Arpilleras levam à Áustria o grito das mulheres brasileiras frente à crise climática
Da seca extrema da Amazônia às enchentes no Sul, as 15 peças evidenciam a denúncia e a resistência das atingidas aos extremos do clima
Publicado 02/12/2025 - Actualizado 03/12/2025

“As arpilleras são esse instrumento que expressa, de forma sensível, tudo aquilo que às vezes nós, mulheres, não conseguimos dizer em palavras”, analisa Daiane Höhn. Ela integra a coordenação nacional do MAB e conta sobre a escolha das peças que compõem as quatro exposições que passam por Viena, Salzburg e Innsbruck.
Os austríacos poderão conferir, até maio do ano que vem, 15 peças que abordam a crise climática e os seus efeitos em cada território e população, de modo especial sobre a vida das mulheres. São arpilleras que questionam “os impactos da crise climática e as falsas saídas apresentadas. Mas abordam, sobretudo, como nós, atingidas, apontamos a saída para essa crise”, afirma Daiane.
As exposições também têm o caráter de mostrar a realidade do povo brasileiro, por isso a curadoria priorizou “peças que traduzem o que se passa na Amazônia brasileira – desde o Pará, Rondônia e também Amapá, retratando a seca histórica e as queimadas criminosas -, mas também contrastando com uma outra versão da crise, que são as inundações em São Paulo e a cheia histórica no Rio Grande do Sul”, explica Daiane sobre a escolha das peças.
Um dos principais objetivos da seleção destas 15 peças é ressaltar que, se, por um lado, as mudanças climáticas são parte de uma crise ampla, global, por outro, seus impactos são sentidos em cada pequeno território e de forma desigual pelas mulheres. Apesar disso, é quase sempre elas que provocam a luta pelos direitos dos atingidos e buscam meios de seguir existindo e resistindo no seu território.
“Cada peça reafirma que as mulheres, embora sejam as mais atingidas pelos desastres ambientais e pelas mudanças do clima, são também protagonistas na defesa do meio ambiente e dos direitos das populações atingidas, na busca por dignidade e na construção de uma vida mais justa e sustentável para todos”, diz Höhn.
Salve a Amazônia

A peça retrata situações que vêm ocorrendo na região do Tapajós, onde as comunidades ribeirinhas enfrentam secas extremas, que se intensificam ano após ano, e interferem em seu cotidiano. Elas causam falta de água para consumo e secam os rios, deixando as comunidades isoladas devido à impossibilidade de navegação.
Além disso, a população também é ameaçada pela ação criminosa de incêndios que aumentam nesta época do ano. Essas queimadas geram uma fumaça densa, que se espalha por longas distâncias, alterando a paisagem e interferindo na produção rural.
Lucielle de Sousa Viana ajudou a fazer a arpillera em Itaituba, no estado do Pará, e explica a intenção das bordadeiras na construção da peça:
“Na parte de cima tem muita fumaça, que afeta tanto a cidade quanto as comunidades rurais. Também trazemos a questão do calor, que se intensifica muito. Em 2023, tivemos um índice altíssimo de calor na cidade por conta dessa seca extrema, a falta de chuva e as queimadas”, conta Lucielle.
No meio da arpillera está a praia de Paraná Mirim, que sempre é um lugar de festa da comunidade, e que durante a seca não foi possível chegar. Também ali está a frase “Salve a Amazônia”, em amarelo e laranja, como as cores do fogo que destrói a floresta.
Já na parte de baixo, ela explica que as mulheres bordaram a seca no Rio Tapajós. “A falta de água no rio forma algumas praias e às vezes fica somente algumas poças de água. Os anos de 2023 e 2024 foram os períodos mais intensos de seca na região, deixando as comunidades isoladas, principalmente as comunidades ribeirinhas, que dependem diretamente do rio para tudo”, lembra Lucielle.
No outro lado, as enchentes

No extremo sul, Eliane Goulart lembra dos sentimentos que ela e outras cinco mulheres quiseram expressar na arpillera ‘Memória das Enchentes’:
“A gente colocou na arpillera tudo aquilo que estávamos sentindo. Nasci e me criei aqui, e nunca tinha visto uma coisa assim, a história da gente virando entulho na frente de casa”.
A enchente de maio de 2024 foi para Eliane a pior experiência que poderia viver na Rua Vieria da Silva, no Bairro Sarandi, em Porto Alegre. Ali, ela ficou com a casa totalmente coberta com água por 34 dias. “Por isso, na arpillera tem uma casa, com as grades e um monte de entulhos na frente. Aquele caminhão levando nossas coisas que já não prestavam para nada. Nossa vida virou um monte de entulho, e é isso que colocamos nessa arpillera.”, explica a atingida.

Para Eliane, chegar até a Áustria pela exposição é uma forma de que o mundo saiba e relembre sempre o que aconteceu. “Me sinto feliz por poder mostrar tudo aquilo que o Bairro Sarandi sentiu e ainda sente na pele, porque ainda temos muito medo de que tenha uma nova enchente”, afirma ela. Até hoje, as mulheres do Sarandi lutam por moradia, saúde, escolas e pela readequação do dique que protege o bairro, para que possam viver com segurança.
Conheça as peças em exposição na Áustria
Entre as 15 peças, 13 são da Amazônia: Dois extremos de uma mesma crise; Mercado de carbono: para quê e para quem?; Salve a Amazônia, Xingu em chamas; Reassentamento Urbano Coletivo Laranjeiras; Amazônia: Pulmão em risco, SOS Rio Araguari; Atingidos do Amapari; SOS Rondônia; Enfrentamento das queimadas e agrotóxicos pelas mulheres de Triunfo; Justiça para Nicinha e; Solidariedade. Além destas, também estão expostas a ‘Memórias da Enchente’, de Porto Alegre (RS) e a ‘Enchentes no Pantanal’, de São Paulo.
Você pode conferir estas e outras 175 peças no acervo digital do MAB, que contém as peças produzidas pelas atingidas do Brasil:
