureza, com o ser humano… Meu nome é Lony Elisa Dei Ricardi,… sou filha de Porto Mauá,… Dou muito mais valor agora a esta causa porque vejo tudo ameaçado, poderia ter feito mais que já fiz até hoje!”; “Estamos lutando com todas as forças contra as barragens. Queremos que o nosso rio Uruguai continue vivo e continue dando sustento a todo povo. Como pescadora lamento o desastre que vai acontecer com o nosso rio, nossos peixes, nossos matos e todas as espécies de animais que habitam nesta barranca do rio. O rio é fonte de vida, esse sim é como uma empresa rica que sustenta o mundo de graça, que emprega todos que dele precisam, ele não desemprega ninguém, do contrário, dali tiramos o nosso sustento.” – Tereza Maciel Pessoa – Alecrim;

5. Orientações emanadas da Palavra de Deus, que ensina: – a praticar a justiça nas relações sociais (“Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça, chamai à razão o espoliador, fazei justiça ao órfão, tomai a defesa da viúva.” – Is 1,17); – a construir a paz (“Felizes os que agem em prol da paz; eles serão chamados filhos de Deus.” – Mt 5,9); – a favorecer e promover a vida de todas as criaturas (“Hoje, tomo como testemunhas contra vós o céu e a terra: foi a vida e a morte que pus diante de ti, a bênção e a maldição. Escolherás a vida, para que vivas, tu e tua descendência.” – Dt 30, 19);

6. Seu compromisso de aliança com as pessoas ameaçadas por esses projetos. Em parceria com outras entidades comprometidas (por exemplo, o Sínodo Noroeste Rio-grandense – da IECLB, vários sindicatos de trabalhadores rurais, Movimento de Atingidos por Barragens – MAB) com a defesa dos direitos da população e da vida dos empobrecidos, a Diocese se empenhará para garantir o atendimento de tais direitos. Precisamos questionar com insistência: em vez de produção de energia com Barragens, por que não apostar na energia eólica, solar e de biomassa?;

7. Contrariedade aos métodos de implantação de projetos adotados pelos grandes consórcios: não reconhecimento das populações locais; sonegação de informações; indenizações discriminatórias e não transparentes; indiferença em relação ao ecossistema e desconsideração com as dinâmicas sócio-culturais presentes e atuantes na região;

8. O compromisso de solidariedade com as pessoas e comunidades diretamente atingidas e o apoio às suas reações e reivindicações, mesmo com uma mobilização maior de comunidades não diretamente atingidas.

Tais argumentos manifestados levam as lideranças da Diocese a expressar seu comprometimento com o povo e suas entidades no seu questionamento e na sua posição contrária aos projetos de construção de barragens no Rio Uruguai.

(Observação: Este manifesto de posicionamento foi deliberado na Assembleia Diocesana de Pastoral, dia 29 de outubro de 2013, e foi construído, de forma participativa, pelas lideranças do Povo de Deus ao longo dos meses de Dezembro/2013 e Janeiro-Fevereiro/2014.)

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