PERFIL | Ana Liza Caballes: o mundo novo pelo qual uma filipina luta nos EUA
Para a moradora de Nova Iorque, a luta por direitos básicos e contra o imperialismo é guiada por um princípio de sua língua natal: a profunda conexão e igualdade entre todos os seres
Publicado 12/11/2025 - Actualizado 12/11/2025

“Contar a minha história? Mas por que?”, perguntou assustada Ana Liza Caballes. Na verdade, não é tão estranho assim. Pela primeira vez no Brasil, ela faz parte da delegação de 13 estadunidenses que participam do IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática e luta ao lado da classe trabalhadora, com os pés no chão do Queens, em Nova Iorque.
Ana nasceu nas Filipinas e aos sete anos foi obrigada a se mudar com a família para os Estados Unidos, motivados – como ela descobriria anos depois – pela fuga da ditadura de Ferdinand Marcos. “Foi só mais tarde, quando entrei na universidade e consegui uma bolsa de estudos, que comecei a entender que o motivo de termos saído das Filipinas era essa opressão e as forças sistêmicas, como o imperialismo, que impediam meu povo, minha família, de viver com dignidade e com a possibilidade de uma vida digna em nosso próprio país”.
Em 11 de setembro de 2001, Ana morava em Nova Iorque – onde ainda vive atualmente – e cursava o segundo ano de faculdade. Para ela, tudo o que aconteceu neste dia e nos que o sucederam, são marcos de uma grande tomada de consciência que mudou o rumo de sua vida. “Foi um grande despertar para mim. Eu me perguntava o que significava estudar e tentar ter uma vida melhor quando a maioria das pessoas no mundo está sofrendo e sentindo o impacto do imperialismo americano”, lembra ela.
Com 20 anos, ela começou a organizar imigrantes filipinas que atuavam como trabalhadoras domésticas na grande metrópole e não tinham seus direitos básicos garantidos. Hoje, passadas mais de duas décadas, Ana continua empenhada na organização da classe trabalhadora para lutar por seus direitos através do Movimento DRUM (Desis Rising Up and Moving), que atua especialmente com os Desis, imigrantes do subcontinente Indiano, especialmente Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka.
O DRUM tem sede em Nova Iorque e integra a Grassroots Global Justice (Justiça Global de Base), que acaba de lançar um novo programa chamado Care – do inglês literal, cuidar –, com o objetivo de promover a luta pelas necessidades básicas das pessoas, como saúde e moradia. As duas organizações, além de mobilizar trabalhadores e migrantes, defendem que, atualmente, existem recursos suficientes para prover as necessidades de todos os habitantes da Terra. Mas que, além de serem mal distribuídos, também estão sendo tomados pelo capital e utilizados para o lucro de poucos, em benefício da guerra, do imperialismo e da militarização. Ana acrescenta que as organizações atuam também na busca pela “reparação de danos que o imperialismo norte-americano causou aos nossos povos e aos povos do mundo”.
Entre Mamdani e Trump, a construção da luta coletiva

Ana mora no Queens, bairro de Nova Iorque que tem mais de 2,3 milhões de habitantes e acolhe especialmente imigrantes. “No meu bairro, você pode ouvir mais de 200 idiomas diferentes e poucas pessoas conhecem essa parte da cidade. Essa comunidade é a classe trabalhadora, pobre e operária, que sustenta toda a riqueza”, relata ela.
Com os movimentos sociais, sindicatos e outras organizações, ela celebra a eleição de Zohran Mamdani como prefeito de Nova Iorque; lembra do quanto os militantes se empenharam na campanha e partilha uma expectativa realista:
“Nos parece que ele está do lado do povo, da classe trabalhadora, dos sindicatos, da comunidade. Mas também sabemos que nessa posição de prefeito da cidade de Nova Iorque, onde existem todos esses bilionários, corporações e instituições financeiras, ele terá que negociar e lutar com todos eles. E fizemos uma promessa, a ele e a nós mesmos, de que continuaremos a responsabilizá-lo e a cobrar dele as coisas pelas quais ele prometeu lutar”, complementa.
Em uma perspectiva mais ampla, ela conta como é viver nos Estados Unidos que reelegeu Donald Trump e os desafios que enxerga no enfrentamento diário da política de morte e destruição que o presidente promove: “Vemos muito explícito o autoritarismo e a completa mudança das organizações norteamericanas; o colapso das instituições e da sociedade e o esforço para eliminar os direitos das pessoas, especialmente mulheres, LGBTQ+, jovens, negros, migrantes. As políticas que ele promove desconsideram completamente a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, não só nos Estados Unidos, mas no mundo todo”, analisa Ana. Por outro lado, ela também vê neste cenário a oportunidade de mobilização e fortalecimento das organizações da base que se articulam para lutar por direitos básicos, como a DRUM.
Estamos conectados e somos iguais
“Existe um termo em tagalog, minha língua natal, que é Pakikipagkapwa. Significa que estamos conectados e somos iguais”, responde Ana Liza quando perguntada sobre o novo mundo pelo qual luta.
Ela acredita que os movimentos estadunidenses têm um papel fundamental de mostrar ao mundo que “os EUA também são afetados por barragens, data centers, crise climática”, e que há um interesse de muitas pessoas no país em se unir “às pessoas do mundo que são impactadas pelo imperialismo, para lutar por um futuro completamente diferente”.
Para Ana, esse mundo novo, diferente, pelo qual sonhamos e lutamos juntos, é Pakikipagkapwa: “quem você é, é quem eu sou. O que é bom para você, também é bom para mim. E precisamos nos manter conectados e lutando lado a lado. E isso não se aplica apenas a pessoas, mas a todos os seres vivos”. Pakikipagkapwa é um processo constante de cada um de nós lutando uns pelos outros, percebendo uns aos outros e lutando para que possamos viver e ter uma vida boa”.
Dos Estados Unidos, Ana Liza partilha com todos os povos um horizonte comum para o novo mundo que queremos: um lugar onde o bem viver dos povos seja a prioridade maior.
